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19 de junho de 2025

Juristas apontam pesca probatória contra Gilson Machado

Juristas apontam pesca probatória contra Gilson Machado

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O ex-ministro do Turismo Gilson Machado passou um dia preso na última sexta-feira (13), até que o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), considerasse a medida “suficiente” e revogasse a prisão preventiva. A detenção ocorreu apesar de a Polícia Federal já ter cumprido, naquela manhã, um mandado de busca e apreensão na residência do ex-ministro.

Ao determinar que Machado deixasse o Centro de Triagem e Observação Criminológica Professor Everardo Luna (Cotel), em Abreu e Lima (PE), o magistrado afirmou que a prisão preventiva não era “mais necessária” após a realização das diligências. A PF esteve na casa do ex-ministro para apreender anotações, aparelhos eletrônicos e outros materiais, já com autorização para acessar os dados.

O advogado Alessandro Chiarottino, professor de Direito Constitucional e doutor em Direito pela USP, avalia que o caso “levanta algumas preocupações do ponto de vista jurídico, especialmente quando olhamos sob a ótica garantista” diante do “risco de uso da prisão como meio indireto de obter confissão ou de forçar colaboração, o que chamamos de ‘pesca probatória’”.

“Isso [pesca probatória] é absolutamente incompatível com o devido processo legal e com o princípio da presunção de inocência. Prisão não pode ser usada como estratégia de investigação para pressionar o investigado”, disse o advogado, destacando que a prisão preventiva deve ser uma “medida excepcional, justificada de forma concreta”. 

O artigo 312 do Código de Processo Penal (CPP) estabelece que a prisão preventiva deve ser aplicada como garantia da ordem pública, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova de existência do crime e indícios suficientes da autoria.

“Se o objetivo da prisão era evitar destruição de provas, fica a dúvida: o que exatamente ainda justificaria a manutenção da prisão, mesmo após as buscas terem sido realizadas?”, questionou o professor de Direito Constitucional. A chamada “pesca probatória” — ou fishing expedition — é uma prática proibida pelo ordenamento jurídico brasileiro e consiste na realização de investigações especulativas, sem objetivo certo ou declarado, com o intuito de encontrar qualquer elemento que possa subsidiar uma futura acusação.

Na mesma linha, o advogado criminalista e professor de Direito Processual Penal Adriano Bretas afirmou que, se a própria PGR propôs medidas alternativas menos gravosas, a prisão “deixa de ser um instrumento de cautela processual para se transformar num atalho para a punição antecipada, em ofensa a princípios que devem estruturar o Estado Democrático de Direito”.

Por que Gilson Machado foi preso?

A PF afirmou que Machado teria atuado para viabilizar a emissão de um passaporte português para o tenente-coronel Mauro Cid, delator no processo que investiga a suposta tentativa de golpe de Estado em 2022, para facilitar uma possível “saída do território nacional”. 

Os investigadores teriam encontrado no celular de Cid arquivos que indicariam uma tentativa anterior de obtenção da cidadania portuguesa, em janeiro de 2023. Segundo eles, Machado também poderia buscar “alternativas junto a outras embaixadas e consulados” com o mesmo objetivo.

No último dia 10, a Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu a Moraes a abertura de um inquérito contra o ex-ministro. Dois dias depois, a PF comunicou ao ministro a viagem da família de Cid aos Estados Unidos. A PGR então solicitou a prisão de ambos, Cid e Machado — pedidos inicialmente aceitos por Moraes.

No entanto, pouco antes da operação, o ministro recuou e determinou que apenas Machado fosse preso – mesmo com indícios de supostas irregularidades no acordo de delação premiada do tenente-coronel.

Além de ser questionado sobre o passaporte, Cid precisou responder sobre o suposto uso de um perfil no Instagram após a revista Veja revelar mensagens atribuídas a ele sobre o processo de delação trocadas com um aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O tenente-coronel negou a autoria das mensagens e classificou a reportagem da Veja como “mais uma miserável fake news”.

Cid prestou depoimento por cerca de 3 horas, disse já ter cidadania e carteira de identidade portuguesas, negou qualquer intenção de sair do país e saiu da sede da PF, em Brasília, com o acordo de delação mantido. 

A cerca de 2 mil quilômetros dali, o advogado Célio Avelino, que representa Gilson Machado, relatava a jornalistas em frente ao Instituto Médico Legal (IML), de Recife, que ainda não fora informado sobre o motivo da prisão de seu cliente, que passou por exame de corpo de delito no início da tarde daquela sexta após prestar depoimento. 

“A Polícia Federal recebeu, do ministro Alexandre de Moraes, um mandado de prisão preventiva, mas não disse os motivos da prisão […] A defesa agora quer saber os motivos da decretação da prisão. Eu não sei, e nem foi dado. A PF recebeu apenas um mandado para cumprir. Estamos dando entrada em um pedido para ter acesso ao processo, para saber o que foi que levou o ministro a fazer isso”, afirmou Avelino. 

O ex-ministro reiterou que apenas ligou para o Consulado de Portugal, na capital pernambucana, para se informar sobre a renovação do passaporte de seu pai, que tem cidadania portuguesa e aguarda a renovação do documento. Na audiência de custódia, a própria PGR defendeu que fossem aplicadas “medidas menos gravosas”, como a apreensão de passaporte. A soltura foi determinada por Moraes depois das 21h.

Juristas questionam prisão de Machado

Para Chiarottino, a manifestação da PGR “reforça a ideia de que talvez a prisão não fosse a medida mais adequada ou necessária naquele momento”, principalmente porque o ex-ministro já tinha sido alvo de busca e apreensão, com recolhimento de celulares, computadores e documentos. 

Bretas classificou a situação como parte do “momento histórico distópico em que se tem normalizado aberrações jurídicas de toda ordem”. “O mais lamentável é observar que essa inversão de valores tem partido justamente da Corte Suprema que deveria zelar pela Constituição e, não raras vezes, têm vilipendiado a Magna Carta, cuja proteção fica à mercê de idiossincrasias pessoais”, apontou. 

Machado deixou o presídio perto das 23h e classificou o episódio como um “grande mal-entendido”. Religioso, agradeceu a Deus por iluminar “mais uma vez a Justiça brasileira”. Ele destacou que sua relação com Mauro Cid era profissional e protocolar. 

“Foi tudo um grande mal-entendido e é importante salientar que a revogação da prisão foi feita pela mesma pessoa que decretou, pelo ministro Alexandre de Moraes. Agradeço a Deus que iluminou mais uma vez a Justiça brasileira e estou pronto para qualquer esclarecimento que porventura venha a ser oriundo desse mal-entendido”, afirmou. 

Chiarottino destacou que o tempo de prisão “não deixa de ter impacto na liberdade da pessoa e merece ser analisado com atenção, até para evitar que se naturalize o uso abusivo das prisões cautelares”.

Busca e apreensão contra Gilson Machado lembra caso do aeroporto de Roma, diz jurista

O advogado especialista em Direito Penal André Marsiglia avaliou que a prisão do ex-ministro é “uma das fishing expeditions mais explícitas que tivemos nos últimos anos no país” e a ordem de Moraes “talvez seja comparável apenas à busca e apreensão dos investigados no caso do aeroporto de Roma”.

Marsiglia fez referência ao episódio em que Moraes teria sido hostilizado pela família Mantovani no Aeroporto Internacional de Roma, na Itália, em julho de 2023. O caso só foi encerrado em dezembro de 2024, quando o ministro Dias Toffoli, relator da investigação, aceitou retratação formal apresentada pela família. 

“Vale dizer que Moraes entendeu que há indícios suficientes de que Gilson [Machado] ajudou Cid e o solta com a condição de que cumpra medidas cautelares. Gilson seguirá nas mãos de Moraes”, disse o jurista nas redes sociais.

Gilson Machado ficou conhecido ao tocar “Ave Maria” na sanfona ao lado do então presidente Jair Bolsonaro (PL) em uma live durante a pandemia de Covid-19, em 2020. No final daquele ano, ele assumiu o Ministério do Turismo, cargo no qual ficou até março de 2022. Ele tentou uma vaga ao Senado por Pernambuco, mas não se elegeu. 



Fonte. Gazeta do Povo

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