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- Author, Marta Calderón García
- Role, The Conversation*
Alguma vez, você já começou a rir com alguém que acabou de conhecer?
Talvez por alguma piada boba ou até simplesmente por ouvir o som daquela pessoa rindo.
Não importa se é a primeira vez que a vemos ou se não temos interesses em comum. Neste momento, estamos conectados por uma reação simples e poderosa: o riso.
Diversos estudos confirmam que o riso é um reflexo biológico. Eles demonstram que os bebês já sorriem desde o primeiro mês de vida e começam a rir com cerca de três meses, antes mesmo de compreenderem as dinâmicas sociais que os rodeiam.
Da mesma forma, as pessoas surdocegas, que nunca viram nem ouviram uma risada, também riem de forma espontânea, o que confirma o caráter inato deste comportamento.
E, surpreendentemente, o riso não é uma característica da nossa espécie.
Pesquisas recentes concluíram que pelo menos 65 espécies de animais — como vacas, papagaios, cachorros, golfinhos e aves pegas-rabudas — emitem sons similares quando brincam ou até quando alguém faz cócegas, como ocorre com os símios e ratos.

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Esta descoberta sugere que o riso não é algo exclusivamente humano e que tem raízes evolutivas muito antigas, compartilhadas com outros animais.
De fato, as gargalhadas dos símios quando brincam podem ser a origem evolutiva do nosso riso.
Diferentemente da fala, que exige uma linguagem mais complexa, o riso é instintivo e contagioso, o que reforça a sensação de pertencimento ao grupo.
Os cientistas acreditam que esta função social provavelmente surgiu com o Homo ergaster, cerca de 2 milhões de anos atrás. Ela gerava coesão grupal, sem necessidade da linguagem.
Os três fatores fundamentais do humor
Mas por que certos estímulos são engraçados?
A gelotologia — a ciência que estuda o riso — vem procurando uma resposta a esta pergunta há anos. Já são mais de 20 teorias tentando explicar este ponto, sem chegar a um consenso.
Mas a maioria dos modelos atuais concorda que existem três fatores fundamentais: a percepção de uma violação de expectativas (incongruência), a avaliação dessa violação como inofensiva e a simultaneidade dos dois processos.
Ou seja, o riso surge quando algo desafia nossas expectativas de forma repentina, mas inofensiva, e quando processamos o ocorrido de forma imediata.
E, ao comprovar que não há riscos (“é só uma queda boba”), libera a tensão com uma gargalhada de alívio, já que não existe uma ameaça real.
Este mecanismo explica por que uma brincadeira mal sucedida não tem graça (falta surpresa) ou por que um acidente de verdade não é engraçado (não é inofensivo). Mas nem todos os estímulos humorísticos são universais.
As diferenças culturais, pessoais e contextuais afetam profundamente o que consideramos engraçado. Uma mesma brincadeira pode ser engraçada em uma cultura, ofensiva em outra e totalmente irrelevante em uma terceira.

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Processos do riso no cérebro
Mas o que acontece no nosso cérebro quando percebemos algo engraçado, até rirmos?
Diversos estudos demonstraram que o processamento do humor envolve várias regiões do cérebro. A incongruência, por exemplo, é detectada no córtex pré-frontal dorsolateral, enquanto a união têmporo-occipital avalia seu caráter inofensivo.
Confirmada a ausência de risco, surgem mudanças da substância cinzenta periaquedutal e o circuito de recompensa é ativado, liberando o neurotransmissor dopamina, que desencadeia o riso.
Curiosamente, nem todos os risos são iguais. O riso emocional, relacionado a um estado de prazer verdadeiro, é inato e espontâneo. Ele ativa principalmente estruturas cerebrais associadas à recompensa emocional, como o núcleo accumbens e as amígdalas.
Por outro lado, o riso voluntário é aprendido e funciona como ferramenta social para imitar ou reforçar vínculos emocionais. Ele depende das regiões do cérebro responsáveis pelos movimentos conscientes.
Por isso, cada tipo de riso reflete diferentes mecanismos neuronais: o automático e o social.

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Também já se observou que os jovens tendem a demonstrar maior ativação nas regiões do cérebro relacionadas ao prazer emocional. Isso reflete uma experiência mais intensa e primária do humor.
Já nos adultos, as áreas mais ativadas são as relacionadas ao processamento complexo, à reflexão associativa e à memória autobiográfica.
Isso explicaria por que, devido à experiência acumulada, os adultos contextualizam o humor por meio da memória e preferem estilos mais complexos, como o sarcasmo. Os jovens, por sua vez, têm menos experiências de vida e buscam estímulos imediatos, como o humor físico ou absurdo.
Gargalhadas terapêuticas
Além da sua dimensão emocional e social, o riso também traz potentes efeitos terapêuticos.
O nosso riso ativa o sistema opioide endógeno (relacionado às sensações de calma e prazer), promovendo a liberação de neurotransmissores como a dopamina e a serotonina. Estas substâncias são fundamentais para o bem-estar psicológico e a redução do estresse.
Diversos estudos avaliam a eficácia do riso para melhorar a qualidade de vida, especialmente entre os idosos. Nesta fase, a frequência do riso é associada ao menor risco de incapacidade funcional.
A chamada risoterapia ajuda a reduzir os níveis de cortisol (o hormônio do estresse), além de aliviar a depressão e a ansiedade, melhorar a qualidade do sono e até aumentar a tolerância às dores.
Os efeitos positivos do riso também se estendem ao ambiente hospitalar. Em crianças e adolescentes submetidos a procedimentos médicos, demonstrou-se que a presença de palhaços reduz significativamente a ansiedade, as dores e o estresse.

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Definitivamente, o riso não é apenas um passatempo agradável, nem um luxo ocasional. É um pilar fundamental da nossa saúde e bem-estar social.
Aprender a rir mais, buscando motivos de alegria na vida diária, pode ser tão crucial para nossa vida quanto cuidar da alimentação ou fazer exercícios físicos.
O riso pode transformar nossa biologia, nossa mente e nossas relações sociais.
Talvez o humorista dinamarquês-americano Victor Borge (1909-2000) tivesse razão quando dizia que o riso é a distância mais curta entre duas pessoas.
* Marta Calderón García é pesquisadora sobre cognição, comportamento e neurocriminologia da Universidade Miguel Hernández, na Espanha.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL