Outro dia ouvi que a tendência mais forte do vinho é ignorar a sazonalidade e beber o que se tem vontade, independentemente do clima. Mas e se temos vontade de tomar apenas vinhos encorpados no inverno?
Eu mesma não quero tomar um vinho superleve, cítrico e refrescante quando os termômetros marcam 10ºC. Prefiro uma bebida que me sirva como uma pantufa. É só pensar: melhor um drinque bem cítrico ou um negroni nessas condições? É assim que defendo para esses dias de geladeira a coisa tida por muitos como a mais démodé do mundo: a presença de madeira.
Nos últimos anos do século 20, não existia nada mais importante na produção de um vinho do que ela, que denota naquela época, acima de tudo, qualidade. Os vinhos deveriam estagiar meses em pequenos barris de 225 litros para integrar taninos e ganhar corpo e complexidade.
Essa tal complexidade viria em novas notas para além das uvas utilizadas do vinho, aromas e sabores que a madeira emprestaria à bebida (os chamados aromas secundários, que vêm do processo de vinificação; sendo os primários os da fruta).
A depender da tosta e da origem da madeira (sendo carvalho francês e o americano os mais comuns), o vinho poderia incorporar desde um leve toque defumado até manteiga, baunilha, chocolate, coco, café, entre outros.
A magia acontece porque a madeira tem microporos que possibilitam o contato de oxigênio bem controlado com o vinho. E o oxigênio na medida certa pode beneficiar o vinho. Se for muito, pode matá-lo.
Quanto mais tempo o vinho fica na barrica, mais ele toma essas características para si. Quanto mais intensa for a tosta da madeira, mais intenso vai ser seu efeito. E quanto menor for o barril, maior será sua influência na bebida, pois haverá mais superfície de contato.
Mas, como sabemos, tudo demais é veneno. Os vinhos amadeirados passaram a ser a trend nos anos 1990 e 2000 e muita bebida que não se beneficiaria pelo uso das barricas passou a estagiar nelas. Vinhos que deveriam ser bem frescos, ter o corpo leve, acabaram virando Frankensteins musculosos.
Outros que tinham um terroir único e deveriam valorizá-lo, atropelaram essas características por 12, 24 ou mesmo 36 meses de uma temporada de envelhecimento em madeira. Isso explica porque hoje em dia há até aversão ao uso de barricas. Exageraram e pesou.
Mas, quando bem usadas, as barricas fazem maravilhas por um vinho. A coisa da complexidade não é exagero, um bom uso transforma a bebida. E a utilização desses recipientes podem acontecer durante a fermentação também. Brancos fermentados em madeira podem ficar mais encorpados e cremosos.
Algumas regiões se tornaram célebres pelo uso da barrica. De cara, penso na Rioja, que usa principalmente carvalho americano, que dá as notas de coco, menos popular em outros lugares.
As melhores barricas são geralmente feitas da Borgonha ou em Bordeaux e são bem caras. Por isso, vinho que estagia em barrica costuma ser mais caro que os que não têm uso de madeira em sua produção.
Nesses tempos de uso mais comedido, tem-se preferido as barricas “seminovas”, de segundo ou terceiro uso, que podem ajudar na micro-oxigenação da bebida sem conferir notas aromáticas demais.
Mas, no inverno, o que me atrai é o sabor e o cheiro de chocolate prestígio (ou seja, coco e cacau) ou de floresta negra (frutas vermelhas e chocolate) dos vinhos espanhóis.
Vai uma taça?
A nordeste de Rioja está Navarra, onde é feito o Baron de Magaña (R$ 199 na Via Vini), um corte de Cabernet Sauvignon, Merlot (sendo as duas clones do Petrus, diz o produtor), Syrah e Tempranillo, com 14,5% de álcool e 16 meses de barrica.
No mesmo estilo, está o delicioso Castillo de Eneriz Crianza 2020 (R$ 140 na Premium), com 18 meses, que traz notas à la floresta negra, chocolate e fruta vermelha, uma delícia. De Rioja, vem o Ramón Bilbao Crianza (R$ 118 na Viva Vinho), um veludão com 14 meses de estágio em carvalho americano. Agora, se o céu é o limite, Viña Tondonia é o que há de mais fino em termos de uso de barrica em Rioja. No Brasil, é importado pela Mistral.
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Fonte.:Folha de São Paulo