O Departamento de Energia dos Estados Unidos emitiu recente relatório sobre a emissão de gases de efeito estufa e as mudanças climáticas (com o título A Critical Review of Impacts of Greenhouse Gas Emissions on the U.S. Climate). Inicialmente, nem abri o documento porque, sendo uma manifestação oficial do governo de Donald Trump, achei que só teria compromisso com o destino de 5% da população mundial que habita os EUA. Mas reconsiderei porque não quero me encaixar no perfil polarizado do tipo “não li e não gostei”.
O relatório concorda com o IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima) no sentido de que a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera está aquecendo o planeta. Mas discorda do prognóstico sobre o ritmo do aquecimento porque, segundo afirma, as previsões dos modelos climáticos globais do IPCC feitas com dados históricos enxergam um mundo mais quente do que foi efetivamente observado.
Pode haver alguma razão nessa alegação porque os modelos mais recentes do IPCC (CMIP6) foram ajustados para tornar as previsões mais verossímeis, acrescentando-se observações de temperatura, precipitação e circulação atmosférica. Consideram as retroalimentações climáticas, tanto o aumento da retenção do vapor d’água na atmosfera, que intensifica o efeito estufa, quanto na direção oposta, o aumento da nebulosidade, que intensifica a reflexão da radiação solar. Porém, esse tema—a dinâmica das nuvens— permanece sendo um dos aspectos mais complexos e incertos da modelagem climática.
O relatório trata de diversos temas, ao longo de 12 capítulos. Destaco apenas um deles: o alegado “efeito benéfico” da abundância de CO2 sobre o crescimento das plantas. O relatório e o IPCC concordam que o aumento da concentração de CO2 na atmosfera estimula a fotossíntese e consequentemente aumenta a produção de biomassa vegetal, sendo todo o resto constante. Concordam também que fartura de CO2 faz com que os estômatos das plantas permaneçam fechados por mais tempo, diminuindo a perda de água por transpiração. Porém, discordam quanto as consequências, sendo todo o resto variável.
O relatório diagnostica aumento de produtividade agrícola graças à predominância do efeito positivo — causado pelo aumento da fotossíntese— sobre o efeito negativo —causado pelo aumento da temperatura. Aponta também que a abundância de CO2 melhora a eficiência hídrica das plantas, reduzindo a necessidade de irrigação. Já o IPCC, embora reconheça que a abundância de CO2 possa ter efeito fertilizante e diminuir o uso da água em culturas como trigo e soja, enfatiza que esses benefícios são limitados por fatores como temperatura elevada, escassez de nutrientes e eventos extremos, como secas e ondas de calor (AR6 WGII – Climate Change 2022: Impacts, Adaptation and Vulnerability).
A diferença de visão entre o relatório e o IPCC ultrapassa a fronteira da ciência. É mais um confronto entre os que atacam e os que defendem as políticas de mitigação de emissão de gases de efeito estufa, em escala global. Na falta de consenso, e a despeito do que gostaríamos que acontecesse, o Brasil tem que decidir pragmaticamente onde vai concentrar esforços, na mitigação ou na adaptação às mudanças climáticas. Eu penso que deveria ser na adaptação.
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Fonte.:Folha de S.Paulo