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- Author, Ondine Jean-Baptiste
- Role, BBC Culture
Atenção: esta reportagem inclui spoilers do filme A Substância.
Em A Substância (2024), uma tentação irresistível leva a transformações impensáveis.
O filme da diretora Coralie Fargeat inclui todas as características de um filme de terror clássico: monstros, sangue e uma incômoda sensação de suspense que mantém seus olhos colados à tela. É difícil afastar o olhar até o grande final, com seu literal banho de sangue.
Goste você ou não, este grotesco conto de fadas que deu errado é um dos filmes mais surpreendentes do ano.
Demi Moore interpreta a protagonista Elisabeth Sparkle, uma ex-estrela de cinema que é demitida do seu trabalho atual como instrutora de aeróbica de celebridades, ao completar 50 anos de idade.
Os críticos e o público concordam que A Substância foi um dos sucessos de bilheteria mais surpreendentes do ano. Ele recebeu a aprovação de 89% dos críticos e 75% do público, no site Rotten Tomatoes.
Mas foi apenas quando Moore venceu o Globo de Ouro de melhor atriz de cinema (musical ou comédia) que começaram a crescer os murmúrios sobre seu favoritismo aos prêmios da temporada.
Será que um filme de terror clássico, fantástico e assustador poderia ser o grande vencedor do Oscar deste ano? Afinal, ele foi indicado em cinco categorias, incluindo melhor filme e melhor atriz para Demi Moore.

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Talvez A Substância não seja um filme de terror clássico, afinal.
Misto de comédia e terror, considerado por alguns uma “obra-prima feminista“, o filme parte de uma premissa conhecida, mas com um lado grotesco. O que aconteceria se conseguíssemos tudo o que quiséssemos?
Depois que Elisabeth ingere uma misteriosa “substância” verde-limão, ela gera uma versão mais jovem e saltitante de si própria, mas com um custo para o corpo da celebridade de meia-idade.
O filme é uma visão muito clara da condição feminina, beleza e envelhecimento na cultura atual, obcecada pela manutenção da imagem.
A própria protagonista comentou porque a aclamação do filme significou tanto para ela. Afinal, sua vitória no Globo de Ouro foi a primeira vez em que ela ganhou “qualquer coisa como atriz”, em uma carreira que já dura mais de 45 anos.
Por isso, sua vitória no Oscar deste ano, aliada à sua primeira indicação em uma carreira de cinco décadas, seria memorável. Mas seria um momento ainda maior se A Substância vencesse como melhor filme.
A produção é apenas o sétimo filme de terror já indicado para o prêmio e, se ganhasse, passaria a ser um entre apenas dois vencedores.
Demi Moore mencionou explicitamente a falta de reconhecimento e distinções para os filmes de terror (e para as pessoas responsáveis por eles) pelas premiações e pela indústria como um todo.
Ao receber seu prêmio de melhor atriz nos Critics’ Choice Awards de 2025, pelo seu desempenho em A Substância, Moore fez a seguinte declaração:
“Sou muito agradecida, não apenas pela minha interpretação, mas por vocês terem destacado este filme, este gênero. Normalmente, os filmes de terror são menosprezados e não são considerados pela profundidade que eles podem ter.”
Com a temporada de premiações deste ano, parece estar acontecendo uma mudança cultural – e Moore pode estar à frente dessas inovações.
Já se passaram 33 anos desde a primeira (e única) vez em que uma obra de terror ganhou o Oscar de melhor filme. Em 1992, O Silêncio dos Inocentes levou também o prêmio de melhor roteiro adaptado, melhor diretor (Jonathan Demme, 1944-2017), melhor ator (Anthony Hopkins) e melhor atriz (Jodie Foster).
Em uma competição particular, o filme também é um dos três a ganhar as “cinco grandes” categorias, ao lado de Aconteceu Naquela Noite (vencedor do Oscar de 1935) e Um Estranho no Ninho (1976).
Nenhuma outra produção de terror ganhou, até hoje, o prêmio de melhor filme. Mas algumas ótimas atuações no gênero foram premiadas ao longo dos anos.
As mais notáveis foram Ruth Gordon em O Bebê de Rosemary (1969), Kathy Bates em Louca Obsessão (1991) e Natalie Portman em Cisne Negro (2011).

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Ainda assim, para cada desempenho estupendo e arrepiante que é reconhecido pela Academia, inúmeros outros são esnobados. O reconhecimento aos atores e atrizes de filmes de terror ainda é raro, em comparação com outros gêneros cinematográficos.
É verdade que o filme Hereditário (2018), de Ari Aster, recebeu 52 prêmios e 113 indicações, segundo o site IMDb, incluindo diversas distinções para a estrela Toni Collette. Mas nem ela, nem o filme, ganharam uma única indicação para o Oscar ou o Globo de Ouro de 2019.
A diretora e estudiosa de terror Rebekah McKendry explica por que o desempenho de Collette foi tão cativante.
“Ela incorporou tantas questões naquele filme e todas elas foram brilhantes”, segundo ela. “Uma mãe estressada em crise de meia-idade; o trauma de perder um dos pais e, depois, um filho, ser vítima de algo de outro mundo que ela não conseguia explicar completamente e, em seguida, se tornar o próprio monstro.”
Por que os filmes de terror são ignorados
Há muitos anos, os críticos e fãs de cinema concordam que existe apenas uma razão principal para que os atores dos filmes de terror sejam majoritariamente ignorados: o preconceito contra o gênero.
“Muitas pessoas descartam os filmes de terror como sendo de segunda classe, grotescos e ridículos”, conta McKendry à BBC.
“Por isso, muitas pessoas não consideram os filmes de terror como fontes de arte e mensagens sociais. De forma geral, é um gênero que grande parte do público tem medo de observar, que dirá homenagear com prêmios importantes.”
Em A Substância, existe a clara mensagem a respeito das pressões sociais sobre as mulheres, o que pode muito bem ampliar as chances do filme conquistar o prêmio da Academia. De fato, as evidências indicam que o Oscar gosta de filmes de terror com fortes mensagens sociais.
Um exemplo é Corra! (2017), a sátira assustadora que fez de Jordan Peele a primeira pessoa negra a ganhar o prêmio de melhor roteiro original. A produção também foi indicada nas categorias de melhor ator, melhor diretor e melhor filme.
Isso pode explicar, em parte, por que o Oscar ignorou o aclamado desempenho da atriz Lupita Nyong’o no filme de terror Nós (2019) – também dirigido por Jordan Peele, que já havia feito história com sua vitória em Corra!
Embora possa ser analisado com base nos temas de classe nos Estados Unidos, Nós não recebeu, nem de longe, as mesmas manifestações e comentários sociais.
O crítico de cinema Kim Newman acredita que um grande filme de terror é aquele que entra em sintonia com o público em geral e passa a fazer “parte das conversas comuns ou da cultura pop permanente”.
Mas ele destaca que os melhores filmes de terror também tendem a ser “controversos” – e, por isso, até as obras mais cativantes não irão conseguir votos entre as muitas pessoas que certamente irão odiá-lo.
“O terror meio que precisa ser ousado e, frequentemente, não é para lá que vão os prêmios”, conta Newman à BBC.
Mas, quando o assunto é interpretação em filmes de terror, o gênero sem dúvida pode levar os atores e atrizes aos seus limites, o que mereceria melhor reconhecimento.
O treinador de atuação Scott Sedita destaca o intenso aspecto físico por trás de muitas interpretações de terror reconhecidas.
Ele menciona como exemplo o desempenho de Vera Farmiga no filme de terror Invocação do Mal (2013). Para ele, “havia uma certa técnica nos [seus] gritos – há muita energia”.
Uma grande interpretação de terror, muitas vezes, requer que o ator não apenas desperte com muita força as emoções do espectador. Ele precisa também demonstrar grande vigor e falta de vaidade para enfrentar circunstâncias desagradáveis e aumentar a experiência sensorial do espectador.
Grande parte do público pode se identificar com as cenas emocionais de dismorfia corporal de Elisabeth Sparkle no início de A Substância, mas é a evolução de Demi Moore para se tornar uma versão mais velha e desfigurada da personagem que faz o filme realmente decolar.

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Depois de tentar pôr fim ao seu alter ego mais jovem com um soro de encerramento, tudo realmente começa a sair de controle para Elisabeth quando surge o Monstro ElisaSue – uma mistura grotesca e colossal das duas personagens principais.
As próteses exibidas neste ponto do filme são definitivamente ridículas. Elas incluem uma quantidade excessiva e repulsiva de dentes, seios e olhos. Mas o absurdo leva o espectador ao ponto levantado pelo filme.
A mensagem é que os padrões de beleza são arbitrários e absurdos. Nós deveríamos rir deles e não tentar atendê-los com medidas extremas e perigosas.
A Substância é uma história que serve de alerta ao apontar um espelho para o espectador, quando olhamos enojados para Monstro ElisaSue. Afinal, o monstro é ela ou sou eu, por pensar daquela forma?
É extremamente difícil equilibrar a atuação em filmes de terror, buscando a conexão com o público. Muitos atores e atrizes não conseguem fazer isso com sucesso. A empatia entre tantos espectadores e a forma final de Elisabeth é um testemunho da boa atuação.
Mas para onde irá o gênero a partir daqui? Será que todos os filmes de terror deveriam tentar agradar as massas para ter sucesso ou manter as formas criativas de contar histórias, que continuam a surpreender e assustar o público?
A resposta pode estar no único vencedor do Oscar do gênero e na diversidade temática daquele filme.
É impossível negar que O Silêncio dos Inocentes pertence ao gênero de terror, mas os estudiosos do cinema destacam frequentemente que a obra já recebeu outras classificações.
“O que costumamos ver acontecer é que, quando um filme de terror coleciona conquistas de alto nível, seu gênero na cobertura da imprensa muda”, explica McKendry. “No caso de O Silêncio dos Inocentes, ele já foi chamado de ‘filme de crime’, em vez de terror.”
A diferença entre terror, thriller, crime e ação pode parecer irrelevante, mas ampliar a categoria de um filme pode alterar sua percepção pelo público – e impulsioná-lo para se tornar um ganhador de prêmios.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL