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7 de julho de 2025

Ora-pro-nóbis: para que serve a planta famosa em suplementos?

Ora-pro-nóbis: para que serve a planta famosa em suplementos?

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O nome derivado do latim, que remete a uma oração católica (“Rogai por nós”), entrega quão antiga é a relação do brasileiro com a ora-pro-nóbis. Nos idos de 1840, ela já aparecia nas páginas do primeiro livro de receitas do país, O Cozinheiro Imperial. Ainda hoje, segue dando as caras no quintal e no prato principalmente das famílias de Minas Gerais e dos estados do Centro-Oeste.

Só que, de uns tempos para cá, a planta de folhas robustas e espinhos foi alçada ao posto de milagrosa, especialmente na forma de cápsulas e outras roupagens de suplemento natural. As propagandas na TV e nas redes sociais pregam que ela ajuda a emagrecer, resolve qualquer parada inflamatória e até trata câncer. Será?

A ora-pro-nóbis está consagrada como um bom e seguro ingrediente alimentar. Com os suplementos, porém, a história é diferente. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que nem sequer autoriza o uso nesse formato, proibiu recentemente de forma categórica a fabricação, distribuição e comercialização de pílulas, pós e afins baseados no vegetal.

Não há estudos sólidos demonstrando que eles sejam eficazes para sarar qualquer doença nem atestando que as propriedades da planta se mantêm nas versões empacotadas.

“O grande problema hoje é que muitos pacientes não conseguem diferenciar o que é propaganda do que é notícia”, diz o médico José Eduardo Martinez, presidente da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR), especialidade que pena com as promessas anti-inflamatórias infundadas das cápsulas de ora-pro-nóbis.

Pior: tem gente que abandona o tratamento validado e o substitui por esse tipo de produto, achando até que está lucrando com a economia no bolso. Mas como é que uma planta que merece espaço nas refeições se transformou em panaceia vetada por órgãos regulatórios?

De onde vem a fama da ora-pro-nóbis?

Para começo de conversa, no nosso território há dezenas de variedades de ora-pro-nóbis, uma espécie cercada de tradições cuja principal representante é a Pereskia aculeata. O vegetal se espalha pelo Cerrado, pela Caatinga e pela Mata Atlântica e, desde o século 19, visita a cozinha e os livros de receitas nacionais.

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Em outra dessas obras, chegou a ser citada como equivalente aos nabos europeus, entrando no preparo de ensopados e no acompanhamento de carne de vaca e porco. Entre os mineiros e goianos, nunca perdeu seu lugar. Mas, em outros cantos do país, ficou tão escanteada que passou a integrar o rol das PANC, as plantas alimentícias não convencionais.

O acrônimo, criado pelo biólogo gaúcho Valdely Kinupp nos anos 2000, engloba espécies que até parecem ervas daninhas, mas são uma boa fonte de sabor e nutrientes.

A divulgação entre nutricionistas, cozinheiros e pesquisadores decolou. A ponto de a ora-pro-nóbis aparecer até em programas de TV como o Masterchef, da Band. E foi aí que algumas empresas passaram a se aproveitar de sua fama.

A polêmica em torno dos suplementos

O fato é que hoje existem infindáveis opções de fitoterápicos e companhia nas prateleiras virtuais e físicas das lojas de produtos naturais. E, nesse universo de muita publicidade, é fácil borrar as fronteiras entre o que é alimento, suplemento alimentar e medicamento.

Os suplementos alimentares podem parecer um “meio do caminho”, mas na verdade são uma categoria à parte, com regulamentação própria. “É preciso comprovar para a Anvisa que ele é fonte de algum nutriente ou substância relevante para a saúde humana”, explica a nutricionista Júlia Coutinho, diretora-executiva da Regularium, empresa de consultoria do mercado de alimentos.

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A resolução da Anvisa que instituiu a categoria em 2018 reforça essa orientação. Junto de outras normas, estabelece que suplementos não devem ser vendidos como se fossem remédios: o rótulo e as ações de marketing não podem falar que o item previne, cura ou trata nenhuma condição.

“No começo, definiu-se que alguns produtos registrados antes dessa data poderiam ser comercializados por um período de tempo, ainda seguindo a regulação antiga”, conta Coutinho.

“No caso da ora-pro-nóbis, havia um registro de um produto como ‘novo alimento em cápsulas’, que permitiu colocá-lo no mercado antes de 2018. Mas as empresas não se adequaram às novas normas e o registro expirou”, elucida.

Ou seja, não há ou não deveria haver no mercado nenhum suplemento da planta. Mas basta uma espiada na internet para concluir que a realidade é outra.

Assim como acontece com os remédios, as substâncias presentes em suplementos alimentares precisam passar por um criterioso processo de testes até chegarem ao consumidor. A Anvisa dispõe de uma lista de ingredientes que já foram aprovados e podem ser usados nesses produtos.

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Uma empresa pode criar uma formulação com eles, desde que atenda aos critérios do órgão. Para obter o aval para um suplemento, é preciso demonstrar que ele tem alguma substância bioativa que justifique a suplementação e, assim, estabelecer os limites seguros para consumo. Só que a ora-pro-nóbis encapsulada nunca atendeu a esses requisitos nem constou nesse rol.

+ Leia também: Veja os 7 suplementos mais vendidos no Brasil — e o que diz a ciência sobre eles

Como um novo suplemento chega ao mercado?

Em tese, para que um suplemento chegue à população com o mínimo de eficácia e segurança garantido, ele deveria passar por todo um rito de estudos.

A primeira fase começa em laboratório. A partir de testes em células e depois com animais, o candidato tem de provar sua segurança em termos de toxicidade. Também são investigados o potencial terapêutico e o mecanismo de ação.

Depois vêm os estudos clínicos, em humanos, para entender a dose adequada, a possibilidade de interação com medicações e a biodisponibilidade. Isso serve para provar a eficácia e as alegações funcionais ou de saúde do componente. São justamente eles que faltam à ora-pro-nóbis — e a uma dúzia de outros fitoterápicos.

“Esses estudos devem ser feitos em voluntários saudáveis. Somente remédios são testados em pacientes, ou seja, quem já tem alguma doença ou predisposição a ela”, diferencia Coutinho.

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De preferência, essas pesquisas devem ser controladas e revisadas por outros cientistas antes de serem publicadas. Eis um gargalo dos suplementos: muitos não são submetidos a essas investigações. Outro problema é a falta de padrão nos extratos empregados. Daí o pé atrás dos especialistas.

“A ora-pro-nóbis é conhecida pelo valor nutricional, mas isso não equivale a uma evidência científica de eficácia para tratamentos”, diz a oncologista Sabrina Chagas, da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (Sboc).

A questão é que as propagandas se apoiam quase sempre nesses experimentos de laboratório, exagerando ou deturpando os efeitos da planta. “Só que eles não são suficientes para comprovar sua ação nos pacientes”, frisa Chagas.

Há outro imbróglio: os produtos não autorizados pela Anvisa, caso dos baseados em ora-pro-nóbis, não passam por fiscalização antes de serem vendidos. Isto é, não há como garantir o controle de qualidade nem mesmo se é só o princípio ativo esperado que aparece ali.

Fitoterápico ou suplemento alimentar?

A Anvisa é a responsável por dar as regras e fiscalizar suplementos e fitoterápicos vendidos no país, por meio da Giasc, a Gerência de Inspeção e Fiscalização Sanitária de Alimentos, Cosméticos e Saneantes.

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Aos olhos da agência, há uma diferença entre eles, nem sempre muito clara ao consumidor. Os fitoterápicos são medicamentos derivados de plantas medicinais.

Já os suplementos são produtos que trazem algum nutriente, composto bioativo ou probiótico para complementar a dieta — e eles não podem fazer nenhuma alegação terapêutica.

Golpe de marketing

Para saírem das hortas e chegarem às cápsulas e às propagandas nas redes, as plantas são vítimas de uma tendência bem conhecida: a criação de “superalimentos” por meio de muito marketing.

“Um produto como esses oferece uma resposta bem mais simples do que lembrar que todos precisam comer uma variedade de frutas, legumes e cereais diariamente. É uma relação de conveniência”, avalia a nutricionista Michelle Jacob, uma das autoras do livro Culinária Selvagem (EDUFRN).

Ora, um suplemento alimentar pode oferecer nutrientes e compostos bioativos importantes ao organismo, mas, como o próprio nome da categoria entrega, eles só complementam a alimentação.

No entanto, inúmeros suplementos ditos naturais — a ora-pro-nóbis entre eles — se ancoram no apelo do alimento para se venderem como remédios. “Mas eles não são equivalentes”, reforça Martinez. “Nenhum problema reumatológico, como uma osteoartrite, pode ser tratado apenas pela alimentação isolada”, prossegue o presidente da SBR, que emitiu uma nota de advertência sobre esses produtos recentemente.

Acontece que, mesmo com a proibição formal da Anvisa, sobretudo no ambiente online, as cápsulas de ora-pro-nóbis seguem à solta. E os sonhos que comercializam podem ser perniciosos sobretudo para alguns pacientes.

“Há uma crença comum e perigosa de que o ‘natural’ é seguro. Mas não é verdade. Diversas substâncias naturais podem ser tóxicas, causar eventos adversos ou interações medicamentosas, especialmente para indivíduos em tratamento do câncer”, alerta Chagas.

Essa visão não significa que a ciência médica ignore os potenciais trunfos encontrados na nossa biodiversidade. Mas há uma diferença imensa entre um extrato de planta embalado e moléculas encontradas em plantas que foram ostensivamente estudadas.

Quer um exemplo do que funciona à luz das pesquisas? O docetaxel é um remédio quimioterápico usado para tratar vários tipos de câncer, como os de mama, pulmão e próstata.

Quem deu origem a ele foi uma substância presente no teixo, árvore comum na Europa. O maior problema é empregar ervas, suplementos não aprovados e outros produtos com o selo de “natural” sem orientação médica.

“O máximo que temos são estudos com algumas substâncias que podem ser complementares ao tratamento, ajudando no controle de sintomas”, pontua Sabrina. Mas complementar não significa substituir — sob pena de comprometer as próprias chances de recuperação.

Em meio à bandeja, real ou virtual, de superalimentos e suplementos, o que deve prevalecer é a cautela: não existe um único ingrediente ou cápsula que vá prevenir ou curar uma doença mais grave como o câncer.

Mas uma dieta balanceada, mantida no longo prazo, pode, sim, evitar dissabores no futuro e apoiar a convalescença. Para os experts, melhor que apelar a suplementos é aproveitar a riqueza natural do país no próprio prato.

“Temos uma biodiversidade enorme, mas o que está na nossa paisagem não está nas nossas refeições. Nosso sistema alimentar é homogeneizado”, analisa Jacob. “Quanto mais coisas diferentes comemos, mais chances temos de consumir alimentos nutritivos.”

Então que tal convidar umas folhas refogadas de ora-pro-nóbis para o almoço ou jantar?

A planta pode tornar o cardápio menos insosso e enriquecer a ingestão de proteínas, fibras, vitaminas e minerais — como comida, não em pílulas, vale ressaltar. Nesse contexto, tem até truques para tirar proveito do vegetal. Assim como o feijão deve ser deixado de molho, a ora-pro-nóbis deve ser “branqueada” antes de ser consumida.

“Isso porque ela também tem oxalato, um composto que prejudica a absorção de nutrientes como ferro e zinco. A gente precisa dar um choque térmico antes de comer para minimizar esses fatores antinutricionais”, orienta Jacob.

É assim, conhecendo os detalhes, os benefícios e as limitações do alimento — e tomando cuidado com as promessas em cápsulas —, que a gente evita trocar a prece do “Rogai por nós” pelo “Deus nos acuda”.

Leia também: Vitamina K2: saiba para que serve e conheça os alimentos ricos no nutriente

As promessas da ora-pro-nóbis sob a luz da ciência

Propriedades da planta são exageradas pelas propagandas — não há nenhuma comprovação para fins terapêuticos.

Para conter dores e inflamações

Não existem estudos clínicos comprovando um efeito anti-inflamatório em seres humanos. Os testes que embasam a promessa são restritos a animais de laboratório, com uma série de limitações.

Para prevenir ou curar o câncer

Nenhum alimento ou suplemento trata ou evita tumores sozinho. O potencial antioxidante da ora-pro-nóbis pode contribuir na redução de riscos, mas a planta tem impacto extremamente modesto nesse sentido.

Para controlar o diabetes

As fibras da planta, quando consumidas na alimentação, até podem auxiliar no controle glicêmico. Só que não existe comprovação de que o suplemento mantenha essas características — muito menos que substitua remédios.

Para emagrecer

Não há evidência de que a sensação de saciedade, também associada à ingestão das fibras da ora-pro-nóbis, seja promovida pelo suplemento em si. Isoladamente, nenhuma “cápsula natural” resulta em perda de peso.

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Suplementos são amplamente explorados em propagandas (Foto: Peter Dazeley/Getty Images/Veja Saúde)

Os nutrientes que ajudaram a fazer a fama da ora-pro-nóbis

Proteínas

Muita gente chama a ora-pro-nóbis de “carne de pobre” pelo conteúdo proteico, mas não é assim sempre: a maior contagem de proteína ocorre na versão desidratada da planta. E não supera um filé.

Vitaminas

As folhas contêm vitaminas A e C, além de ácido fólico (também chamado de vitamina B₉). Alguns minerais, como cálcio, ajudam no aproveitamento desses nutrientes pelo corpo.

Minerais

O ferro é o grande destaque, mas, como não é o tipo mais disponível para o organismo, o ideal é consumir junto de uma fruta cítrica para absorver. A planta ainda tem zinco, cálcio e fósforo.

Fibras

A inulina é uma fibra solúvel presente na ora-pro-nóbis: além de servir como emulsificante para maioneses e outros preparos, substituindo o ovo, é bem-vinda à saúde intestinal.

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A ora-pro-nóbis é um seguro ingrediente alimentar. Com os suplementos, a história é diferente (Foto: Adobe Firefly/Veja Saúde)

Plantas que curam câncer?

Avelós, babosa… ora-pro-nóbis. Vira e mexe reverbera na internet a história de que uma planta pode dar um basta ao câncer. Diferentes espécies são louvadas pelo marketing, mas carecem de validação científica.

Os vegetais até têm compostos que podem reduzir o risco de desenvolver doenças — caso de fibras e antioxidantes. Mas, mesmo que houvesse alguma substância com ação anticâncer, é improvável obter esse efeito pelo consumo rotineiro.

O que a ciência faz é isolar essas moléculas para investigar sua ação nas células — daí, sim, podem surgir remédios efetivos.

Armadilhas decifradas

Lições que as propagandas de suplementos como o de ora-pro-nóbis nos ensinam.

É milagre?

Nenhum alimento ou suplemento natural sozinho resolve problemas de saúde. É uma somatória de bons hábitos, aliados aos cuidados prescritos pelos médicos sérios, que responde pelo controle de doenças.

É remédio?

A confusão da linguagem leiga entre suplementos e medicamentos é explorada para enganar o consumidor. Mesmo quando liberado, nenhum suplemento pode dizer que trata ou cura doenças.

É barato?

Desconfie das promessas absurdas que prometem cura ou solução e são vendidas barato demais. Você pode gastar dinheiro à toa, não melhorar e ainda encarar reveses à sua saúde.

É natural?

Qualquer produto desses passa por um processo de industrialização, e o fato de se dizer natural não o exime de causar efeitos colaterais ou mesmo danos sérios a órgãos como o fígado e os rins.

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Fonte.:Saúde Abril

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