
Na tarde de 24 de setembro pais e mães brasileiros que vivem na cidade de Stoughton, no Estado americano de Massachusetts, estavam apreensivos. Eles se preparavam para sair de casa rumo ao ponto onde o ônibus amarelo escolar deixa as crianças na volta da escola. Mas, naquela tarde, eles recuaram.
Em frente ao cruzamento das ruas North Paul com Washington, no estacionamento de uma loja de tintas, um veículo estacionado com placa de outro Estado, parado por horas no mesmo local, era o motivo da preocupação.
Agentes poderiam estar aguardando a chegada das crianças para deter pais e mães em situação migratória irregular no momento em que fossem buscá-las.
Para os pais, a escolha era difícil: deixar os filhos sozinhos no ponto de ônibus ou assumirem o risco de serem detidos e deportados.
“Eles [agentes do ICE] ficaram do outro lado da rua a manhã inteira”, contou Lídia Souza, uma brasileira que vive na região há mais de 30 anos e atua como uma liderança comunitária.
Pelo WhatsApp, a tensão aumentava à medida que o horário de chegada do ônibus se aproximava. Foi então que Lídia e outros moradores tiveram uma ideia.
“Graças a Deus, a gente conseguiu voluntários, cidadãos norte-americanos que não poderiam ser detidos, e que foram ao ponto de ônibus buscar as crianças e depois nós as devolvemos para os pais. Foi um momento muito marcante. Todo mundo ficou aflito”, conta Lídia.
Até hoje, não foi confirmado se o carro que amedrontou famílias inteiras em Stoughton fazia parte ou não de uma operação do ICE. Há meses, a agência vem usando automóveis descaracterizados em suas ações. A BBC News Brasil perguntou à agência sobre o episódio, mas não houve resposta.
De toda forma, a operação de “resgate” das crianças de Stoughton, narrado por Lídia e corroborado por outras três pessoas com quem a BBC News Brasil conversou, é uma amostra do clima de tensão e medo relatado por imigrantes brasileiros que vivem em Massachusetts nos últimos dias.
De acordo com o Ministério das Relações Exteriores (MRE), o Estado abriga a segunda maior comunidade brasileira nos Estados Unidos, com aproximadamente 400 mil pessoas, atrás apenas da Flórida, com 590 mil.
No dia 6 de setembro, o governo do republicano Donald Trump deu início à operação Patriot 2.0, de combate à imigração irregular. Desde então, agentes do ICE se espalharam pelas ruas das cidades de Massachusetts, em busca de imigrantes sem documentos.
“O ICE lançou a Patriota 2.0 para atingir os piores dos piores criminosos estrangeiros vivendo no Estado de Massachusetts”, diz um anúncio da agência.
Desde então, integrantes da comunidade brasileira que vive no Estado relata estar assustada pois, segundo eles, os agentes do ICE não estariam focando apenas em imigrantes com histórico criminal.
“Se você estiver na hora errada e no lugar errado, vai detido do mesmo jeito”, disse um brasileiro que pediu para seu nome não ser revelado.
Durante cinco dias, a reportagem da BBC News Brasil percorreu o interior de Massachusetts e ouviu relatos da comunidade brasileira e de norte-americanos sobre como a nova política migratória dos Estados Unidos têm afetado a região.
Os relatos incluem privações financeiras, medo de sair de casa até para buscar atendimento médico, crises de ansiedade e o temor de ser deportado e ser afastado dos filhos.
Trump se elegeu com a promessa de frear a imigração ilegal em direção aos EUA e deportar pessoas que vivem no país sem documentos dizendo proteger empregos e melhorar a segurança, mas críticos e entidades defensoras de liberdades civis dizem que a Casa Branca está violando direitos constitucionais com ofensiva.
Deportar irregulares é apoiado por 54% dos americanos, segundo pesquisa publicada neste mês pelo New York Times e Instituto Siena, enquanto outros 53% dizem que esse processo de detenção de imigrantes sob Trump não está sendo justo.
Procurado, o ICE e o Departamento de Segurança Interna (Homeland Security) não responderam às perguntas enviadas pela reportagem.

Crédito, Leandro Prazeres/BBC News Brasil
‘Não sei de onde vai partir o tiro’
Marta Helena Berlot, de 69 anos, mora nos Estados Unidos há 26 anos e já é cidadã norte-americana. Ela, como centenas de milhares de brasileiros que emigraram aos Estados Unidos, escolheu Massachusetts como sua nova casa.
“As pessoas ao redor do mundo precisam saber que quando você viola a lei nos Estados Unidos, há consequências e que você será deportado e que você não terá a oportunidade de voltar”, disse a secretária de Segurança Doméstica dos Estados Unidos, Kristi Noem, em setembro, quando começou a operação no Estado, governado pela oposição democrata.
Parte do foco em Massachusetts se dá porque o governo republicano o classifica como um “Estado santuário”.
O termo é usado para designar aqueles Estados onde as leis e as forças policiais são mais brandas em relação aos imigrantes. Em Massachusetts, por exemplo, polícia local não dá suporte às ações do ICE, ao contrário do que ocorre em outros Estados.
E foi numa operação do ICE que o marido de Marta, o pintor de paredes José dos Santos, 58, foi detido há aproximadamente um mês junto a outros três homens a caminho do trabalho. Todos dividiam a mesma casa de três andares nos arredores de Boston.
Ela conta que apesar de serem casados, Santos ainda estaria na fila do processo para obtenção do “green card”, status que lhe permitiria viver de forma permanente nos Estados Unidos.
“Faltava pouco. Ele já estava na fila para coletar as impressões digitais”, diz.
Marta diz que desde o início da operação Patriot 2.0, seu marido, assim como outros imigrantes brasileiros sem documentos, passaram a tomar mais precauções para evitar as batidas do ICE.
No dia em que ele foi detido, tudo parecia correr normalmente.
“Ele saiu para trabalhar como faz todo dia. Foi lá, me deu um beijo e falou tchau. Eu falei: ‘Vai com Deus’. Dez minutos depois, meu filho me ligou me perguntando se ele tinha esquecido o telefone em casa porque não conseguia falar com ele e nem com os outros três. Aí já comecei a ficar nervosa e tremer”, relata.
Marta diz que pegou o carro na garagem e saiu a procura do marido pelas ruas da região. A pouco mais de um quilômetro de casa, encontrou o carro usado pelo marido abandonado na rua. Era o sinal de que ele havia sido detido.
Começou, então, uma busca desenfreada por informações.
“Ele só conseguiu me ligar cinco dias depois”, disse Marta.
Marta conta que conseguiu localizar o marido com a ajuda de uma amiga. Atualmente, ele está em um centro de detenção na cidade de Plymouth, em Massachusetts. Antes disso, no entanto, ele teria passado por centros nos Estados de Nova York e Louisiana.
Agora, Marta tenta encontrar formas de conseguir soltar o marido e os três outros colegas com quem o casal dividia a casa. Os três fazem parte de um grupo de mais de 60 mil pessoas que, segundo o governo norte-americano, encontram-se em centros de detenção esperando enquanto o país decide ou não pelas suas deportações. Ainda de acordo com o governo Trump, pelo menos 400 mil pessoas teriam sido deportadas neste ano.
Dados da Polícia Federal obtidos pela BBC News Brasil apontam que até o dia 1º de outubro deste ano, os Estados Unidos deportaram 2.262 pessoas de volta ao Brasil. É o maior número de deportações desde 2021, quando foram deportadas 2.188 pessoas.
Advogados supostamente especializados em questões migratórias, diz Marta, têm oferecido seus serviços, mas os valores para assumir o caso têm subido a cada dia.
“Me cobraram US$ 5 mil e um caminhão de documentos. Eu não sei o que fazer”, diz.
Santos é o terceiro marido de Marta. O fim do primeiro casamento foi o gatilho para que ela deixasse a vida no Espírito Santo e tentasse a sorte nos Estados Unidos. Trabalhando como cabeleireira, ela terminou de criar dois filhos e conseguiu obter a desejada cidadania ao se casar com um cidadão norte-americano.
Foi alguns anos depois do fim do segundo casamento que Santos e ela se aproximaram, iniciaram um relacionamento e se casaram, há oito anos. Marta, que desde a pandemia de Covid-19 precisa usar um balão de oxigênio, diz não se ver sem o marido.
“É um companheiro que eu não quero perder nunca. Quero morrer do lado dele e espero que em breve ele esteja aqui de volta, à nossa casa, porque eu não vivo sem ele e ele não vive sem mim. Não merecia estar onde está”, diz.
A possível deportação de Santos pode deixar o casal em uma encruzilhada. Se for deportado, ele pode ficar proibido de retornar aos Estados Unidos por até 10 anos ou até mesmo ser banido para sempre. A única forma de continuar essa relação de forma legal seria o retorno de Marta ao Brasil, um país que ela deixou há mais de três décadas.
“É uma guerra moderna em que a gente não sabe de onde vai vir o próximo tiro. A gente se sente perdido e não sabe para onde ir. Não sabe se vai ou se fica”.

Crédito, Leandro Prazeres/BBC News Brasil
‘Eu me sinto presa’
Se Marta ainda vive a indefinição sobre o destino do seu marido, Paula, que prefere ser identificada por um nome fictício, vive uma situação diferente. Seu marido, pai do único filho do casal, já foi deportado e agora ela vive um desafio triplo: o de criar o filho longe do pai, sem a principal fonte de renda da família e sem saber se pode ou não sair de casa por medo de ser detida pelo ICE.
“A gente vem para obter um futuro melhor, para conquistar nossas coisas e é tratado como se fosse criminoso. A pior coisa do mundo é viver sem liberdade nenhuma. Mesmo não tendo sido detida pelo ICE, eu me sinto presa”, diz ela, que tem 34 anos.
Paula chegou aos Estados Unidos há três anos. Moradora da região metropolitana de Belo Horizonte, ela diz não ter tido condições de chegar ao Ensino Superior e trabalhava como balconista e faxineira no Brasil.
Ela conta que decidiu emigrar por três motivos: realizar sua sonhada festa de casamento; fugir de supostas ameaças sofridas por seu marido por motivos políticos; e fazer o chamado “pé de meia” antes de voltar ao Brasil.
Foi essa suposta perseguição política que embasou o pedido de asilo feito pelo casal quando foram detidos pelo serviço de imigração há três anos, quando atravessaram a fronteira. Um mês depois, ambos já tinham sido liberados e passaram a tentar viver uma vida comum. Até o início do governo Trump.
“Quando a gente começou a melhorar mesmo, que a gente começou a conseguir trabalhar direito e juntar um dinheirinho para a gente ter nossa vida no Brasil do jeito que a gente estava querendo, começou essa deportação em massa”, conta.
Apesar de afirmar ter um pedido de asilo político ainda pendente, Paula diz que, pelas regras atuais do governo Trump, ela poderia ser deportada se for detida. Foi isso que aconteceu com o marido, em março. Naquele mês, ele recebeu uma notificação para comparecer a um tribunal por conta de uma multa de trânsito. E nunca mais voltou para casa.
“Ele foi resolver a multa e foi dispensado pelo juiz. Mas quando saiu do tribunal, os agentes do ICE estavam do lado de fora esperando. Ele foi detido e depois deportado”, conta.

Crédito, Leandro Prazeres/BBC News Brasil
De volta a Minas Gerais, seu marido ainda tenta planejar, com Paula, os próximos passos do casal. Hoje, voltar ao Brasil é a opção mais provável, ela diz.
Para Paula, no entanto, a deportação não seria apenas o fim do seu sonho americano.
Seu filho, de três anos de idade, nasceu nos Estados Unidos e ainda não tem a cidadania brasileira. Nessas condições, Paula corre o risco de, ao ser deportada, não poder voltar ao Brasil com seu filho.
“Eu posso perder o meu filho se eles me levarem, ainda mais se eu estiver com ele. Eles separam a criança da mãe. Então, eu morro de medo”.
Paula diz que tinha consciência de que poderia enfrentar problemas legais entrando nos Estados Unidos pela fronteira com o México. Mesmo assim, ela disse que decidiu arriscar ao ouvir relatos de familiares.
“Sim, eu já sabia que iríamos enfrentar dificuldades. Mas me disseram que era só arrumar um advogado e correr atrás para conseguir toda a documentação e ficar tranquila.”
A esperança de tranquilidade, no entanto, deu lugar a uma rotina de apreensão. Desde que a operação Patriot 2.0 começou, as redes sociais foram inundadas com fotos, vídeos e áudios de supostas operações do ICE contra a comunidade de imigrantes em Massachusetts.
“Eu nem ando com o meu filho na rua. Não vou mais ao supermercado ou ao médico. Dá medo de eles pegarem a gente de alguma forma”, diz.
Para evitar esse risco, Paula diz ter que gastar além do seu orçamento pegando Uber para ir ao trabalho ou fazendo as compras de casa pela internet. Tudo para evitar sair à rua.
Com o telefone celular nas mãos, Paula diz que as operações estão afetando sua saúde mental e a do filho.
“Meu filho ficou doente pela ausência do pai e por não podermos mais sair de casa. Ele fica muito agitado, ansioso, e não fica com qualquer pessoa”, conta.
Para tentar driblar o tempo, Paula brinca com o filho no quintal da casa de madeira onde vive com outros quatro familiares, todos oriundos de Minas Gerais. No quintal, brinquedos ajudam a entreter a criança.
“Eu deixei de levar meu filho ao parque para brincar. Eu deixei de sair e só por necessidade extrema”, diz.

Crédito, Leandro Prazeres
Medo nas ruas de Framingham
Um dos locais onde o impacto das operações do ICE foi mais sentido em Massachusetts foi na cidade de Framingham, a pouco mais de 35 quilômetros de Boston.
A cidade, com aproximadamente 72 mil habitantes, é conhecida como a cidade mais brasileira dos Estados Unidos. Estimativas oficiais apontam que pelo menos oito mil brasileiros vivem na cidade, mas, extraoficialmente, o número pode ser maior devido ao número de brasileiros sem vistos.
Pelas ruas da cidade é fácil identificar a força da comunidade brasileira. Na rua Concord, uma das principais, letreiros anunciam restaurantes, padarias, lojas de roupas e casas de câmbio com nomes em português. Dentro da prefeitura da cidade, cartazes e comunicações oficiais estão em inglês, espanhol e português.
E foi em frente ao fórum da cidade que, em uma terça-feira, que um grupo de manifestantes contra a política imigratória de Donald Trump se reuniu.
O protesto era em apoio a um casal brasileiro cujo filho de 16 anos de idade havia sido detido pelo ICE em Milford, uma cidade próxima. Sua detenção foi flagrada por vídeos que viralizaram nas redes sociais.
Por ter menos de 18 anos de idade, ele foi liberado, mas seus pais, em situação irregular nos Estados Unidos, passaram a ser obrigados a usarem uma tornozeleira eletrônica e a comparecerem ao tribunal em intervalos regulares até que o pedido de asilo formulado por eles fossem deliberado.

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A manifestação, no entanto, tinha outro objetivo.
“Quanto mais gente presente, mais difícil fica para o ICE deter essa família”, disse a deputada estadual de Massachusetts Priscila Sousa, 36, que é brasileira com cidadania norte-americana e que vive nos Estados Unidos desde os nove anos de idade.
A saída do casal do tribunal era aguardada por um grupo de aproximadamente 30 pessoas que não tinham certeza se os agentes do ICE iriam ou não aparecer no local para deter a família.
Por volta das 9h15, o casal saiu e ficou claro que o ICE não estava por ali. Uma salva de palmas recebeu os dois, que pediram para não serem entrevistados por temerem represálias do governo Trump.
Foi então que Priscila discursou, em inglês, contando seu passado como imigrante sem documentos.
“A conversa na hora do jantar com minha mãe quando eu tinha 13 ou 14 anos era: ‘Você tem certeza de que lembra do plano se eu ou o papai formos detidos? Como você vai cuidar do seu irmão?’ A gente pensava que todo mundo tinha esse tipo de conversa, até eu me dar conta de que não era assim. Eu realmente pensei que esses dias haviam passado. Mas eu estava errada”, contou ela, emocionada.

Crédito, Leandro Prazeres/BBC News Brasil
Priscila conta que mesmo morando há quase 30 anos nos Estados Unidos, nunca presenciou uma ação de combate à imigração como a que acontece agora.
“Já passamos por momentos tensos, mas nunca com tanta frequência e nesta intensidade. Há carros da imigração parados em diversos estacionamentos e nas ruas de Framigham”.
Creuza Medeiros, 59, trabalha como esteticista em Framingham. Ela vive no país há 32 anos. Seus três filhos, três netos e um marido têm a cidadania norte-americana. Todos, exceto ela.
“Eu pago um preço muito caro por ter entrado pela fronteira com o México”, ela conta se referindo a um processo legal que se arrasta há anos por ter sido detida pelas forças de imigração na última vez das três vezes que entrou nos Estados Unidos de forma irregular.
Apesar de afirmar ter uma autorização provisória de permanência no país, Creuza diz não se sentir segura em meio ao recrudescimento das ações anti-imigração dos Estados Unidos.
“Isso para o Trump não é nada”, diz.
Moradora antiga de Framingham, ela diz que os impactos do temor entre os brasileiros são sentidos no comércio da cidade.
“As pessoas não querem sair às ruas. Estão com medo de trabalhar. Quem tem dinheiro, por exemplo, pensa duas vezes se vai fazer uma limpeza de pele ou economizar para um possível retorno ao Brasil porque ninguém mais sabe sobre o futuro”, diz.

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A caminho de casa?
Alguns imigrantes brasileiros com quem a reportagem da BBC News Brasil conversou relataram que um dos objetivos expressos pelo governo norte-americano, o de incentivar a autodeportação, pode estar se materializando. Cansados do medo e da incerteza, muitos já pensam em voltar ao Brasil por conta própria.
É o caso do mineiro Getúlio Gabriel Soares, 60. Ele vive em Stoughton há nove anos e foi a um centro comunitário para regularizar seu passaporte.
Getúlio morava em Ipatinga, em Minas Gerais, e conta que chegou aos Estados Unidos há nove anos pelo que os imigrantes chamam de esquema “Cai, Cai”.
Nesta “modalidade, os “coiotes” levam os imigrantes pelo deserto do México até atravessarem a fronteira com os Estados Unidos.
Uma vez dentro do território norte-americano, os imigrantes são abandonados pelos “coiotes” e se “entregam” às autoridades do país e dão início a um pedido de asilo ou expediente semelhante.
Imigrantes com quem a BBC News Brasil conversou afirmam que, durante a administração de Joe Biden, esse método foi um dos preferidos para ingressar nos Estados Unidos.
Após detidos, parte dos imigrantes era liberada para aguardar o trâmite do pedido de permanência em liberdade. Na maioria dos casos, esses processos podiam demorar anos, o que dava certa tranquilidade a imigrantes como Getúlio.
Mas essa tranquilidade, diz Getúlio, acabou.
“A situação está bastante tensa. A gente tem medo de sair pra trabalhar, de ir ao mercado. A gente só sai de casa quando realmente precisa”.
Getúlio afirma que o medo de ser pego e deportado o fez recalibrar seus planos sobre continuar nos Estados Unidos. Ele diz que a deportação é melhor que a incerteza.
“É um terrorismo o que está acontecendo agora.”
Seu plano é retornar ao Brasil até 2026, mas ele diz temer como será essa possível voltar após quase 10 anos longe de casa.
“Tem que chegar lá, sentar, pensar e ver o que a gente vai fazer. Nove anos parecem pouco, mas é bastante tempo e muita coisa muda. O que resta é dormir, pensar e pedir a Deus que ele continue colocando bênçãos sobre mim como colocou até hoje”, diz.
Getúlio diz que, mesmo se for deportado, não vai guardar mágoas dos Estados Unidos.
“Não posso falar mal daqui de forma alguma. Não é por causa de uma situação que está acontecendo que eu vou fazer isso. É isso: os governos vêm e vão, mas o país fica”.
Mas, se por um lado Getúlio diz estar pacificado com a possibilidade de ser deportado, por outro, ele diz não conseguir entender a reação de brasileiros em redes sociais que se manifestam a favor das detenções de imigrantes como ele.
“Eu não consigo entender. Não sei se vem de gente que pôde ou não votar aqui, se é de gente legal ou não, mas, às vezes, eu vejo na internet e vejo comentários que chegam até a assustar”.

Crédito, Leandro Prazeres/BBC News Brasil
Fila para conseguir documentos brasileiros
Os preparativos de Getúlio e de outros imigrantes brasileiros que desejam fazer o caminho de volta ao Brasil ou ao menos estarem preparados para uma eventual deportação têm esbarrado em entraves burocráticos.
Parte dessa comunidade passou anos sem renovar documentos brasileiros como o passaporte. Muitas crianças filhas de brasileiros e nascidas nos Estados Unidos, também não receberam a nacionalidade brasileira, o que cria dificuldade para os pais retornarem ao país. Agora, os pais correm a centros como o que fica em Stoughton para tentar regularizar seus documentos brasileiros.
Em 2025, houve um aumento de 18,5% na emissão de certidões de nascimento e passaporte nas representações diplomáticas do Brasil nos Estados Unidos em relação ao ano passado, segundo o dados enviados pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE) à BBC News Brasil.
O Consulado-Geral de Boston, que atende Massachusetts e Estados mais próximos, registrou um aumento ainda maior: 33,6%. Ao todo, o consulado emitiu 10,4 mil passaportes neste ano.
O Consulado-Geral em Nova York registrou um crescimento na procura de 53,61%.
Em Stoughton, onde funciona o New England Community Center (NECC), a organização onde Lídia Souza trabalha e auxilia Getúlio, dezenas de brasileiros passaram a fazer filas durante os dias úteis, sempre após às 16h, quando o atendimento começa.
“Se vierem aqui hoje querendo dar a cidadania brasileira a um bebê, isso só vai acontecer no final de janeiro de 2026. Para obter um passaporte, isso vai para março. E se essas pessoas forem pegas antes pelo ICE? Como que fica?”, indaga Lídia.
O NECC é um dos centros comunitários que funcionam auxiliando as atividades do Consulado do Brasil em Boston.
Segundo ela, apesar do esforço de voluntários e do próprio corpo de funcionários do Itamaraty, a mão de obra não tem sido o suficiente.
“É uma crise humanitária. A gente está vivendo a maior crise humanitária que a população brasileira na região de Boston já viveu. Nem na pandemia a gente viveu isso. O consulado de Boston não consegue dar conta do que eles têm que fazer, porque a população é imensa”.
Procurado, o MRE disse que o Consulado-Geral de Boston tem oito servidores de carreira e 21 funcionários locais. A pasta reconheceu o aumento da procura.
“A despeito do aumento na emissão, a demanda por emissão de documentos tem sido elevada, o que tem aumentado os prazos para agendamento dos serviços”.
A pasta disse ainda, por meio de nota, que “o Itamaraty tem implementado medidas para tentar reduzir a espera e outras continuam em estudo” e que os Consulados-Gerais no país, estão orientados a “dar prioridade no atendimento a nacionais que manifestem a intenção de retornar em definitivo para o Brasil”
A BBC News Brasil fez questionamentos ao ICE e ao Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos (conhecido como Homeland Security) por e-mail, mas nenhuma resposta foi enviada.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL