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- Author, Sophie Hardach
- Role, BBC Future
No início de uma manhã de fevereiro, o capitão Nate Wordal, piloto da Força Aérea Americana e caçador de tempestades, decolou da Base Aérea de Yokota, a oeste da capital japonesa, Tóquio.
Depois de enfrentar alguma turbulência vindo do monte Fuji, ele se dirigiu à vasta extensão azul do Oceano Pacífico. Seu destino: um tipo de tempestade conhecido como rio atmosférico, que se desenvolvia no litoral do Japão.
Os rios atmosféricos são fitas invisíveis de vapor d’água no céu. O capitão Wordal procurava tempestades que se formam no Oceano Pacífico e se movem para leste, até alcançarem a Costa Oeste dos Estados Unidos.
Quando eles atingem a costa e sobem pelas montanhas, o vapor se resfria e se transforma em chuva ou neve, que se acumula no solo e pode causar enchentes e avalanches devastadoras.
Mas os “rios do céu” também trazem benefícios – e são fundamentais para evitar as secas. No Estado americano da Califórnia, eles fornecem até 50% da chuva e neve anuais, em apenas alguns dias.
O fenômeno ocorre no inverno do hemisfério norte, o que traz mais trabalho para pilotos caçadores de tempestades como o capitão Wordal, após o término da estação dos furacões, no verão.
O capitão é caçador de furacões do 53° Esquadrão de Reconhecimento Climático da Força Aérea Americana.
Ele normalmente passa os meses de maio a novembro voando através de furacões e depositando instrumentos meteorológicos que capturam dados em tempo real para o Centro Nacional de Furacões dos Estados Unidos.
“A nossa segunda estação, que iniciamos nos últimos anos, é esta missão dos rios atmosféricos”, destaca ele.
Nesta nova temporada, os voos coletam dados sobre estas tempestades, tipicamente entre os meses de novembro e março.

Crédito, Força Aérea Americana
Em 2025, pela primeira vez, alguns dos voos começaram no Japão, além dos aviões que saem do Havaí e da Costa Oeste americana. O objetivo é avaliar as tempestades no início da viagem e criar previsões do tempo mais precisas.
De forma geral, “o nosso clima se move de oeste para leste pelo Hemisfério Norte”, explica Anna Wilson, especialista em condições climáticas extremas.
“Por isso, quanto mais precisas forem as informações sobre uma tempestade mais [a oeste], mais você poderá entender sobre a sua evolução”, incluindo a quantidade de chuva ou neve que ela irá trazer quando atingir terra firme.
Wilson é gerente de pesquisas de campo do Centro de Extremos de Água e do Clima do Oeste do Instituto de Oceanografia Scripps, da Universidade da Califórnia em San Diego, nos Estados Unidos.
A instituição é parceira da missão, ao lado da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (Noaa, na sigla em inglês).
Os voos são conhecidos como a campanha de Reconhecimento de Rios Atmosféricos (AR Recon, na sigla em inglês). Eles foram iniciados há quase 10 anos pelo Scripps, pela Noaa e pela Força Aérea Americana.
O escopo e o alcance das missões cresceram desde então, já que os rios atmosféricos e seus impactos passaram a ganhar cada vez mais importância.
No oeste dos Estados Unidos, os rios atmosféricos são a principal causa de danos ocasionados pelas cheias, que totalizam mais de US$ 1 bilhão (cerca de R$ 5,7 bilhões) por ano.
Estes fenômenos estão ficando maiores e os rios mais fortes estão se tornando mais frequentes. Isso se deve às mudanças climáticas, pois o ar mais quente retém mais umidade.
Mas a capacidade de prever, se preparar e enfrentar estas tempestades e as cheias que elas causam também está aumentando, graças aos dados obtidos pelos aviões.
“Nós voamos até o [rio atmosférico] e o cruzamos várias vezes, se pudermos”, explica o meteorologista Marty Ralph, diretor do Centro de Extremos da Água e do Clima do Oeste no Scripps e principal pesquisador do programa de Reconhecimento de Rios Atmosféricos.
Para coletar os dados, a equipe na parte de trás de cada avião lança instrumentos cilíndricos no rio atmosférico. Trata-se de sondas, chamadas em inglês de dropsondes.
Estas sondas coletam os dados enquanto caem através da tempestade em evolução. Elas medem a temperatura, pressão do ar, vento e umidade, além da direção da tempestade.
Os voos que saem do Japão também lançam boias oceânicas. Cada uma delas tem “o tamanho aproximado de uma máquina de lavar”, segundo o capitão Wordal.
Estas boias flutuam no Oceano Pacífico. Elas medem as ondas e a temperatura da água, para um programa de observação dos oceanos conduzido pela Noaa.
“Nossos dados estão mudando as previsões de onde [o rio atmosférico] irá atingir a costa, quando, com que potência e de qual ângulo”, explica Ralph.
Estas medições servem para complementar os dados obtidos por satélite.

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Mais tempo de preparação
As informações fornecidas pelos aviões resultam em previsões mais precisas, dias antes da chegada das tempestades, pelo que indicam as avaliações dos seus impactos.
Estas previsões podem ajudar os serviços meteorológicos a emitir os alertas necessários com antecedência. Elas também auxiliam os gerentes dos reservatórios a decidir pela liberação ou não da água armazenada, para receber a chuva que está chegando e evitar enchentes.
Até 2025, os voos avaliavam os rios atmosféricos e alimentavam as informações para as previsões até cinco dias antes que as tempestades atingissem a costa.
Agora, com os voos do Japão, o objetivo é estender estas previsões detalhadas e precisas por mais alguns dias, oferecendo às pessoas em terra ainda mais antecedência para poderem se preparar para os eventos.
“Nosso objetivo ao seguirmos para o oeste do Pacífico é, talvez, tentar conseguir previsões com oito ou até 10 dias de antecedência”, afirma Ralph.
“Quanto mais a oeste conseguirmos ir, maior a probabilidade de conseguirmos ampliar a precisão em mais de cinco dias.”
Ele destaca que pode haver diversas tempestades, influenciando e, às vezes, se fundindo umas com as outras. “Não é como se uma única tempestade se movesse por todo o caminho”, segundo Ralph.
Cada rio atmosférico pode ter várias centenas de quilômetros de largura e transportar mais de 20 vezes a quantidade de água do rio Mississippi, nos Estados Unidos.
Voando sobre ciclones
Os voos do Japão começaram no dia 3 de fevereiro. Eles avaliaram um grande rio atmosférico que se formou no litoral do Japão, explica Ralph, mostrando uma série de mapas em uma chamada de vídeo.
Ele conta que, nos dias que se seguiram, aquele rio atmosférico ocasionou um ciclone a noroeste do Havaí. Estudos indicam que os rios atmosféricos podem produzir ciclones mais poderosos, devido à umidade que eles carregam.
Outro voo que saiu do Havaí avaliou aquele ciclone e mais aviões voaram sobre novos rios atmosféricos que se desenvolviam a partir do Japão, segundo Ralph.
Estes rios passaram cerca de uma semana se movendo para leste, aumentando de potência. E mais um deles ocasionou um ciclone.
A tempestade chegou ao litoral da Califórnia no dia 12 de fevereiro. Ela trouxe forte chuva e enchentes à região e profunda neve para Sierra Nevada, aumentando o nível dos rios e reservatórios.
A tempestade forçou algumas evacuações, devido ao risco de deslizamentos perto das cicatrizes causadas pelos recentes incêndios de Eaton e Palisades, em Los Angeles.
Mas ela também ajudou a reduzir a seca no centro e no sul da Califórnia, segundo uma análise preliminar. O evento ilustra os benefícios que acompanham os riscos dos rios atmosféricos.
Para os pilotos, esta missão, de certa forma, é menos intensa do que a caça aos furacões, segundo o capitão Wordal. Mas os longos voos necessários para caçar esses rios atmosféricos podem durar 10 horas ou mais e apresentam seus próprios desafios, como o cansaço.
As missões empregam as aeronaves Lockheed WC-130J Hurricane Hunter, da Força Aérea Americana, e Gulfstream 4, da Noaa.
“O voo é completamente diferente [da caça aos furacões]”, explica o capitão Wordal.
Para avaliar um furacão, ele e sua tripulação voam para dentro da tormenta e passam duas a quatro horas enfrentando condições intensas.
“Algumas pessoas comparam com dirigir em um lava-jato, pois você recebe quantidades de chuva simplesmente inacreditáveis”, além de granizo, relâmpagos e forte turbulência, ele conta.
Em comparação, o voo sobre ou através de um rio atmosférico em formação é calmo, segundo o capitão Wordal.
“Fazemos essas corridas gigantes através do Oceano Pacífico, voos realmente longos, obtendo os dados deste rio atmosférico que voa pelo céu.”
Mas, à medida que os rios atmosféricos se aproximam da costa oeste americana, eles ficam mais agressivos. E a tripulação pode vivenciar condições mais turbulentas e tempestuosas, explica ele.
Com isso, retornar para a base e aterrissar no litoral fica muito mais difícil, devido aos ventos intensos e à chuva que cai sobre a pista de aterrissagem.
Wordal destaca que, na sua experiência, o desafio é se manter totalmente alerta e preparado para apoiar a tripulação que realiza as medições e manter todos em segurança.
Os pilotos (normalmente, dois ou três) garantem que o avião esteja onde precisa estar e que não haja navios abaixo.
Os navegadores são uma parte importante da missão. Eles trabalham em estreita cooperação com os pilotos e os meteorologistas, para mapear um plano de voo seguro e eficiente, explica o capitão.
Na parte de trás do avião, os operadores de carga carregam e lançam as sondas, enquanto os meteorologistas processam os dados de cada uma delas em tempo real e os enviam para o Scripps.
“Em seguida, eles partem para a próxima sonda”, prossegue ele. “Eles fazem isso por horas de cada vez e têm muito trabalho no fundo do avião. Eles ficam realmente concentrados.”

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A próxima grande tempestade
O impacto dos voos que saem do Japão e o potencial de seus efeitos para as previsões do tempo e a situação em terra ainda estão sendo analisados, segundo Ralph e Wilson.
“O que esperamos muito poder observar, com base nos nossos resultados anteriores [e nos resultados preliminares da missão japonesa], é o aumento da antecedência para eventos impactantes na Costa Oeste americana”, explica Wilson, “simplesmente por contarmos com estas observações iniciais antecipadas, no local onde alguns desses rios atmosféricos estão sendo gerados”.
Anna Wilson é coordenadora do programa AR Recon.
“Melhorar cada vez mais o direcionamento aos pontos certos e, então, observar os efeitos sobre as previsões do tempo na Costa Oeste americana, realmente, é emocionante”, destaca ela.
Em 2021, por exemplo, voos que saíram do Havaí avaliaram diversos ciclones e rios atmosféricos, cerca de cinco dias antes que eles atingissem a Califórnia.
Sem os dados das sondas, a previsão foi de uma tempestade não muito preocupante. Mas os dados alteraram a previsão para uma grande tempestade causada por rio atmosférico, segundo Ralph.
Esta previsão ajudou as pessoas a se prepararem. Sabendo que uma grande tempestade estava a caminho, “a comunidade de preparação contra emergências entrou em ação, fechando estradas e evacuando bairros, antecipando uma possível tempestade séria”, ele conta.
Quando a tempestade chegou, ela causou danos substanciais, “mas nenhuma vida humana foi perdida, em uma história de sucesso da preparação para emergências”.

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Evitando secas
Toda esta preparação também pode ser fundamental para a prevenção de secas, segundo Marty Ralph.
Ele explica que, como os rios atmosféricos são muito importantes para o fornecimento de água, os gerentes dos reservatórios enfrentam uma escolha difícil antes da chegada de cada tempestade.
Se eles esvaziarem um reservatório cheio antes de uma grande tempestade com previsão de chuvas pesadas e aquela chuva for menor que a esperada, eles acabam perdendo o abastecimento de água para o verão seguinte.
Neste caso, “se não houver novas tempestades naquele inverno, eles podem nunca conseguir repor aquela água [antes da chegada do verão]”, quando ela será necessária para a agricultura, por exemplo.
Mas, se os gerentes dos reservatórios tiverem previsões precisas graças aos voos, informando que há uma grande tempestade chegando em três dias, por exemplo, eles podem liberar a água do reservatório com confiança, sabendo quanta chuva virá, e criar espaço para armazená-la.
Quando passou a estação dos rios atmosféricos, o capitão Nate Wordal estava pronto para assumir sua outra tarefa: perseguir furacões.
“É no fim de maio que começa a estação dos furacões”, diz. “Abril e maio são meses de baixa, quando retomamos o nosso treinamento e deixamos todos a postos – até nos lançarmos na estação das tempestades tropicais.”
Fonte.:BBC NEWS BRASIL