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- Author, Joel Gunter
- Role, Da BBC News em Kiev (Ucrânia)
Para os ucranianos, foi uma expressão confusa. Que terras seriam trocadas? A Ucrânia receberia parte da Rússia em troca do território que a Rússia tomou à força?
Em vez disso, ele estaria planejando pressionar Zelensky a entregar totalmente as regiões orientais ucranianas de Donetsk e Luhansk em troca de a Rússia congelar o restante da linha de frente – uma proposta apresentada por Putin no Alasca.
No domingo (17/8), Zelensky admitiu pela primeira vez que parte do território ucraniano ocupado pode ser usado como moeda de troca para um eventual acordo de paz.
“Precisamos de negociações reais, o que significa que podemos começar por onde está a linha de frente agora”, declarou o presidente ucraniano, após encontro com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em Bruxelas.
Luhansk já está quase totalmente sob controle russo. Mas estima-se que a Ucrânia tenha mantido cerca de 30% de Donetsk, incluindo várias cidades e fortificações-chave, ao custo de dezenas de milhares de vidas ucranianas.
Ambas as regiões – conhecidas conjuntamente como Donbas – são ricas em minerais e indústrias. Entregá-las agora à Rússia seria uma “tragédia”, diz o historiador ucraniano Yaroslav Hrytsak.

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“Este é território ucraniano”, afirmaHrytsak. “E o povo dessas regiões – especialmente os mineiros – teve um papel enorme no fortalecimento da identidade ucraniana.”
A região também produziu “políticos famosos, poetas e dissidentes”, acrescentou. “E agora refugiados que não poderão retornar para casa se ela se tornar russa.”
Pelo menos 1,5 milhão de ucranianos fugiram do Donbas desde que a agressão russa começou em 2014. Estima-se que mais de 3 milhões vivam sob ocupação russa. Outros 300 mil estariam vivendo nas áreas ainda controladas pela Ucrânia.
Nas regiões mais próximas à linha de frente, a vida já é uma luta perigosa. Andriy Borylo, um capelão militar de 55 anos na duramente atingida cidade de Sloviansk, diz por telefone que bombas caíram ao lado de sua casa no fim de semana.
“É uma situação muito difícil aqui”, afirma. “Há um sentimento de resignação e abandono. Não sei se temos forças para aguentar. Alguém tem que nos proteger. Mas quem?”
Borylo disse que estava acompanhando as notícias do Alasca. “Eu culpo Trump por isso, não Zelensky. Mas eles estão tirando tudo de mim, e isso é uma traição.”
Até este domingo, Zelensky afirmava repetidamente que a Ucrânia não entregaria o Donbas em troca de paz.
E a confiança de que a Rússia cumpriria um acordo de paz em troca do território – em vez de simplesmente usar a área anexada para futuros ataques – é baixa.
Por esse e outros motivos, cerca de 75% dos ucranianos rejeitam qualquer cessão formal de terras à Rússia, segundo pesquisas do Instituto Internacional de Sociologia de Kiev.

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A Ucrânia, porém, também está profundamente exausta da guerra. Centenas de milhares de soldados e civis foram mortos e feridos desde o início da invasão em grande escala. O povo anseia pelo fim do sofrimento, especialmente no Donbas.
“Você pergunta sobre a rendição da região de Donetsk, bem, eu meço esta guerra não em quilômetros, mas em vidas humanas”, diz Yevhen Tkachov, 56, trabalhador de resgate emergencial em Kramatorsk.
“Não estou disposto a trocar dezenas de milhares de vidas por alguns milhares de quilômetros quadrados”, afirma. “A vida é mais importante do que o território.”
Para alguns, no fim, tudo se resume a isso: terra versus vida. Isso deixa o presidente Zelensky “em uma encruzilhada sem boas opções à frente”, diz Volodymyr Ariev, deputado ucraniano do partido oposicionista Solidariedade Europeia.
“Não temos forças suficientes para continuar a guerra indefinidamente”, diz Ariev. “Mas se Zelensky ceder essa terra, não seria apenas uma violação da constituição, poderia ter as marcas da traição.”
E, ainda assim, não está claro na Ucrânia por qual mecanismo um acordo desses poderia sequer ser alcançado. Qualquer entrega formal do território nacional exige aprovação do parlamento e um referendo popular.
Mais provável seria uma rendição de fato do controle, sem reconhecimento oficial da área como russa. Mas mesmo nesse caso, o processo não é bem compreendido, diz a deputada ucraniana Inna Sovsun.
“Não há entendimento real de como deveria ser o procedimento”, afirma ela.
“O presidente simplesmente assina o acordo? Precisa ser o governo? O parlamento? Não existe um procedimento legal porque, sabe como é, os autores da constituição não pensaram nisso.”
Trump pareceu reverter sua posição sobre garantias de segurança após a cúpula, sugerindo que estaria disposto a se juntar à Europa para oferecer proteção militar à Ucrânia contra futuros ataques russos.

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Para os ucranianos, pesquisas mostram que garantias de segurança são absolutamente vitais em qualquer possível acordo sobre território ou qualquer outro tema.
“As pessoas na Ucrânia aceitarão várias formas de garantias de segurança”, diz Anton Grushchetsky, diretor do Instituto Internacional de Sociologia de Kiev, “mas elas exigem isso.”
Para Yevhen Tkachov, o trabalhador de resgate em Kramatorsk, a troca de território só pode ser considerada com “garantias reais, não apenas promessas escritas”.
“Somente então, mais ou menos, eu sou a favor de entregar o Donbas à Rússia”, diz. “Se a Marinha Real Britânica estiver estacionada no porto de Odessa, então eu concordo.”
Enquanto vários caminhos para a paz são sugeridos e discutidos, às vezes no estilo de negociação preferido por Trump, há o risco de se perder de vista as pessoas reais envolvidas – pessoas que já viveram uma década de guerra e que agora podem perder ainda mais em troca da paz.
O Donbas era um lugar cheio de ucranianos de todas as origens, diz o historiador Vitalii Dribnytsia. “Não estamos falando apenas de cultura, de política, de demografia, estamos falando de pessoas”, afirma.
Donetsk pode não ter a reputação cultural de um lugar como Odessa, diz Dribnytsia. Mas ainda assim é parte da Ucrânia. “Qualquer canto da Ucrânia, independentemente de ter ou não grande significado cultural, é Ucrânia”, declara.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL