O Supremo Tribunal Federal (STF) está a um voto de formar maioria para derrubar a lei que proíbe a realização de eventos como a Marcha da Maconha em Sorocaba (SP). O ministro Gilmar Mendes, relator do caso, apontou que a lei fere as liberdades de reunião e de expressão. Já Cristiano Zanin, único a votar a favor da manutenção da legislação municipal, defendeu que a liberdade de expressão não é absoluta.
O julgamento no plenário virtual foi interrompido por um pedido de vista – mais tempo para análise – do ministro Nunes Marques. Acompanharam o relator os ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Edson Fachin e Flávio Dino, que apresentou um voto com ressalvas.
A Lei 12.719/2023, sancionada pelo prefeito, Rodrigo Manga (Republicanos), veda a realização de marchas, eventos, reuniões ou práticas análogas, “que façam apologia” à posse para consumo e uso pessoal de substâncias entorpecentes ilícitas.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 1.103) para impugnar a lei, agumentando que a proibição viola as liberdades de expressão e de reunião, além de caracterizar manifesta afronta à jurisprudência do STF a respeito do tema.
Segundo o entendimento da Corte, a realização de assembleias, reuniões, passeatas, marchas ou quaisquer outros eventos que busquem a “obtenção de apoio para legalização do uso de drogas hoje tidas como ilícitas” está dentro do âmbito de proteção dos direitos às liberdades de manifestação do pensamento e de reunião.
Em manifestação ao STF, o prefeito afirmou que objetivo “ao proibir a realização de eventos e a propagação de mensagens que incentivem o uso de drogas” é “garantir que crianças e adolescentes não sejam expostos a situações que vão contra os princípios de proteção e cuidado estabelecidos pela Constituição”.
Gilmar considerou que a lei “impede de forma absoluta a realização de manifestações públicas” e, por isso, é excessiva e “transgride os princípios constitucionais que garantem as liberdades de reunião e de expressão”.
Ele rechaçou a tentativa de enquadrar essas manifestações dentro do conceito de propaganda comercial. “Na realidade, são manifestações que estão dentro do âmbito de proteção das liberdades de expressão e de reunião e, portanto, são legítimas”, disse Gilmar. Em junho de 2024, o STF descriminalizou o porte de maconha para consumo pessoal. Ao citar a decisão, o relator reiterou que essa conduta apenas não gera repercussões na seara criminal.
O decano ponderou que, apesar de ser possível do ponto de vista constitucional, a realização de atos públicos em prol da descriminalização de entorpecentes e de substâncias ilícitas “não significa que se mostra lícito o consumo de tais drogas na ocasião”. Além disso, Gilmar reforçou que é “imprescindível” o aviso prévio ao Poder Público sobre os atos. “Eventuais práticas criminosas podem e devem ser combatidas particularizadamente”, escreveu o ministro.
Zanin usa livro de Gilmar e Gonet para divergir sobre Marcha da Maconha
O ministro Cristiano Zanin usou o livro “Curso de Direito Constitucional – 18º edição”, escrito pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, e por Gilmar Mendes, para divergir da tese defendida pelos dois no julgamento. O trecho da obra citado aponta que “a garantia da liberdade de expressão tutela, ao menos enquanto não houver colisão com outros direitos fundamentais e com outros valores constitucionalmente estabelecidos, toda opinião, convicção, comentário […]”.
Para o ministro, ainda que se considere que a Constituição teria atribuído uma certa posição preferencial à liberdade de expressão, isso não significa que haveria uma preponderância absoluta. “O direito à liberdade de expressão não é irrestrito e encontra limites precisamente na proteção de outros direitos fundamentais”, afirmou.
Zanin afirmou que os municípios têm “competência suplementar para tratar sobre matéria de competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal, como a defesa da saúde e a proteção à infância e à juventude”. Ele afirmou que não há como garantir que eventos como a Marcha da Maconha “garantam o acesso à informação fidedigna a respeito dos malefícios causados pelo uso de drogas ilícitas”.
O ministro Flávio Dino concorcou com Zanin quanto à “preocupação com os interesses de crianças e adolescentes”. Dino acompanhou Gilmar, mas defendeu proibir a participação de menores de 18 anos nos “eventos favoráveis a drogas ilícitas, bem como ao álcool ou tabaco”.
Zanin considerou que a Lei 12.719/2023, de Sorocaba, é constitucional e não fere o entendimento do Supremo sobre o tema. Zanin disse concordar com Gilmar quanto à “necessidade de se garantir plena liberdade para a realização de manifestações que pleiteiam a descriminalização do uso dessas substâncias”. Contudo, divergiu na aplicação dessa premissa à lei municipal questionada pela PGR.
Fonte. Gazeta do Povo