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21 de agosto de 2025

Chefs franceses relembram legado na gastronomia brasileira – 20/08/2025 – Comida

Chefs franceses relembram legado na gastronomia brasileira – 20/08/2025 – Comida

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No dia 18 de agosto começou oficialmente a Temporada França-Brasil 2025. Acordado entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Emmanuel Macron, o evento vai durar cinco meses e celebra dois séculos de diplomacia entre os dois países.

Não é de hoje que Brasil e França combinam celebrações de intercâmbio cultural —outras edições aconteceram em 2005 e 2009, lá e aqui. Dentro da cozinha, porém, a relação entre os dois países nunca dependeu de efemérides.

Começou há muito tempo, durante o Império, na época em que cozinheiros das famílias nobres vinham da França. O tempo passou, mas a gastronomia francesa manteve o status por meio de restaurantes que consolidaram pratos clássicos —entre eles, os paulistanos Freddy, fundado em 1935, e La Casserole, de 1954, ambos ainda em funcionamento.

Nos anos 1980, porém, uma nova leva de franceses chegaria ao Rio de Janeiro para sacudir as cozinhas de forma inédita até então. Entre eles estavam Claude Troisgros e Laurent Suaudeau. Contratados para trabalhar em dois dos mais sofisticados hotéis cariocas de então, o Rio Palace e o Le Méridien, eles chocaram a alta sociedade carioca ao combinar técnicas francesas e ingredientes brasileiros desvalorizados naquele tempo.

“A importação era proibida, a gente tinha dificuldade até para conseguir enlatados e congelados. A qualidade não era das melhores, por isso foi um pulo botar maracujá, goiaba, maxixe, quiabo e jabuticaba dentro das técnicas francesas”, conta Troisgros.

Suaudeau afirma que a prática sempre foi tradicional entre franceses —no século 19, os ingredientes brasileiros já tinham espaço nos menus da nobreza. A fusão ficou registrada nos cardápios que d. Pedro 2º colecionou e integram o livro “Os Banquetes do Imperador”, de Francisco Lellis e André Boccato (ed. Senac-SP). “Além de frutas tropicais, se usava muito a ave jacu, cuja caça agora é proibida. Imagine só, hoje daria cadeia”, comenta o chef.

Não se sabe como os convidados do imperador reagiam aos sabores exóticos do Brasil, mas Suadeau lembra muito bem dos narizes torcidos. “Em 1982, usei tucupi pela primeira vez, em uma receita de pato, e o cliente me chamou no salão para reclamar da ‘cozinha indígena’”, conta.

A teimosia da dupla ajudou a atrair outros chefs franceses ao país. Emmanuel Bassoleil chegou em 1987, Erick Jacquin em 1994. Com seus sotaques fartos de erres e técnicas rigorosas, cada um deles abriu uma nova janela para o rico universo gastronômico de seu país natal.

“Fomos nós que apresentamos ao brasileiro o que é um menu-confiança, com pratos que mudam conforme os melhores ingredientes do dia. Hoje, não há um chef de destaque que não tenha sua degustação”, relembra Bassoleil, que comanda o Skye.

Foi também pelas mãos de um francês, Alain Poletto, que os cozinheiros brasileiros descobriram o sous-vide. A técnica de cozimento em baixa temperatura como a conhecemos, dentro de sacos plásticos embalados a vácuo, foi desenvolvida por ele nos anos 1980, quando era professor universitário na França.

Sua tese de mestrado virou o livro “La Cuisson Sous Vide”, que rendeu um convite para aplicar a técnica na rotisseria Paola di Verona, em São Paulo. Após três anos de idas e vindas como consultor, Poletto mudou-se para cá de vez e comanda o Bistrot de Paris.

Para o confeiteiro Fabrice Lenud, radicado no Brasil desde 1989, também foram os franceses que ajudaram o brasileiro se habituar a doces menos doces. “Quando comecei a tr abalhar no hotel Intercontinental, no Rio de Janeiro, as sobremesas do bufê de feijoada eram puro açúcar. Por sorte, nós franceses chegamos na época do light e do diet”, diz.

As boulangeries já fazem parte das grandes cidades brasileiras, como Rio e São Paulo, mas o cenário era outro quando Olivier Anquier abriu sua primeira padaria paulistana, em 1993. O público estranhou seus pães no primeiro momento.

“Diziam que estavam queimados e tinham a casca muito dura, porque o brasileiro tem o hábito do pãozinho francês, de casca mais macia, e ainda pede os clarinhos”, compara. “Os franceses transformaram a imagem do padeiro, a panificação se glamurizou”, afirma ele.

Benoit Mathurin desembarcou em São Paulo bem depois, em 2014, mas lembra que a cozinha francesa do imaginário paulistano continuava presa aos clássicos de bistrô.

“Quando abri o Esther Rooftop, sofri críticas violentas porque não servia coq au vin”, conta. Hoje, ele acredita que as duas culturas gastronômicas estão amalgamadas —tanto que, na adega de seu restaurante, só entram vinhos brasileiros.

“O Brasil é um país de imigrantes, é natural que várias influências se misturem na gastronomia. Minha cozinha tem base francesa com traços mineiros, portugueses e caiçaras”, conta o chef francês, em uma fase mais brasileira do que nunca.



Fonte.:Folha de São Paulo

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