
Crédito, EPA-EFE/Shutterstock
- Author, Mariana Schreiber
- Role, Da BBC News Brasil em Brasília
A guerra entre Israel e Irã ganhou nova dimensão com a entrada dos Estados Unidos, aumentando os temores de que o conflito poderia escalar ainda mais e envolver mais países.
Trump afirmou nas redes sociais que o cessar-fogo começará “em aproximadamente seis horas”, após cada país ter “encerrado” suas operações militares — em um conflito que o presidente chamou de “a guerra dos 12 dias”.
Segundo o republicano, “na 24ª hora” o conflito terminará oficialmente.
Israel e Irã confirmaram que aceitam o cessar-fogo.
O objetivo era destruir a capacidade iraniana de construir armas nucleares, embora o país de maioria persa afirme que seu programa nuclear tem apenas o objetivo de gerar energia para fins pacíficos.
O ataque americano foi condenado por duas potências nucleares aliadas do Irã, China e Rússia, mas não havia perspectiva, no momento, de um apoio militar das duas nações a Teerã.
Algumas horas após a retaliação de Teerã, Trump classificou a ação iraniana como “muito fraca” e agradeceu o “aviso antecipado”, indicando que o ataque teria sido previamente anunciado, para evitar mortes, algo que o Irã fez em 2020, quando atacou bases dos EUA no Iraque em reação ao assassinato do líder da Força Quds, Qassim Suleimani.
Usando a rede Truth Social, Trump afirmou que “quase nenhum dano foi causado”. De 14 mísseis disparados pelo Irã, 13 foram “derrubados” e outro seguiu em uma “direção não ameaçadora”, disse ainda.
“Talvez o Irã possa agora prosseguir rumo à paz e harmonia na região, e eu encorajarei Israel entusiasticamente a fazer o mesmo”, escreveu Trump, horas antes do anúncio de cessar-fogo.
Para o assessor especial para Assuntos Internacionais do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), uma escalada da crise na região seria uma “grande ameaça” para todo o mundo.
“Tentar mudar o regime no Irã vai ser um caos pior do que o que ocorreu no Iraque e na Líbia”, diz Amorim.
Horas antes da retaliação iraniana, Israel lançou uma série de novos ataques contra o Irã, mirado Fordo e outros locais importantes para o regime, como uma prisão de opositores políticos.
‘Ala do trumpismo quer EUA isolados’
Especialistas em política externa ouvidos pela BBC News Brasil nesta segunda-feira (23/6) já esperavam pela contenção dos Estados Unidos, após uma retaliação considerada “simbólica” pelo Irã, sem grandes danos às bases americanas.
O diplomata aposentado Roberto Abdenur, que foi embaixador do Brasil em Washington e Pequim, não acredita em uma resposta militar do Catar aos ataques às bases americanas em seu território.
Abedenur lembra que jogam a favor da contenção importantes lideranças da direita radical americana, que defendem que o país deve se manter afastado de conflitos com outros países, o que também pode ter contido Trump.
Steve Bannon, por exemplo, apoiou o ataque às instalações nucleares iranianas, mas criticou a possibilidade de os Estados Unidos ampliarem sua atuação para tentar derrubar o regime dos aiatolás que governa o país desde 1979.
“Steve Bannon, que é o ideólogo e um grande porta-voz da extrema-extrema direita americana, é ferozmente contra a intervenção no Irã, porque essa ala do trumpismo quer os Estados Unidos isolados, sem se envolver em conflitos externos”, ressalta.
“Trump age por impulsos e cometeu o erro estratégico de entrar numa guerra que não era dos Estados Unidos”, disse ainda.
Além da pressão interna no trumpismo, há ainda a pressão da oposição democrata e até dentro do Partido Republicano, de Trump.
Desde que o presidente dos Estados Unidos ordenou os ataques ao Irã no fim de semana, tanto democratas quanto parlamentares de seu próprio partido passaram a questionar sua autoridade legal para tomar essa decisão sem aval do Congresso.
Na noite desta segunda, Trump enviou uma carta ao Parlamento dizendo que o ataque ao Irã foi “limitado em escopo e propósito”, destinado a destruir o programa nuclear iraniano e proteger Israel.
Embora a lei americana diga que declarar guerra é uma atribuição do Congresso, essa autorização não acontece oficialmente desde a Segunda Guerra Mundial. Ou seja, vários presidentes antes de Trump enviaram tropas americanas a diversos conflitos estrangeiros sem essa etapa.

Novo ataque dos EUA poderia levar à ‘guerra eterna’
O cientista político Hussein Kalout, que é conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), doutor em política internacional pela Universidade de Lancaster e foi secretário especial de Assuntos Estratégicos no governo Michel Temer (2016-2019), também apostava da diminuição da tensão.
Na sua avaliação, caso a Casa Branca optasse por outro caminho e ampliasse os ataques a Teerã para tentar derrubar o regime, a gestão Trump assumiria riscos elevados.
Nesse caso, o país abriria uma frente de batalha que pode acabar se transformando no que chamam de “guerra eterna”. Ou seja, um conflito que se arrasta por anos ou até décadas, com alto custo para os envolvidos e consequências imprevisíveis. Algo comparável com o que ocorreu no envolvimento dos Estados Unidos no Afeganistão e no Iraque.
“Se os Estados Unidos decidirem atacar para derrubar o regime, a tendência é os iranianos irem para uma guerra aberta de sobrevivência. Aí a coisa vai se alastrar, vai ter que mobilizar tropa, tem que passar primeiro no Iraque para chegar no Irã”, disso, horas antes do anúncio de cessar-fogo.
Nesse cenário hipotético, Kalout acredita que Rússia e China dariam algum tipo de apoio ao Irã. Ele lembra que o país persa foi incluído recentemente no grupo Brics, com apoio das duas potências.
O Brics é um bloco inicialmente fundado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul no final da primeira década dos anos 2000. Nos últimos anos, o bloco passou por uma expansão com a entrada do Irã, mas também de Egito, Arábia Saudita, Indonésia, Etiópia e Emirados Árabes Unidos.
Na esfera econômica, o Irã é importante fornecedor de petróleo para a China.
“Não estou dizendo que [a China] faria um apoio abertamente, mas pode fazer clandestinamente. O Irã é um aliado estratégico da China. A China quer perder o Irã? O Irã também é aliado estratégico da Rússia”.
“Existem várias formas de apoiar. Posições satelitais, por exemplo, para dar indicação de pontos onde alvejar. O Irã não tem satélites. Podem transferir determinado tipo de bomba”, exemplificou.
Para Roberto Abdenur, na atual situação o apoio de Rússia e China ao Irã deve se manter no campo diplomático, sem efeitos práticos.
“Podem convocar uma reunião do Conselho de Segurança, discutir o assunto, esculhambar os Estados Unidos. Os Estados Unidos vetam [qualquer proposta de resolução contra o país], possivelmente a Inglaterra e a França também vetariam, e nada de concreto [aconteceria]. O Conselho de Segurança deixou de funcionar há muito tempo”, afirma.
No encontro, Putin classificou o ataque dos Estados Unidos de uma “agressão absolutamente não provocada contra o Irã, que não tem fundamento nem justificativa”.
Dias antes, o presidente russo havia dito que teme uma terceira guerra mundial: “É preocupante. Falo sem qualquer ironia, sem piadas. Claro que existe muito potencial de conflitos, sob o nosso nariz, que nos afetam diretamente”.
A Rússia, porém, está envolvida em sua própria guerra com a Ucrânia, o que limitaria as condições russas de atuar em outros conflitos, na visão do embaixador Abdenur.
Apesar de sua expectativa de que o conflito entre Israel e Irã não escale mais, ele enfatiza a imprevisibilidade imposta por líderes globais.
“O mundo está hoje nas mãos de três personagens capazes de qualquer coisa: Trump, Putin e Netanyahu [primeiro-ministro de Israel]”, disse Abdenur.
‘Arma econômica’ do Irã seria catastrófica
Caso o conflite se agrave, outra possível reação do Irã teria grandes impactos econômicos para o mundo inteiro ao fazer aumentar o preço da gasolina.
Autoridades iranianas discutem fechar o Estreito de Ormuz, uma passagem estratégica do Oriente Médio por onde transita um quinto do petróleo comercializado no mundo.
Daria para fazer isso plantando minas marinhas e criando obstáculos para navios militares ou mercantes que passem por lá.
Seria uma aposta arriscada, porque atrapalharia vizinhos árabes que também exportam petróleo pelo estreito e até parceiros comerciais do Irã, como a China.
“Eu acho que isso é fora de questão. Fechar o Estreito de Ormuz é provocar uma catástrofe econômica global. O Irã estaria antagonizando o resto do mundo. Não vai fazer”, acredita Abdenur.
A expectativa agora é de que os tomadores de decisão linha-dura do Irã concentrem suas atenções em como restaurar a dissuasão — a capacidade do país de inibir novos ataques —, enquanto tentam evitar eles mesmos serem alvos de novos bombardeios.
“É provável que o Irã minimize os danos às suas instalações, e insista que seu programa nuclear sobreviveu a esses ataques sem precedentes”, argumenta Ellie Geranmayeh, vice-chefe do programa para o Oriente Médio e Norte da África do Conselho Europeu de Relações Exteriores.
“Essa é a grande ironia”, disse Geranmayeh a Lyse Doucet, correspondente internacional chefe da BBC News. “Embora Trump tenha buscado eliminar a ameaça nuclear do Irã, ele agora tornou muito mais provável que o Irã se torne um Estado nuclear.”

Fonte.:BBC NEWS BRASIL