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15 de junho de 2025

O que um elogio ao dono do mundo pode revelar – 15/02/2025 – Alexandra Moraes – Ombudsman

O que um elogio ao dono do mundo pode revelar – 15/02/2025 – Alexandra Moraes – Ombudsman

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“Trump” foi o sujeito dos enunciados de todas as manchetes da versão impressa da Folha desde a segunda até a sexta-feira da última semana.

Não é para menos: apenas com o anúncio e os desdobramentos de sua guerra tarifária, ele garantiu mais de metade da cota. E ainda deixou um espacinho para sua proposta de partilha da Ucrânia (que, como notou Jamil Chade no UOL, tinha muito em comum com declarações pelas quais Lula foi execrado em 2023). O nome do presidente dos Estados Unidos só saiu da manchete da Folha no sábado, desbancado pelo Datafolha sobre Lula (“Aprovação desaba para 24% e atinge pior nível dos três mandatos”).

Donald Trump assumiu seu segundo mandato presidencial encarnando a figura de dono do mundo, enquanto Elon Musk dá mostras de ser dono de Trump. Ao menos foi o que indicou também nesta semana o menino X, pequeno filho do bilionário que mandou o presidente americano calar a boca no Salão Oval em esquete que rodou as redes, os sites e os jornais. Elon Musk riu.

O banqueiro André Esteves também parece ter rido, segundo a Folha. Não do petiz atrevido, mas de seu próprio trabalho. “André Esteves, do BTG, diz que vai ao banco todos os dias para se divertir” era um dos enunciados do jornal na última quarta (12).

Receitas de gente muito rica sobre como viver bem costumam ser sucesso de público. As palavras com que a Folha escolhera retratar Esteves em evento de seu banco (um “summit”) eram quase as de um “coach”.

Mas o recado que estava sendo passado pelo presidente do conselho de administração do BTG Pactual, de resto figura ouvida a torto e a direito sobre rumos da economia e do país, era outro e ficou na mão da concorrência.

O Valor registrou “Governo Trump está perfeito, ‘só tem a tarifa para dar uma estragadinha’, diz André Esteves”. No Estado de S. Paulo, em texto de análise, “André Esteves fura bolha anti-Trump, louva busca de eficiência e diz que ‘só tarifa dá estragadinha'”.

A frase de Esteves sobre o mandatário dos EUA era: “Governo eficiente, que vai cortar custos do governo, impostos, desregulamentar a economia, promover a paz global, só tem a tarifa para dar uma estragadinha. Mas o resto está perfeito”.

A Folha acabou editando o material dois dias depois para contemplar esse conteúdo. “Esteves, do BTG, diz que governo Trump está perfeito, mas proposta para Gaza é ‘meio diferente'”. O caso é lateral, mas ilustra como o jornal ainda precisa virar a chave em alguns aspectos da cobertura que tem o presidente americano na mira.

Declarações escancaradas de apreço ao governo de Donald Trump como a do bilionário brasileiro têm sido raras em um cenário em que prevalecem as críticas (na coluna anterior, mencionei o problema de tratar esses elogios como pés de página). Fora do contexto atual, a frase talvez não fosse grande coisa. Neste momento, é digna de nota por indicar de onde e para onde sopram esses ventos de aprovação.

Volto ao tema da semana passada porque a mesma virada de chave parece necessária em outras frentes para além de Trump.

Enquanto era lançado no STF o Plano Pena Justa, “desenvolvido pelos poderes Judiciário e Executivo para enfrentar problemas das prisões brasileiras”, a oposição nadava de braçada nas redes sociais com questionamentos práticos e morais a respeito da iniciativa. O governo fazia a sua parte ao anunciar, via Ministério dos Transportes, que detentos poderão trabalhar em obras do Novo PAC. A Secom também enumerava as medidas, que incluiriam o BNDES e um programa de microcrédito.

Não se trata, nesta coluna, de avaliar o teor do plano ou a qualidade das críticas. A questão é que é preciso ao menos levar esses elementos ao conhecimento do leitor através do noticiário e do fomento de sua discussão. Em vez disso, o jornal escolheu destacar frases do ministro Luís Roberto Barroso que repetiam muito do que ele já havia escrito na própria Folha, menos de duas semanas antes, em defesa do plano.

É por essas e outras que fenômenos da direita acabam chegando ao jornal e a seus leitores como surpresas. Olhar para eles ou ignorá-los é uma escolha.


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Fonte.:Folha de S.Paulo

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