
- Author, Jake Horton
- Role, BBC Verify em Washington DC (EUA)
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, circulava com sua comitiva pela capital americana, Washington DC, no domingo (10/8). Ele estava a caminho do seu clube de golfe, quando viu algo que claramente o irritou: um acampamento de pessoas sem-teto sobre um gramado.
“Os sem-teto precisam sair daqui IMEDIATAMENTE”, publicou Trump na sua rede Truth Social naquela manhã, com quatro fotos.
Uma dessas imagens mostrava um homem sentado em uma cadeira de camping ao lado da sua tenda. Fiquei sabendo posteriormente que seu nome era Bill Theodie.
“Este sou eu”, disse ele, quando mostrei a foto publicada por Trump. Ele ainda não tinha visto a postagem.
“É uma maluquice”, prosseguiu Theodie. “Ele simplesmente se inclinou pela janela do carro, tirou uma foto minha e publicou nas redes sociais de forma negativa, usando como ferramenta política.”
Na segunda-feira (11/8), Trump anunciou que seu governo iria “retirar os acampamentos de sem-teto de todos os nossos parques, nossos belos, belos parques”.
“Temos favelas aqui, estamos nos livrando delas“, disse ele, no palanque da sala de imprensa da Casa Branca.
Após o anúncio, a BBC Verify decidiu investigar as fotos postadas pelo presidente.
Nós encontramos indicações visuais contidas nas fotos das tendas em um local no Google Street View, incluindo uma curva da rua ao longo da área gramada onde elas foram tiradas.

O acampamento ficava a cerca de 10 minutos de carro da Casa Branca e ainda mais perto da redação da BBC em Washington. Por isso, fui até lá para ver o que havia acontecido com o local que chamou a atenção do presidente americano.
Quando cheguei, autoridades locais estavam avisando as pessoas que elas poderiam em breve ser forçadas a sair dali.
Também encontrei Theodie, sentado na mesma cadeira de camping. Ele é do Estado de Missouri, tem 66 anos de idade e já havia observado a passagem da comitiva de Trump.
“A comitiva do presidente é bastante longa”, disse ele. “Eu já a vi passando por aqui três vezes.”
“Sabe, entendo que ele não queira ver bagunça e é por isso que nos esforçamos muito para manter a limpeza. Não estamos tentando desrespeitar o presidente, nem nenhuma outra pessoa que passe por aqui.”
Ele me disse que trabalha na construção civil e morava no local há anos. Theodie não consegue emprego em tempo integral desde 2018. Normalmente, ele conseguia pegar alguns turnos por mês.
Na quinta-feira (14/8), veio a ordem para que Theodie e as demais pessoas do local pegassem suas coisas e saíssem imediatamente.
Um repórter local filmou quando uma escavadeira foi enviada para desmontar as tendas e outros pertences que as pessoas deixaram para trás.

“Eles disseram ‘vocês precisam pegar suas coisas ou eles irão destruí-las’. Eles não vieram conversar, só disseram ‘saiam, saiam, saiam'”, contou Theodie.
O vice-diretor do Departamento de Saúde e Serviços Humanos do Distrito de Columbia, Wayne Turnage, declarou que as autoridades municipais já removeram acampamentos na capital americana anteriormente.
Quando isso acontece, as pessoas normalmente são avisadas com pelo menos uma semana de antecedência, segundo ele, mas este processo foi acelerado após o anúncio de Donald Trump.
As falhas do sistema
O acampamento destruído era o maior da cidade, segundo as autoridades locais. Eram 11 pessoas vivendo ao lado de uma das principais saídas de Washington DC.
Até este incidente, havia 97 pessoas morando em acampamentos de pessoas sem-teto na cidade este ano — uma queda sensível, em relação aos 294 contabilizados em 2023.
O número estimado de pessoas em situação de rua na capital americana em 2025 é de 5.138, menos que os 5.613 verificados no ano passado, segundo o relatório anual da cidade.
Os dados mais recentes da organização Parceria Comunitária, que trabalha para reduzir as pessoas em situação de rua, mostram que existem cerca de 800 pessoas desabrigadas e cerca de 4,3 mil com algum tipo de moradia temporária em Washington.
A Casa Branca afirmou que irá oferecer abrigos para as pessoas que dormem nas ruas e fornecer acesso a serviços de saúde mental ou de tratamento de dependentes. Mas as pessoas que se recusarem enfrentarão multas ou prisão.
“Você não pode simplesmente pegar as pessoas e ameaçá-las com prisão, nem forçá-las a ir para um abrigo”, declarou Theodie. “Eu não quero ir para um abrigo — são lugares ruins.”
As organizações que trabalham com pessoas sem-teto afirmam que o sistema tem falhas e que a capacidade dos abrigos, muitas vezes, é limitada.

Crédito, Bill Theodie
Theodie passou três noites em um hotel no Estado da Virgínia, depois que uma pessoa que viu a remoção deu dinheiro a ele para cobrir a hospedagem.
“Se eu não tivesse sido agraciado por aquela pessoa, não sei o que teria feito”, ele conta. “Provavelmente, teria ficado sentado no meio-fio o dia todo.”
“Este quarto está cheio de coisas, minha tenda e meus pertences… mas é muito bom dormir em uma cama, tomar banho e usar um banheiro privativo, parece simplesmente incrível.”
Theodie conta que irá tentar encontrar um novo local quando sair do hotel.
“Minha melhor opção é tentar encontrar um lugar seguro para montar minha tenda. Não sei onde será, mas eu gostaria de ficar em [Washington] DC.”

No acampamento, também conheci George Morgan. Ele é de Washington DC e tem 65 anos de idade.
Morgan disse que morava ali há apenas dois meses, desde que precisou se mudar de um apartamento que ele não conseguia mais pagar.
Quando liguei para saber o que havia acontecido com ele depois da remoção do acampamento, ele estava na recepção de um hotel com seu cão, Blue. Uma pessoa também pagou por uma noite para ele.
“Estamos sentados aqui para ver se conseguimos mais uma noite”, contou ele. “Precisei pagar uma tarifa de US$ 15 [cerca de R$ 81] pelo cachorro. Era o último dinheiro que eu tinha.”
“Quando falei com Morgan pela última vez, ele havia conseguido estender sua estadia no hotel pelo fim de semana, mas disse que não sabia o que iria trazer a semana seguinte.
“Preciso agir de improviso, pois não tenho dinheiro. Deus sempre aparece e vamos ver o que Ele me reserva em seguida.”
Fonte.:BBC NEWS BRASIL