A corretora XP Investimentos tenta, judicialmente, remover do YouTube um documentário do influenciador Daniel Penin, publicado no sábado (14), que sugere práticas enganosas por parte de assessores da empresa no trato com seus clientes.
O vídeo, intitulado “XP Investimentos – O $ do Impossível”, seria lançado no dia 4 de junho. No entanto, um trailer publicado dias antes foi usado pelo escritório de advocacia que pertence a Rodrigo Fux, filho do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux, para suspender judicialmente o documentário.
Após decisão favorável à XP, o trailer foi derrubado em decisão liminar, e o lançamento do vídeo completo também foi proibido. No entanto, neste sábado Daniel Penin decidiu publicar o material, mesmo com determinação judicial contrária.
O documentário – que até as 11h desta terça-feira (17) prosseguia no ar – questiona o crescimento avassalador da gigante de investimentos, com rendimentos muito superiores aos bancos brasileiros. A XP é atualmente a maior corretora de investimentos do Brasil, com mais de 4,6 milhões de clientes ativos e valor sob custódia superior a R$ 1,1 trilhão.
Advogados da XP Investimentos dizem que vídeo é “desinformação”
No dia 3 de junho, quando a XP Investimentos entrou com pedido judicial para a remoção do trailer e proibição do vídeo principal, os advogados alegaram que o documentário veicularia “ilações diversas de conteúdo difamatório e caluniador” com potencial de causar “abalo irreparável à reputação do Grupo XP” e de Guilherme Benchimol, co-fundador e Presidente Executivo do Conselho de Administração da empresa.
Penin, no entanto, afirma que ninguém de fora da equipe que produziu o vídeo tinha ciência do conteúdo. “Como um juiz pode proibir um vídeo de ser postado sem nem mesmo saber o conteúdo?”, questionou o influenciador.
No pedido, assinado pelo filho do ministro Fux, os advogados sustentam que se o documentário não fosse proibido, não haveria “como apagar essa desinformação na mente de quem o viu”.
Em um primeiro momento, o influenciador não acatou a ordem judicial de apagar o trailer. A juíza, então, determinou multa de até R$ 500 mil por desobediência, fazendo com que o vídeo fosse, por fim, removido. A magistrada também determinou que a tramitação ocorresse em segredo de justiça.
O que diz o documentário
O vídeo “XP Investimentos – O $ do Impossível” investiga as alegações de um suposto esquema de pirâmide financeira e práticas fraudulentas por parte da corretora. O tema foi inicialmente levantado em março deste ano pela Grizzly Research, empresa de análise financeira norte-americana.
Um relatório da empresa afirmou que dois fundos da XP teriam obtido retornos surpreendentes (mais de 2.419% em cinco anos, sem grandes volatilidades), financiados não por operações de mercado legítimas, mas por recursos obtidos com a venda agressiva de Certificados de Operações Estruturadas (COEs) a clientes de varejo. Segundo os pesquisadores, esses COEs seriam “predatórios” e alimentariam uma estrutura em que ganhos de investidores mais antigos seriam pagos com o dinheiro de novos – o clássico mecanismo das pirâmides financeiras.
No documentário de Daniel Penin, especialistas no mercado financeiro, ex-clientes e ex-funcionários da XP falam sobre as supostas práticas ilegais da corretora.
XP Investimentos negou acusações e classificou relatório como “fake news”
A Gazeta do Povo entrou em contato com a XP Investimentos para oferecer espaço à manifestação, mas não houve retorno até o fechamento desta reportagem.
No entanto, em março, após a divulgação do relatório da Grizzly Research, a corretora publicou uma nota classificando as alegações como “fake news com o objetivo de atacar a XP” e sugeriu que a empresa norte-americana teria “algum nível material de conflito de interesse”.
“Os fundos mencionados no relatório são veículos exclusivos da tesouraria da XP Inc., nos quais a própria companhia é a única cotista. Eles não captam recursos de clientes, tampouco dependem da entrada de novos participantes para manter suas operações ou compor seu patrimônio líquido e, portanto, sua estrutura de rentabilidade não pode ser comparada com fundos de investimento que são distribuídos abertamente no mercado”, diz a nota.
Segundo a empresa, o desempenho muito acima da média do mercado “é fruto da atuação da XP em diversos mercados e instrumentos nos quais a companhia tem uma participação significativa”.
Proibir publicação do vídeo configura censura, aponta jurista
Para André Marsiglia, advogado constitucionalista especializado em liberdades de expressão e de imprensa, a decisão judicial que proibiu a publicação do material sobre a XP Investimentos com base no trailer configura censura prévia.
“Ainda que, em parte, o conteúdo do vídeo possa ser ilícito, inviável pensar que seja todo ilícito, sobretudo com base no trailer, principalmente em decisão liminar, sem a parte contrária ser ouvida”, diz Marsiglia.
O valor da multa por descumprimento também é questionado pelo jurista. “Arbitrar por descumprimento multa que pode chegar a 500 mil reais é obviamente abusivo, pois provavelmente o valor é maior do que seria a própria condenação”, declara.
Quem é Daniel Penin
O influenciador, que soma 4,7 milhões de seguidores nas redes sociais, costuma alternar a publicação de conteúdos sobre marketing digital com documentários em tom de denúncia contra empresas e figuras públicas.
O vídeo de maior repercussão em seu canal no YouTube é um documentário de 2023 sobre a plataforma de apostas Blaze, em que aponta uma relação entre o prejuízo dos usuários e os ganhos milionários de celebridades contratadas para promovê-la, como Neymar e Felipe Neto. Daniel Penin também produziu o vídeo “Choquei – Lacrando Vidas”, que mostrou o funcionamento de uma rede de perfis de fofoca gerenciados pela agência Mynd8, envolvida em publicações falsas que levaram ao suicídio de uma jovem de 22 anos em 2023.
Fonte. Gazeta do Povo