
- Author, Jo Lonsdale
- Role, BBC News
Durante décadas, gerações de crianças se divertiram correndo pelo parquinho de um parque na Inglaterra, sem saber que havia um arsenal de bombas da Segunda Guerra Mundial enterrado sob seus pés. Mas como esses artefatos foram parar lá, e por que ninguém sabia?
Steven Parkinson tinha acabado de começar a trabalhar em janeiro, instalando novos equipamentos no Scotts Park, na cidade de Wooler, no norte do país.
Enquanto cavava, seus olhos se depararam com algo no solo que parecia “um pouco suspeito”.
“Foi um choque, porque parecia mesmo uma bomba, mas não sabíamos se estava ativada ou algo do tipo”, ele recorda.

Crédito, Mark Mather
A empresa de Steven entrou em contato com a secretária do conselho local da cidade, Kerren Rodgers, mas a descoberta foi igualmente desconcertante para as autoridades.
“Lidar com uma suspeita de bomba em um parquinho infantil não é exatamente algo que esteja no manual do funcionário”, diz ela com um sorriso irônico, “mas isolamos o local imediatamente”.
Mark Mather, representante do conselho de Wooler, lembra:
“Fui até o local e definitivamente parecia uma bomba, mas obviamente naquele momento ninguém tinha ideia da extensão do que iríamos encontrar.”
Uma equipe de remoção de explosivos chegou ao local e confirmou que se tratava realmente de uma bomba da Segunda Guerra Mundial, mas, pensando que fosse uma descoberta isolada, o trabalho de reforma foi retomado no dia seguinte.
Até que outro dispositivo apareceu.

Como em qualquer obra de construção, não é incomum encontrar vestígios de vidas passadas e indiscrições, especialmente em parques urbanos.
Dallan Tan, da Associação das Indústrias de Brinquedos, diz que já encontrou “garrafas de uísque antigas, vigas de ferrovia, arame farpado, brinquedos sexuais e uma arma, mas nunca bombas” enquanto instalava equipamentos de recreação.
Hoje em dia, as empresas costumam verificar se houve “alguma atividade militar ou industrial no local”, diz ele.
Elas também fazem testes de escavação e varreduras para detecção de cabos, mas na década de 1980, quando o parque foi instalado, “os padrões de saúde e segurança eram muito diferentes”.
“Não acho que alguém tenha culpa, eles apenas tiveram muito, muito azar.”

Crédito, Dallan Tan
Em Wooler, foi tomada a decisão de chamar a Brimstone, uma das poucas empresas no Reino Unido especializada na remoção de munições de guerra.
Desde que foi fundada em 2016, sua equipe removeu mais de 200 mil itens de locais em todo o Reino Unido, então Adam Tanner, diretor adjunto da companhia, diz que aprendeu “a não se surpreender com nada neste trabalho”.
A Brimstone começou com uma “escavação manual delicada” ao redor do buraco inicial e, ao longo de dois dias, encontrou mais 90 bombas de treino, usadas para simulações e treinamentos de tripulações e pilotos de bombardeiros.
Elas não estavam ativas, mas continham uma carga.
“O que notamos é que elas estavam uniformemente dispostas e empilhadas em fileiras”, diz Adam. “Foi algo claramente feito com cuidado e deliberadamente.”

A Brimstone passou mais três semanas no parquinho, usando um detector portátil para inspecionar todo o local, e descobriu uma enorme quantidade de sucata metálica, além de um total de 177 bombas no final.
Uma teoria era de que as bombas haviam sido enterradas pela Home Guard, uma organização militar voluntária britânica criada para defesa contra uma possível invasão alemã.
Mas Alan Sture, da Sociedade de História Local de Glendale, acredita que pode ter sido obra de soldados na ativa.
“Esta era uma área de treinamento muito importante para os militares e bem defendida”, diz ele.
“Havia 2 mil militares lotados na base da Força Aérea Real (RAF, na sigla em inglês) de Milfield, ao norte de Wooler.”

Alan também tem certeza de que havia um depósito de munições no local durante a guerra, com remessas de munições e suprimentos chegando de trem por meio de um ramal da linha ferroviária de Alnwick a Cornhill.
O pequeno trecho da ferrovia e os prédios do depósito são visíveis em uma fotografia aérea de 1948, e são descritos em entrevistas de arquivo com Mattie Fairnington e Maurice Hardy, moradores locais, que eram adolescentes durante a guerra.

Crédito, Supplied
Nas gravações feitas em 1981 pela Sociedade de História Local de Glendale, os dois discutem suas memórias de “muitos soldados indo e vindo” e de um “depósito de munições” no Scotts Park.
“Você sabe, aquela parte que hoje é o parquinho”, diz Maurice Hardy. “Aquilo tudo era cercado.”
“Havia sempre muitas coisas pesadas chegando”, acrescenta Mattie Fairnington.
Outras evidências do uso militar do local vieram de pesquisadores da Brimstone, que identificaram estruturas metálicas pré-fabricadas da época da guerra, conhecidas como abrigos Nissen.

Crédito, William Hartnett
As armas foram armazenadas em grandes quantidades durante o conflito e depois tiveram que ser descartadas, sendo muitas delas simplesmente jogadas no mar.
David Alexander, professor de planejamento e gestão de emergências da University College London (UCL), afirma que havia “milhões de toneladas de munições indesejadas ao redor do mundo”, e que “(padrões de) saúde e segurança simplesmente não existiam” em 1945.
Em um período de exaustão pós-guerra, “teria sido simplesmente algo como ‘vamos nos livrar disso'”, explica Alexander.
“Quero dizer, as bombas estavam explodindo há seis anos.”

Colin Durward, que administra a Blyth Battery, um complexo de estruturas defensivas da época da guerra na costa de Northumberland, condado onde fica Wooler, diz que “não ficou surpreso” quando soube das bombas enterradas no parque infantil.
O museu possui muitas bombas de treino que foram desenterradas em todo o condado.
“Alguns dos soldados antigos costumavam nos contar histórias sobre o que enterraram no final da guerra”, diz ele.
“Coisas como um morteiro de 3 polegadas que ninguém queria e milhares, provavelmente milhões, de munições.”
“Havia simplesmente toneladas enterradas no solo.”

Crédito, Mark Mather
O parque infantil reabre nesta sexta-feira (15/08). Para Mark Mather, representante do conselho local, nascido e criado em Wooler, isso é um “grande alívio”.
“Este era meu parque de recreação local, eu era uma das crianças correndo em cima dessas bombas, a apenas 23 centímetros abaixo dos meus pés.”
“Tem sido uma montanha-russa emocional.”
“Acho que nunca saberemos ao certo quem as colocou lá, ou por quê, mas estou muito feliz que elas não estejam mais lá.”
Fonte.:BBC NEWS BRASIL