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14 de setembro de 2025

6 casos de censurados pelo STF

6 casos de censurados pelo STF

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Bloqueio total de perfis jornalísticos nas redes sociais, extinção de canais políticos no YouTube e proibição de que envolvidos no 8 de janeiro concedam entrevistas sobre o que vivenciaram são ações do Supremo Tribunal Federal (STF) que colocam em xeque a liberdade de expressão no Brasil.

“Medidas que proíbem opiniões são censura prévia, algo incompatível com o regime de liberdades”, aponta o advogado Ricardo Scheiffer, da equipe de defesa do ex-assessor de Bolsonaro, Filipe Martins. “O que vemos hoje é uma censura judicial sem paralelo na história brasileira”, continua o advogado Hélio Junior, que representa a cabeleireira Débora Rodrigues, conhecida popularmente como “Débora do Batom”.

Os especialistas lembram que a Constituição Federal garante livre manifestação do pensamento e veda qualquer censura de natureza política, ideológica ou artística. Esse direito já foi garantido, inclusive, a presos como o traficante Fernandinho Beira-Mar e ao presidente Lula, este último quando estava em cárcere na sede da Polícia Federal (PF), em Curitiba, em 2018.

No entanto, especialistas apontam que as decisões atuais do Poder Judiciário têm ignorado a Constituição ao impedir cidadãos de se comunicarem, opinarem e serem ouvidos. “Um ataque direto ao pluralismo, que é a base de qualquer democracia”, alerta Hélio Junior.

A situação, de acordo com Scheiffer, evidencia o momento preocupante de censura no país, que “afronta a legalidade, a liberdade de expressão e o princípio da proporcionalidade”. Portanto, precisa de atenção urgente, já que “punir discursos e silenciar dissidentes é o caminho clássico do arbítrio”.

A Gazeta do Povo selecionou alguns exemplos de pessoas que têm sido caladas pelo STF nos últimos anos com detalhes de cada caso. Acompanhe:

1. Rodrigo Constantino, comentarista político e escritor

O comentarista político Rodrigo Constantino teve todas as redes sociais bloqueadas em janeiro de 2023 por ordem do STF. À Gazeta do Povo, o escritor relata que perdeu suas contas no Instagram, TikTok, Twitter (atual X), Gettr e YouTube, e que o ministro Alexandre Moraes teria solicitado, inclusive, bloqueio de seu perfil na rede Patreon, plataforma norte-americana que não atua no Brasil.

Segundo o comentarista, a ordem foi decorrente do inquérito das fake news (4.781) — que segue sob sigilo até hoje —, e Constantino soube do bloqueio por um comunicado da PF. Na decisão, Moraes impôs multa de R$ 100 mil reais ao dia às plataformas, caso descumprissem a ordem.

O comentarista político Rodrigo Constantino teve todas as redes sociais bloqueadas em janeiro de 2023 por ordem do STF. (Foto: Alexandre Mazzo / Arquivo Gazeta do Povo)

Ainda de acordo com o colunista, para fundamentar a decisão, o ministro citou postagens públicas de suas redes, como uma em que citava o escritor norte-americano Tom Clancy a respeito de “devermos nossa liberdade a homens fardados com armas”.

Essa e outras publicações fizeram com que as redes de Rodrigo Constantino fossem totalmente excluídas, e o jornalista só teve acesso a seus perfis novamente no mês passado, após os EUA sancionarem Moraes com a Lei Magnitsky.

“Fui punido de forma preventiva por dois anos e meio, sem acusação”, revela Constantino, ao afirmar que, na decisão de desbloqueio, há exigência de não espalhar “discurso de ódio”, sob pena de novas punições. “Só que não sei exatamente o que é discurso de ódio porque isso não está tipificado em código penal e em lugar nenhum”, diz.

2. Débora Rodrigues dos Santos, cabeleireira conhecida como “Débora do Batom”

A cabeleireira Débora Rodrigues também enfrenta ações de censura determinadas pelo STF. Ela foi condenada à pena de 14 anos por ter escrito com batom a frase “Perdeu, Mané” na estátua da Justiça, na Praça dos Três Poderes, em 8 de janeiro. Débora permaneceu mais de dois anos no cárcere, e hoje cumpre diversas medidas cautelares em prisão domiciliar.

Segundo seu advogado Hélio Junior, as proibições “configuram verdadeira censura”, pois a cabeleireira não pode usar redes sociais e nem conceder entrevistas a qualquer meio de comunicação, nacional ou internacional, sem autorização do STF.

Débora Rodrigues foi condenada à pena de 14 anos por ter escrito com batom a frase “Perdeu, Mané” na estátua da Justiça, na Praça dos Três Poderes, em 8 de janeiro. (Foto: Arquivo pessoal/Claudia Rodrigues) (Foto: Arquivo pessoal/ Cláudia Silva Rodrigues)

“Isso significa que ela, uma cidadã brasileira, não pode falar, não pode escrever e não pode se comunicar livremente com a sociedade”, explica o advogado. “É a interdição completa da sua voz”, continua.

Segundo ele, restrições como essa não são aplicadas no Brasil nem mesmo em casos de crimes gravíssimos, como homicídio, corrupção ou tráfico de drogas. “Nunca houve decisão judicial que proibisse o réu de se manifestar publicamente ou de utilizar redes sociais”, aponta.

3. Homero Marchese, ex-deputado estadual do Paraná

Outro caso de bloqueio às redes sociais por ordem do STF envolveu o ex-deputado estadual do Paraná, Homero Marchese. A decisão foi tomada em novembro de 2022, sem comunicação ou justificativa prévia ao ex-deputado. O acesso às redes foi encerrado cerca de duas horas após ele questionar a segurança das urnas eletrônicas.

“Tudo que recebi foi um e-mail do Twitter (antigo X) dizendo que, devido a uma decisão judicial, minha conta tinha sido retida”, informa à Gazeta do Povo.

Homero chegou a abrir processos contra o Twitter e contra a empresa Meta, responsável pelo Facebook e Instagram. No entanto, ao verificar por meio da imprensa que pessoas estavam tendo redes sociais bloqueadas por ordem de Alexandre de Moraes, o ex-deputado decidiu ligar para o gabinete do ministro para conferir se seu caso seria um desses.

Homero Marchese, ex-deputado estadual do Paraná, teve as redes bloqueadas devido a um post sobre um evento dos ministros em Nova York. (Foto: Pedro de Oliveira / Alep)

Segundo ele, a atendente confirmou que havia um processo sobre ele em tramitação no STF, mas que não poderia passar informações por telefone ou internet. “Se eu quisesse saber, precisaria ir com um advogado até o balcão do ministro, pessoalmente em Brasília, porque o processo estava em papel”, relata Marchese, que viajou à capital e descobriu que o argumento para bloqueio de suas redes era um post que ele havia compartilhado sobre um evento dos ministros em Nova York.

“Isso estava em um relatório da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação [órgão do TSE], assinado pelo Eduardo Tagliaferro [ex-assessor de Moraes]”, afirma.

Ao todo, Marchese ficou sem redes sociais por seis meses. Nesse período, perdeu a reeleição para deputado e o caso, que estava na Justiça Federal, seguiu para a Justiça comum.

“Conseguimos, então, a devolução das redes, processei a União por danos morais, e ganhei”, informa. “Só que Moraes mandou caçar a sentença e processou o juiz aqui de Maringá no Conselho Nacional de Justiça”, revela o ex-parlamentar.

4. Paulo Figueiredo, jornalista

Neto do último presidente do Brasil durante o regime militar, o jornalista Paulo Figueiredo ficou conhecido por suas críticas ao PT e apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Figueiredo teve todas as suas redes bloqueadas por decisão do STF em 30 de dezembro de 2022.

O jornalista Paulo Figueiredo ficou conhecido nas redes sociais por suas críticas ao PT e apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro. (Foto: Reprodução / YouTube / Paulo Figueiredo Oficial)

“Eu soube dos bloqueios porque uma pessoa que trabalhava em uma empresa de rede social me ligou quando recebeu a decisão”, disse à Gazeta do Povo, revelando que só teve acesso ao conteúdo do documento quando o Comitê Judiciário do Congresso dos Estados Unidos lhe mostrou. Segundo ele, a decisão era genérica e não explicava o motivo dos cancelamentos.

Após os bloqueios, ele reabriu sete novos perfis no X e no Instagram, mas todas as tentativas foram censuradas. Figueiredo abriu uma oitava conta nessas redes, mas segue sem acesso às anteriores.

“São dois anos e nove meses”, diz, ao afirmar que isso impossibilitou o exercício de sua profissão. “Se eu não tivesse outras formas de me manter, estaria passando fome”, lamenta.

“Silenciar vozes que informam e questionam é um ataque direto à democracia, impedindo o debate público e a transparência”

Gabriel Quintão, advogado que representa o jornalista Jackson Rangel

5. Jackson Rangel, jornalista

O jornalista e empresário Jackson Rangel também teve todas as redes sociais bloqueadas. Ele foi preso, sem denúncia, por 368 dias devido a críticas que postou a respeito do STF, e seu caso foi citado pelos Estados Unidos como exemplo de abuso judicial cometido pelo ministro Alexandre de Moraes.

Dono de um jornal no Espírito Santo, Rangel perdeu seus canais pessoais e empresariais pouco antes de sua prisão, em 15 de dezembro de 2022, e suas redes só começaram a ser restabelecidas em maio de 2025, após a visita do relator da Organização dos Estados Americanos (OAE), Pedro Vaca, ao Brasil.

O jornalista e empresário Jackson Rangel foi preso, sem denúncia, por 368 dias devido a críticas que postou a respeito do STF. (Foto: Arquivo pessoal/Jackson Rangel) (Foto: Arquivo pessoal/Jackson Rangel)

“Prejuízo imensurável para reconstruir a história da minha vida e do jornal”, afirmou o capixaba à Gazeta do Povo, ressaltando que não foi comunicado oficialmente a respeito dos bloqueios e que as contas do jornal Folha do ES no YouTube e Facebook até hoje não foram recuperadas.

De acordo com o advogado Gabriel Quintão, que representa o jornalista, a situação evidencia prática de censura, pois “silenciar vozes que informam e questionam é um ataque direto à democracia, impedindo o debate público e a transparência”, apontou.

Segundo o advogado, supostos excessos devem ser combatidos pontualmente, sem minar a pluralidade de ideias. “Bloquear toda rede social de um jornalista ou cidadão para combater algum excesso isolado é o mesmo que jogar fogo no mar para assar o peixe”, comparou.

6. Filipe Martins, ex-assessor de Jair Bolsonaro (PL)

Por fim, outro caso de cerceamento de liberdade de expressão é o do ex-assessor Filipe Martins, que trabalhava no setor de assuntos internacionais durante a presidência de Jair Bolsonaro (PL).

Martins ficou seis meses preso devido a uma viagem que, comprovadamente, não existiu. Após esse período, obteve liberdade provisória com a imposição de medidas cautelares, como proibição de usar redes sociais e de conceder entrevistas a qualquer veículo de comunicação.

Filipe Martins, ex-assessor de Assuntos Internacionais de Jair Bolsonaro. (Foto: Arthur Max/Ministério das Relações Exteriores)

Segundo o advogado Ricardo Scheiffer, a censura foi dirigida, inclusive a terceiros, pois o ministro Alexandre de Moraes multou Filipe Martins após um de seus advogados de defesa postar vídeo em que o ex-assessor aparecia em silêncio.

A postagem foi realizada na rede social pessoal do advogado em outubro de 2024, mas “o ministro do Supremo multou em R$ 20 mil o cliente do advogado e ainda pediu explicações em 48 horas, sob pena de retornar ao regime de prisão”.

Ainda de acordo com Scheiffer, Moraes também proibiu que veículos de mídia tirassem fotos ou fizessem vídeos de Filipe. “Se fosse publicado, o próprio réu seria preso por conduta de terceiro”, apontou o advogado, ao comparar seu cliente ao “homem da máscara de ferro”, em referência à lenda do prisioneiro obrigado a ocultar sua identidade durante o reinado de Luís XIV, na França.

“Filipe é um refém do regime, cujo déspota que está no poder proíbe que seu rosto apareça”, diz. “Sua mera aparição afunda a falsa autoridade que ele ostenta”, finaliza o advogado.



Fonte. Gazeta do Povo

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