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- Author, Fabiana Seragusa
- Role, De Milão (Itália) para a BBC News Brasil
O espetáculo Fica Comigo Esta Noite, estrelado por Marisa Orth e Miguel Falabella, está em cartaz desde o final de julho em São Paulo, mas sua estreia oficial aconteceu bem longe dali, em Portugal, em outubro do ano passado.
A comédia foi encenada primeiro em Lisboa e em outras seis cidades do país europeu antes de chegar os palcos brasileiros, dando corpo a uma movimentação artística que vem crescendo no meio teatral.
“A ideia surgiu de forma muito natural. Portugal tem sido um lugar muito especial para o teatro brasileiro”, diz Falabella à BBC News Brasil, ressaltando a sua relação antiga com o país e que sempre foi muito bem acolhido.
“A peça foi um grande sucesso lá, e esperamos que o público brasileiro nos receba com o mesmo carinho.”
Sobre o aumento do número de peças brasileiras que estreiam em Portugal, que também tem como exemplos os recentes espetáculos de Claudia Raia e Jarbas Homem de Mello e de Gregorio Duvivier, Falabella avalia que o intercâmbio tem tudo para se tornar ainda mais frequente.
“Essa troca vai se intensificar, sim. Portugal tem oferecido uma estrutura maravilhosa, com público interessado, teatros lindos e uma imprensa que acolhe com generosidade”, detalha Falabella.
“E, claro, é uma chance de colocar o Brasil para circular. Nosso teatro é muito potente, e precisa atravessar fronteiras. Penso em repetir a experiência sempre que puder.”

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Falabella conta que não foi preciso fazer grandes adaptações na peça, que tem texto de Flavio de Souza e direção de Bruno Guida, mesmo lidando com uma cultura que tem seus próprios ritmos e referências.
“O público português é muito esperto e gosta muito de teatro. Foi uma preparação intensa, mas feita com muito amor por todos os envolvidos.”
Sobre a diferença em relação à reação da plateia, o artista destaca as nuances observadas nos momentos divertidos e reflexivos do espetáculo.
“Apesar de o público brasileiro ter a fama de ser mais expansivo, o público português, quando falamos de comédia, também costuma ser bastante caloroso. Agora, quando falamos da parte mais emocionante da peça, que toca em temas mais profundos, talvez os portugueses sejam mais contidos.”
Depois de São Paulo, Fica Comigo Esta Noite segue para o Rio de Janeiro em outubro, onde fica em cartaz até o fim de novembro.
O que atrai as peças brasileiras para Portugal
Os produtores com quem a BBC News Brasil conversou apontam vários motivos para o número crescente de espetáculos brasileiros que debutam em Portugal
Uma das razões é uma aproximação cada vez maior entre os produtores portugueses e os artistas brasileiros, que chegam a passar meses juntos durante as turnês pelo país europeu.
Isso abre espaço para mais conversas profissionais e possibilidades de parcerias.
Além disso, as temporadas em Portugal costumam atrair um bom público e chamar atenção da crítica, o que aumenta o interesse para outros trabalhos.
Os artistas brasileiros apontam ainda que Portugal é uma alternativa para contornar a indisponibilidade de datas em grandes teatros de São Paulo ou do Rio de Janeiro.
A temporada europeia de Fica Comigo Essa Noite foi viabilizada pela produtora portuguesa Plano 6, comandada por Ana Rangel.
Ela explica que a ideia de estrear o espetáculo em Lisboa surgiu de forma espontânea, e que as conversas começaram quando Falabella ainda estava em cartaz por lá com outra peça, A Mentira, há cerca de dois anos.
“As afinidades artísticas vão se cruzando enquanto estamos a trabalhar, então íamos falando sobre textos, sobre projetos, até que surgiu a ideia de Fica Comigo Esta Noite, que achávamos que podia funcionar”, explica Rangel.
“Isso é fruto de muitos anos de trabalho com o Brasil, muitos anos fazendo esta ponte cultural.”
Rangel já havia produzido uma outra peça brasileira nestes mesmos moldes, Os Guardas do Taj, com Reynaldo Gianecchini e Ricardo Tozzi, que estreou em Braga em 2017.
Além disso, a produtora diz que estão previstas as estreias de mais duas peças brasileiras em Portugal no ano que vem, provavelmente no segundo semestre.
Claudia Raia explora tabu da menopausa

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Claudia Raia e Jarbas Homem de Mello também estrearam Menopausa em Lisboa, em janeiro.
“Foi a primeira vez que estreamos uma peça em Portugal, antes do Brasil. E essa decisão se deu porque entendemos que Portugal está alguns passos atrás da gente nesta discussão sobre a menopausa e sobre a reposição hormonal, que ainda é um assunto tabu”, explica Claudia Raia.
“Por isso, decidimos começar por lá e buscamos fazer um verdadeiro serviço público para estas mulheres que se sentem abandonadas neste momento da vida.”
Com texto e versões musicais de Anna Toledo e direção de Jarbas Homem de Mello, que também está no elenco, o espetáculo reuniu mais de 70 mil espectadores em 67 apresentações por diversas cidades portuguesas.
A atriz conta que levar uma produção para outro país é realmente como arrumar uma mala para uma viagem: tem que pensar em cada detalhe.
“Fizemos dois cenários, um para Portugal e outro aqui no Brasil. A gente adaptou falas, ajustou o ritmo do humor, sentiu as reações da plateia portuguesa… O tema da menopausa exige essa leveza, sabe, é uma fase cheia de transformações – físicas, emocionais, sociais – e quisemos trazer tudo isso de um jeito acessível.”
Claudia ressalta a sua “conexão incrível” com o público de Portugal e diz se sentir muito acolhida, respeitada e celebrada por lá.
“Mas a maior diferença foi que, desta vez, estreamos em Portugal, então foi uma expectativa muito diferente e uma grata surpresa perceber que a escolha foi muito acertada, com um sucesso absoluto, porque menopausa é um assunto nevrálgico”, afirma a atriz.
“Fizemos rodas de conversa com mais de 40 minutos, ouvindo as mulheres. Foi uma explosão, uma experiência muito profunda para mim.”
A comédia, que trata do tema por meio da comédia, passou a se chamar Cenas da Menopausa e está em cartaz atualmente em São Paulo, até o fim de setembro.
“Em Portugal, o público começa mais tímido, mas, quando se solta, vai com tudo!”, avalia Claudia. “Já no Brasil, a energia chega logo de cara — é aquela explosão de afeto instantânea.”

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Jarbas Homem de Mello diz que estrear em Portugal foi uma experiência marcante porque os desafiou a afinar ainda mais a escuta e a sensibilidade.
“Como diretor e ator, pude observar como o público português reage com um envolvimento gradual, mas genuíno”, diz Homem de Mello.
“Isso nos enriquece, pois nos obriga a calibrar a entrega, a buscar um diálogo que vá além da fronteira cultural e atinja o universal — especialmente em um espetáculo que trata de um tema ainda tão pouco abordado.”
Ele também destaca a ligação “extremamente potente” entre Brasil e Portugal, do ponto de vista cultural, já que os países compartilham a língua, histórias e sensibilidades.
“Portugal tem se mostrado um terreno fértil para produções brasileiras”, diz Homem de Mello.
“Estrear lá antes de vir para o Brasil tem se revelado uma excelente oportunidade de lapidar a obra. É um intercâmbio que amplia os horizontes.”
Gregorio Duvivier e a poesia da língua
O Céu da Língua é outro exemplo deste intercâmbio cultural. O espetáculo de Gregorio Duvivier, criado em parceria com a atriz Luciana Paes, que também assina a direção, teve como objetivo falar sobre a palavra.
“Então veio a ideia: e se estreássemos em Portugal, que divide com a gente não só a língua como o amor pela língua?”, diz Duvivier.
“Falei com meu produtor lá, o Hugo Nobrega. E ele conseguiu uma pauta no Teatro Aberto [em Lisboa], que é um espaço espetacular, um teatro com uma curadoria preciosa.”
O ator explica que a data disponível para a estreia era para três meses depois.
“Então, a gente tinha o que eu mais precisava: um prazo. Foram três meses intensos, ensaiando e escrevendo ao mesmo tempo.”

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Para Duvivier, quase não houve diferença na preparação do espetáculo e nos ensaios, pelo fato de a estreia ter sido em outro país.
“Portugal e Brasil são países muito próximos, para além da língua. Temos um oceano de referências musicais e literárias em comum. Nós lemos Fernando Pessoa e José Saramago, eles ouvem Chico Buarque e Caetano Veloso”, diz o ator.
“Claro que adapto uma coisa ou outra. Mas da mesma forma que adapto quando vou a Porto Alegre ou Recife, por exemplo. Também mudo dependendo da época do ano”, referindo-se a períodos como o Carnaval.
Os países têm muito a crescer com essa troca, segundo o ator: “Fui muito influenciado pelo humor português. Antes mesmo de ir a Portugal pela primeira vez, já conhecia esquetes de cor. Na adolescência, descobri Gato Fedorento [grupo humorístico] e foi uma revolução pra mim. Em seguida, Bruno Aleixo, Bruno Nogueira, Cesar Mourão”.
“Não sei se teria Porta dos Fundos, Portátil, Greg News sem essa troca. O Ricardo Araujo Pereira [artista português] me ajudou a escrever os primeiros Greg News, de graça, na amizade”, diz Duvivier.
“Portugal tem um teatro espetacular, que infelizmente não costuma vir ao Brasil. Já tiveram mais incentivos do governo português pra que isso acontecesse.”
Após a estreia em Portugal, O Céu da Língua já passou por Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre, somando mais de 70 mil espectadores.
‘Sucesso talvez até maior aqui do que aí’
Hugo Nobrega, produtor português responsável por levar O Céu da Língua ao país, diz que se tornou um catalisador do projeto ao incentivar Gregorio Duvivier a estrear o espetáculo em Portugal.
“Há uma peça realmente a quatro mãos nesta primeira fase da criação e da ação. Obviamente, o Gregorio como o criativo e como grande pensador da peça, e eu mais na parte de fazer acontecer”, explica Nobrega, que produz teatro do Brasil há mais de dez anos.
“Foi um processo muito interessante, feito do outro lado do Atlântico e, sobretudo, com extrema confiança.”
O produtor observa um grande crescimento de produções brasileiras por lá.
“É uma surpresa e é fascinante, porque realmente eu acho que o sucesso talvez até seja muitas vezes maior aqui do que aí”, avalia, reforçando que a presença nos teatros se dá não apenas pela comunidade brasileira, mas também pelo público português.
Além disso, Hugo destaca que faz dois anos que este mercado explodiu, como nunca.
“Antes da pandemia, já se via um crescimento, mas ainda havia peças que não eram tão conhecidas. Agora, não. Os nomes [dos artistas] aparecem, e as salas enchem, obviamente com grandes nomes também. Eu acho que há muito mercado e que ainda temos muito a explorar.”
Produções luso-brasileiras
Ainda sobre a conexão cultural entre os dois países, vale destacar obras luso-brasileiras como Mater e O Filho da Rainha e A Mãe do Rei, que foram desenvolvidas pela companhia portuguesa Teatro Livre e depois chegaram ao Brasil.
Em Mater, por exemplo, o grupo parte de um texto da dramaturga e escritora brasileira Maria Adelaide Amaral, Querida Mamãe, para falar sobre desencontros familiares.
Com direção de Beto Coville, ator brasileiro radicado em Lisboa, e elenco composto pelas artistas portuguesas Carla Chambel e Luísa Ortigoso, a peça estreou no Teatro Meridional, em Lisboa, em 2022, e contou com o apoio do Ministério da Cultura de Portugal. No Brasil, foi apresentada em maio deste ano, no Teatro Sérgio Cardoso, em São Paulo.
Já O Filho da Rainha e A Mãe do Rei também ficou em cartaz no Brasil em maio de 2025, mas no Teatro Vannucci, no Rio de Janeiro. A obra apresenta um texto inédito de Cássio Junqueira e fala sobre a relação entre Dona Maria 1ª e Dom João 6º, figuras centrais da história de Portugal e do Brasil colonial.
Com direção de Cássio Scapin, a peça foi interpretada por Beto Coville e Luísa Ortigoso e teve sua estreia no Palácio Nacional da Ajuda, em Lisboa, em 2022.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL