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- Author, Sumedha Pal
- Role, BBC Hindi
Uma decisão judicial que proibiu alimentar pombos em espaços públicos de Mumbai, no oeste da Índia, tornou-se foco de disputa entre autoridades municipais, defensores da saúde pública e amantes de aves.
Neste mês, centenas de pessoas entraram em confronto duas vezes com a polícia durante protestos contra o fechamento de um ponto tradicional de alimentação de pombos, conhecido como kabutarkhana (do híndi kabutar, pombo). O lugar existia havia décadas.
Alguns manifestantes arrancaram as lonas que cobriam a área e ameaçaram iniciar uma greve de fome por tempo indeterminado. Em outra manifestação, a polícia deteve cerca de 15 pessoas, segundo a imprensa local.
As autoridades justificaram a proibição com os riscos à saúde ligados às fezes dos pombos.
O problema não é exclusivo de Mumbai. Em Veneza, alimentar pombos em praças históricas é proibido. Cingapura aplica multas altas, enquanto Nova York e Londres criaram áreas reguladas para a prática.
Algumas cidades brasileiras também adotam proibições do tipo, a exemplo de São Paulo.
Uma lei municipal sancionada em 2018 proíbe alimentar ou manter abrigo para pombos urbanos. A norma também veta a venda de alimentos destinados às aves em vias públicas.
Na Índia, cidades como Pune e Thane, também no Estado de Maharashtra — cuja capital é Mumbai —, já adotaram penalidades para quem alimenta pombos. Déli discute a publicação de uma recomendação contra a oferta de comida a aves em espaços públicos.
A repressão tem provocado reação de defensores dos animais e de grupos religiosos, já que os pombos ocupam lugar histórico na cultura indiana.
O cinema frequentemente recorre a imagens de pombos sendo alimentados para evocar cidades como Mumbai e Déli, onde as aves são presença comum em sacadas e aparelhos de ar-condicionado.

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Alguns kabutarkhanas de Mumbai são considerados estruturas históricas icônicas e teriam se originado como espaços de caridade, onde comunidades podiam doar grãos.
Há também fatores religiosos. Em Mumbai, a comunidade jainista, que considera alimentar pombos um dever piedoso, tem participado ativamente dos protestos.
Em outras regiões do país, muitas pessoas mantêm vínculo com os pombos, vistos como símbolos de paz e lealdade.
Em Déli, Syed Ismat afirma alimentá-los há 40 anos e diz que os considera parte da família.
“Eles são inocentes. Talvez as criaturas mais inocentes de todas. Tudo o que pedem é um pouco de bondade”, disse Ismat.
Esses sentimentos, no entanto, contrastam com estudos que apontam riscos pulmonares e respiratórios decorrentes da exposição prolongada às fezes de pombos.
O crescimento da população dessas aves na Índia nos últimos anos ampliou o problema e motivou restrições.
Segundo o especialista em biodiversidade Faiyaz Khudsar, de Déli, a oferta abundante de alimento levou à superpopulação de pombos em diversos países.
Na Índia, afirmou, a situação é agravada pelo declínio de espécies como a goraiya, conhecida como pardal-doméstico, cada vez mais deslocada pelos pombos.
“Com alimento abundante e ausência de predadores, os pombos estão se reproduzindo mais rápido do que nunca. Estão superando outras aves urbanas e provocando perda ecológica”, disse Khudsar.

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O relatório State of India’s Birds 2023 (Situação das Aves da Índia em 2023, em tradução livre) aponta que a população de pombos no país cresceu mais de 150% desde o ano 2000, o maior aumento entre todas as espécies de aves. Esse crescimento tem coberto casas e espaços públicos com fezes, já que cada animal pode produzir até 15 kg por ano.
Estudos indicam que esses dejetos contêm pelo menos sete tipos de patógenos zoonóticos capazes de causar doenças como pneumonia, infecções fúngicas e até danos pulmonares em humanos.
Em Déli, Nirmal Kohli, 75, passou a ter tosse persistente e dificuldade para respirar há alguns anos.
“Um exame de tomografia mostrou que parte do pulmão dela havia encolhido”, contou o filho, Amit Kohli. “Os médicos disseram que a causa foi a exposição às fezes de pombos.”
No ano passado, um garoto de 11 anos morreu em Déli de pneumonia por hipersensibilidade. Segundo os médicos, a causa foi a exposição prolongada a fezes e penas de pombos.
O pneumologista RS Pal disse à BBC que esses casos são comuns.
“Mesmo que a pessoa não alimente os pombos, as fezes nas janelas e sacadas podem causar pneumonia de hipersensibilidade”, afirmou.
“Também observamos infecções bacterianas, virais e fúngicas em quem lida regularmente com as aves.”
Essas preocupações levaram as autoridades municipais de Mumbai, no ano passado, a impor a proibição de alimentar pombos e a iniciar uma operação para demolir pontos de alimentação.

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As demolições estão suspensas, mas a Corte Superior de Mumbai rejeitou um recurso contra a proibição de alimentar pombos, ao afirmar que a saúde pública é “prioritária” e determinar ação rigorosa contra a prática irregular.
O prefeito de Déli, Raja Iqbal Singh, disse à BBC que o amor pelos pássaros não pode custar o bem-estar da população.
“Os locais de alimentação muitas vezes ficam sujos, gerando mau cheiro, infecções e pragas. Estamos trabalhando para minimizar a prática”, afirmou.
Muitos defensores dos animais, porém, discordam. Mohammad Younus, que fornece grãos a um ponto de alimentação em Déli, argumenta que todos os animais podem transmitir doenças se não houver higiene.
“Estou cercado de pombos há 15 anos. Se algo tivesse que acontecer, já teria acontecido comigo também”, disse.
Em Mumbai, um monge jainista afirmou à BBC Marathi que milhares de pombos morreriam de fome com a proibição. Megha Uniyal, ativista dos direitos dos animais, observou que não há clareza sobre como a proibição seria implementada.
“Quando se fala em regular a alimentação de pombos, é apenas uma palavra repetida pelas autoridades, mas ninguém entende realmente o que isso significa”, afirmou Uniyal.
Em meio a essas disputas conflitantes, há esforços para buscar um meio-termo.
Ujjwal Agrain, da Peta Índia (People for the Ethical Treatment of Animals), sugere permitir a alimentação dos pombos apenas em horários específicos, como pela manhã e à noite.
“Isso daria tempo suficiente para as autoridades limparem o local e manterem a higiene. Dessa forma, respeitamos a saúde pública e os vínculos emocionais”, explicou.
A Corte Superior de Mumbai criou um comitê de especialistas para propor alternativas, e autoridades municipais afirmam que a alimentação controlada e em horários escalonados poderá ser permitida com base nessas recomendações.
“Talvez seja hora de imaginar de outra forma como compartilhamos nossas cidades, não apenas com os pombos, mas com todas as formas de vida”, concluiu.
*Reportagem adicional de Sharanya Dayal em Déli
Fonte.:BBC NEWS BRASIL