O cantor Murilo Huff, que na última segunda-feira (30) obteve na Justiça a guarda provisória de seu filho de quatro anos, traz à tona uma realidade cada vez mais comum em disputas familiares: a alienação parental.
O menino Léo, filho de Murilo Huff com Marília Mendonça – cantora sertaneja que faleceu em 2021 – morava com a avó materna, vendo o pai com regularidade. No entanto, no mês passado o cantor acionou a Justiça com um pedido de urgência para obter a guarda unilateral, alegando alienação parental e negligência da avó com cuidados médicos da criança.
O juiz responsável pelo caso entendeu que a avó foi negligente quanto à saúde do menino, passou a tomar decisões unilaterais na criação de Léo e “converteu a convivência familiar em uma arena de desinformação”.
Segundo a decisão, a mãe de Marília Mendonça fazia Léo acreditar que o pai não era competente. “A sabotagem da autoridade do genitor, o bloqueio sistemático do fluxo de informações relevantes, a tentativa de construir no imaginário infantil a falsa ideia de que o pai é ausente, incompetente ou irrelevante, são práticas que configuram atos de alienação parental, com consequências severas e duradouras ao desenvolvimento afetivo da criança”, disse o juiz.
Como explica Tiago Juvencio, advogado especialista em Direito Penal que acompanha o caso, após o falecimento da mãe, o menino ficou bastante vulnerável emocionalmente. No cenário de luto, o pai e a família de Marília Mendonça entenderam que a presença cotidiana da avó seria peça-chave para amenizar o impacto da perda.
“Por isso, instituiu-se um regime de convivência mista entre o pai, Murilo, e a família materna, conciliando as eventuais restrições de agenda profissional de Murilo com o vínculo sólido entre avó e neto”, diz Juvencio.
No entanto, provas apresentadas por Murilo Huff mostraram que a avó passou a atuar “de maneira prejudicial ao bem-estar físico e psicológico de Léo”, segundo trecho da decisão judicial.

Casos de alienação parental crescem mais de 10 vezes em uma década
Apesar de pouco debatido, o problema da alienação parental é complexo e, nos últimos anos tem ganhado mais espaço nos tribunais. Em 2014, havia apenas 401 processos na Justiça sobre o tema segundo levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Em outubro de 2023, esse número chegou a 5.152, ou seja, um crescimento de 13 vezes em uma década.
A alienação parental acontece quando familiares – sejam pai, mãe, avós ou outros responsáveis – dificultam ou impedem a convivência da criança com um de seus genitores. As situações mais comuns ocorrem quando os conflitos do relacionamento conjugal interferem negativamente na relação dos filhos com os pais. É o caso, por exemplo, de um genitor que mente ou fala mal do ex-parceiro para afastar a criança de sua convivência. Ou quando, após o falecimento de um dos pais, os avós da parte falecida tentam enfraquecer ou impedir a relação da criança com o genitor que permanece vivo – como é o caso enfrentado por Murilo Huff.
Para impedir essa prática, em 2010 foi sancionada a Lei de Alienação Parental, que prevê desde advertências e multas até a inversão da guarda da criança.
“As consequências da alienação parental para as crianças são graves, porque elas estão em formação emocional, em desenvolvimento da sua personalidade, e esse afastamento abrupto do pai ou da mãe acaba criando nelas uma sensação de ausência, de falta de confiança”, explica Maria Helena Seabra, especialista em Direito de Família e Sucessões pela PUC/RJ.
“Muitas vezes o pai ou a mãe é afastado do filho não porque queriam, mas porque o outro genitor está criando obstáculos àquela convivência. Mas a criança não sabe disso, então ela cresce com uma sensação de insegurança e acaba se tornando um adulto inseguro por conta da alienação que sofreu”, prossegue.
Segundo a advogada, tornou-se comum a ocorrência de denúncias falsas de violência ou abusos para, na prática, legitimar a alienação parental. “Cerca de 80% dos clientes do escritório são do sexo masculino, e podemos falar com muita convicção que a maioria das denúncias feitas por violência doméstica em casos familiares em que há uma criança envolvida, são denúncias falsas”, diz Maria Helena.
Pai está há mais de um ano sem ver o filho mesmo com acusação rejeitada pela Justiça
O caso de Jorge (nome fictício, para preservar a identidade da família), de 35 anos, ilustra as consequências da alienação parental em disputas de guarda. Desde fevereiro de 2024, ele não vê o filho Henrique, hoje com três anos. “Perdi os aniversários de dois e três anos. Não acompanhei o início da fala, a entrada na escolinha, nem participei das decisões sobre saúde e educação”, contou o pai à Gazeta do Povo.
Jorge e Letícia, mãe de Henrique, estavam separados desde a gravidez, mas mantiveram uma convivência pacífica no início da vida do filho. Por um ano e meio, ele dividiu os cuidados com o filho, mantendo convivência regular. No entanto, com o fim do namoro, a mãe passou a restringir as visitas, chegando a registrar uma denúncia contra o pai por supostos maus-tratos.
A acusação levou a um pedido de medida protetiva, que foi rejeitado inicialmente pelo delegado e pelo juiz, e posteriormente arquivado pelo Ministério Público após parecer de uma assistente social e uma psicóloga. Nenhuma prova de agressão foi apresentada. Mesmo assim, Letícia entrou com pedido de guarda unilateral, usando a denúncia rejeitada como justificativa.
Enquanto o processo tramita, Jorge permanece afastado do filho. “Tenho muito receio de me fazer presente, com medo de que ela invente outras mentiras”, diz. Segundo ele, a família da mãe da criança reconhece o excesso da situação, mas evita intervir por medo de também perder contato com a criança.
Lei de Alienação Parental é alvo no Congresso e no STF
Um dos pontos mais polêmicos da Lei de Alienação Parental é a forma como ela tem sido usada por pais acusados de violência ou abuso para reverter a guarda ou deslegitimar denúncias legítimas. Como exemplo, se o pai praticou algum tipo de violência real contra a criança, e a mãe o denuncia, o genitor pode tentar usar a lei para se proteger da denúncia.
Na Câmara dos Deputados há projetos de lei que tentam revogar a lei. Em paralelo, o Partido Socialista Brasileiro (PSB) tenta derrubar a lei via Supremo Tribunal Federal (STF). Em março de 2024, a legenda ajuizou um pedido à Corte para que declare a lei inconstitucional.
Para Maria Helena, ajustes pontuais na lei seriam mais benéficos do que uma revogação total. “Seria muito grave afastar uma lei que protege crianças que realmente sofrem com a alienação parental. Porque não é uma lei só para o genitor que sofre com o problema, mas principalmente para proteger uma criança que sofre as consequências da alienação parental”, explica a advogada.
Fonte. Gazeta do Povo