Juristas convidados criticaram duramente o Supremo Tribunal Federal (STF) em evento promovido pela OAB-PR na noite desta quarta-feira (25), após a Corte formar maioria, no último dia 11, para mudar o entendimento vigente sobre o artigo 19 do Marco Civil da Internet. Com a decisão, a exigência de ordem judicial para a responsabilização das plataformas deixará de ser regra, o que tende a agravar a censura nas redes sociais no Brasil.
O tom das críticas no evento da OAB-PR não mira propriamente a regulação das redes sociais, mas sim a usurpação, pelo Judiciário, da competência legislativa para modificar uma lei aprovada no Congresso.
Logo na abertura do evento, o presidente da seccional paranaense, Luiz Fernando Pereira, deu o tom das principais falas da noite ao dizer que “o STF, num movimento único no mundo, está se arvorando competente para fazer a regulação das redes sociais no Brasil. Cada um dos votos dos ministros do Supremo são projetos de lei que poderiam ser apresentados no Congresso”, disse.
“Queremos que essa mensagem do Paraná repercuta no Brasil inteiro. Queremos que haja uma posição do Paraná nesse debate”, prosseguiu o mandatário da OAB-PR.
Parte dos ministros quer “literalmente legislar”, diz jurista
Primeiro a falar, João Victor Archegas – mestre em Direito pela Harvard Law School e pesquisador sênior no Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS) – tratou do poder de influência das big techs e manifestou-se favoravelmente “a um mínimo de controle e limitação de poder favorável à proteção dos direitos fundamentais”.
No entanto, na visão do jurista, essa regulação deveria ser feita em parceria com as plataformas e jamais vir do Judiciário, sempre do Legislativo. Archegas também expressou grande preocupação com a recente derrubada, pelo STF, do artigo 19 do Marco Civil da Internet. A norma foi criada para impedir que as redes sociais, por medo de punições, removam conteúdo de forma preventiva e desproporcional.
“Estamos vivendo uma dança muito perigosa entre o Congresso e o STF em relação à governança da internet e a regulação de novas tecnologias. Alguns ministros querem literalmente legislar falando em dever de cuidado, em risco sistêmico – palavras que não são do vocabulário normativo do Brasil. Elas foram importadas de um debate regulatório [no Legislativo] da União Europeia e não fazem parte do nosso Direito”, disse o jurista.
“Eu olho para o futuro e consigo ver um período entre a decisão do STF e um momento em que o Congresso vai ter que legislar para dar conta do problema que foi criado. Esse período pode ter, sim, um impacto negativo à proteção da liberdade de expressão no espaço digital no Brasil”, prosseguiu.
País vive “hipertrofia do Judiciário”, que impactará as próximas eleições
Em um dos painéis do evento da OAB-PR, Adriano Soares da Costa, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Público (IBDPub), foi ainda mais enfático em relação à postura invasiva do Supremo no tema da regulação das redes.
“Nós estamos criando no Brasil um ambiente de insegurança jurídica e de profunda litigiosidade. No período eleitoral vai ser uma festa, porque ninguém vai conseguir falar nada sem ter alguém dizendo: ‘Tire a publicação. Essa crítica não é ao governo, é a mim. Houve uma desordem informacional’”, afirmou. “Estamos indo para ‘não se sabe onde’, em que estaremos em mares bastante revoltos do ponto de vista jurídico e com riscos imensos para a liberdade de expressão”, prosseguiu.
Mais à frente, Costa enfatizou que a cruzada do STF para limitar o debate digital tem a ver com um incômodo que as redes sociais geraram ao “quebrar o monopólio do Poder”.
“Os donos do Poder detestam quando essa maioria passa a ter voz. É quando surge uma figura que passou a ser conhecida e a incomodar, que é o ‘tio e a tia do zap’. São esses os destinatários dessa regulação. É fazer com que as pessoas percam a possibilidade de discutir – de criticar o Supremo, o político e o Poder”, declarou o presidente do IBDPub.
“Estamos vivendo uma disfuncionalidade, uma hipertrofia do Judiciário como não existe no mundo”, continuou.
Atual modelo brasileiro é “inconveniente para alguns”, diz jurista
O último painel da noite na OAB-PR tratou da perspectiva internacional sobre a regulação das redes sociais – em especial a Digital Services Act (DSA), lei de serviços digitais da União Europeia; e o modelo norte-americano, que prioriza a liberdade expressão e não prevê responsabilização das plataformas pelos conteúdos publicados por seus usuários.
Em sua fala, Rodrigo Xavier Leonardo, doutor em Direito Civil pela USP, sustentou que o Brasil já possui um mecanismo de regulação das redes sociais, que é o próprio Marco Civil da Internet. “O Poder Legislativo fez o Marco Civil da Internet e escolheu um determinado modelo de responsabilidade civil no artigo 19. Por que uma regra de responsabilidade civil, por ser mais estrita ou mais rigorosa, será inconstitucional?”, questionou.
“O que estamos discutindo não é se o Brasil precisa de regulação, mas se uma regulação que é considerada inconveniente por alguns pode ser chamada de inconstitucional”, disse, em alusão à interferência do Supremo.
Fonte. Gazeta do Povo