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A médica brasileira Maitê Gadelha, de 29 anos, não esconde sua paixão pela saúde pública.
Nascida em Belém e formada pela Universidade do Estado do Pará, ela confessa que teve alguma dificuldade para encontrar uma especialização após terminar o curso de Medicina.
“Sempre me envolvi com organizações não governamentais e trabalhos sociais para entender como é lidar com a saúde fora dos consultórios”, diz a médica, que foi uma das coordenadoras do UK Brazil Forum 2025, um evento realizado em junho que debateu questões brasileiras na Universidade de Oxford, no Reino Unido.
Essa vontade fez com que Gadelha atuasse em uma clínica itinerante, que visitou dezenas de cidades paraenses durante a pandemia de covid-19, para prestar assistência às comunidades ribeirinhas e quilombolas.
Ela também trabalhou no Rio de Janeiro, onde atuou no bairro de Rio das Pedras da capital e na zona rural do Estado.
Após concluir uma residência em Medicina da Família e da Comunidade e um MBA no Hospital Israelita Albert Einstein, de São Paulo, a médica ganhou uma bolsa do governo britânico e mudou-se para a Escócia, onde foi fazer um mestrado em Saúde Pública na Universidade de Edimburgo.
“Minha ideia era vir para o Reino Unido e aprender mais sobre o sistema de saúde do país, para depois voltar ao Brasil com essa bagagem de conhecimento e aplicar os aprendizados na nossa realidade”, conta ela.
A médica lembra que o Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro, criado no final dos anos 1980, é inspirado no Serviço Nacional de Saúde (NHS, na sigla em inglês) britânico, que existe desde 1948.
“Queria conhecer como as coisas funcionam por aqui [no Reino Unido] e como eles conseguiram construir esse sistema de saúde pública”, detalha ela.
Mas teve uma coisa que Gadelha não esperava.
“Me surpreendi ao ver o Brasil e o SUS como exemplos de saúde pública na universidade na Escócia”, conta ela.
“Isso foi algo que me orgulhou muito”, confessa a médica.
Segundo o relato dela, muitas das discussões que ela acompanhou em sala de aula giravam em torno da ideia do que outros países podem aprender com o Brasil, com o modelo de saúde implantado no país.
Gadelha diz que o conhecimento sobre o sistema brasileiro entre colegas de classe variava bastante.
Entre alunos, que, como ela, vinham de vários cantos do mundo, alguns não sabiam detalhes sobre o funcionamento do SUS — e chegavam a questionar como era possível prestar um nível de assistência médica amplo num país tão grande como o Brasil.
“Agora, entre professores, principalmente aqueles que pesquisam sistemas de saúde, há um reconhecimento do nosso país como um modelo”, diferencia ela.

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O que o SUS pode ensinar ao mundo?
Na avaliação de Gadelha, uma das joias da coroa do SUS é a Estratégia Saúde da Família (ESF).
Esse modelo, implantado em boa parte do território nacional, depende do trabalho dos agentes comunitários de saúde, que visitam as casas das famílias e fazem um acompanhamento de sintomas, incômodos, doenças crônicas e outros aspectos que podem impactar a vida e o bem-estar das pessoas.
“A gente tem tanto a ensinar… Hoje em dia, muito se fala sobre a implementação de projetos com agentes comunitários de saúde e sobre o envolvimento das comunidades nos programas de atenção básica”, explica Gadelha,
“Existe todo um trabalho da Organização Mundial da Saúde sobre esse tema, que é algo que o Brasil faz de uma forma muito fácil e tranquila, enquanto os outros países ainda estão pensando em formas de implementar iniciativas do tipo”, complementa ela.
Mas os exemplos positivos que vêm do SUS não param por aí.
“O sistema de saúde brasileiro tem princípios muito sólidos, principalmente quando se fala de universalidade”, acrescenta a médica.
“Um tema relevante no mundo globalizado que vivemos hoje é a falta de acesso à saúde quando você vai visitar um outro país. Há uma grande discussão sobre como garantir isso de forma universal, para todos.”
“E isso é algo que já existe no nosso país. Independentemente se você for brasileiro ou estrangeiro, não vai ficar desamparado se precisar de uma assistência por meio do SUS”, destaca a especialista.

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Gadelha também aponta para o modelo de financiamento do SUS e a forma como os serviços são oferecidos sem custos diretos à população.
“Em muitos países, há o chamado out of pocket, ou a necessidade de a pessoa que precisar de algum serviço de saúde ter que pagar por isso, ao menos por uma parte.”
“Existe uma grande preocupação de quantas catástrofes financeiras você pode causar numa família por conta disso”, observa ela.
Na visão de Gadelha, outro ponto que coloca o SUS na vanguarda são as parcerias público-privadas, que envolvem a contratação de equipamentos e serviços de empresas para prestar assistência à população.
“Isso é algo que o NHS, por exemplo, começou a implantar recentemente para reduzir as filas de espera por exames, consultas e procedimentos”, diz ela.
O conhecimento sobre a realidade dos problemas de saúde também é algo que faz o Brasil ganhar uma posição de destaque, acredita a médica.
“Uma aula sobre tuberculose, por exemplo, é muito mais rica no nosso país, porque a gente consegue realmente entender os motivos de um problema desses persistir e qual o papel dos determinantes sociais da saúde”, diferencia ela.
“Sabemos que lidar com doenças como essa não depende apenas da medicação. Compreendemos melhor como o ambiente pode propiciar a disseminação de certas condições.”
Para Gadelha, o sistema brasileiro já entendeu faz tempo que a promoção de saúde é “algo multifatorial, que precisa da parceria com áreas como assistência social, educação e outros setores”.

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Mas nem tudo são boas notícias para o Brasil — e, certamente, há coisas a melhorar no sistema público de saúde, pondera a especialista.
“Um dos artigos apresentados nas aulas aqui na universidade foi sobre comunicação. E um exemplo a não ser seguido foi a forma como nosso país conduziu a pandemia de covid-19”, lembra ela.
“O debate ali era como um país com um sistema tão capilarizado, tão forte, conseguiu ter uma comunicação tão ruim naquele período.”
“Em contrapartida, durante a emergência de saúde pública, o SUS conseguiu chegar em locais muito difíceis, inclusive para a vacinação”, argumenta ela.
Outro ponto em que, na visão de Gadelha, a saúde pública brasileira está em descompasso com o restante do mundo é em termos de sustentabilidade e mudanças climáticas.
“Recentemente participei de um evento com um representante do NHS e ele falou muito sobre a transição energética, sobre a substituição de 100% das ambulâncias para veículos elétricos até 2030, sobre oferecer alimentos em hospitais cujos ingredientes vêm de produtores locais, sobre diminuir as emissões de carbono…”
“Essa discussão ainda está muito incipiente no Brasil e é algo que precisamos fazer, ainda mais com a realização da COP 30 em Belém do Pará, no final deste ano”, sugere ela.

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A médica também chama a atenção para a necessidade de investir em educação continuada dos profissionais que atuam no SUS.
“Na minha turma de saúde pública da Universidade de Edimburgo, havia muitos alunos que eram funcionários do NHS. Precisamos dar prioridade a isso, para que colaboradores do SUS tenham mais acesso a treinamento, capacitação, aprendizado e pesquisa”, acredita Gadelha.
Um último ponto que a especialista vê necessidade de aprimoramento é diminuir a carga de trabalho burocrático que recai sobre os ombros de médicos, enfermeiros e assistentes de enfermagem.
“Esse é um dos grandes pesos, principalmente para quem atua com Medicina da Família e da Comunidade”, lamenta ela.
“Precisamos realizar muitas tarefas administrativas, fazer toda uma gestão do paciente, que demanda muita energia e tempo, além de diminuir o espaço para o atendimento assistencial.”
“Se a gente conseguisse formar trabalhadores para atuar nesse setor administrativo e deixar o profissional de saúde fazer aquilo para o qual se formou, teríamos um ganho enorme”, sugere ela.
Gadelha agora planeja a volta ao Brasil, para dar continuidade à carreira — e traz na bagagem novos conhecimentos e muitos sonhos.
“Nosso país tem muita capacidade, possui times super treinados e profissionais que entendem a fundo sobre o local onde trabalham. Se a gente integrar tudo isso, vamos conseguir promover ainda mais saúde à população brasileira.”
“Volto com a sensação de que temos o SUS como um sistema muito sólido, com toda a possibilidade de seguir adiante com nossas próprias capacidades”, conclui ela.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL