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- Author, Redação
- Role, BBC News Mundo*
Esse foi o ano da Ofensiva do Tet, uma das maiores campanhas militares da Guerra do Vietnã, que marcou o início do fim do conflito travado entre o Vietnã do Norte comunista (apoiado pela China e pela Rússia) e o Vietnã do Sul anticomunista (apoiado principalmente pelos EUA).
Soldados americanos começaram a chegar ao Vietnã em grande número, apesar dos crescentes protestos contra a guerra nos Estados Unidos.
A agitação e o caos reinavam em Saigon – hoje Cidade de Ho Chi Minh -, a capital do Vietnã do Sul.
E no meio dessas ruas destruídas pela guerra, um menino de apenas 12 anos corria decidido e sem medo em direção ao perigo.

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Era Lo Manh Hung – ou “Jimmy”, o menino que fotografou a Guerra do Vietnã – e, quase com certeza, podemos dizer que ele foi o fotógrafo de guerra mais jovem do mundo.
“Ele podia fotografar qualquer coisa. Nada o assustava. Ele tirou fotos que são realmente excepcionais”, diz sua irmã Quyen.
“Tudo se resumia a conseguir a foto, não em pensar na própria vida”, comenta outro de seus irmãos.
Jimmy morava em Saigon com os pais e irmãos. E, agora, pela primeira vez, eles decidiram contar a sua história para a BBC.
Seguindo os passos do pai
Quando Jimmy nasceu, o país já estava em uma guerra. Seu pai, Lo Vinh, era um fotojornalista de guerra freelancer. Jimmy seguiu seus passos, acompanhando-o no campo de batalha, e ocasionalmente seus irmãos também.

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“Jimmy adorava tirar fotos e se arriscava muito. Em Saigon, se algo acontecia, como uma bomba explodindo, ele pegava sua câmera, subia na moto e saía correndo para tirar fotos”, disse seu irmão Richard à BBC.
“Ele corria para lá antes de qualquer outra pessoa. Nenhum outro repórter se atrevia a chegar primeiro. Nem mesmo os serviços de emergência conseguiam chegar a tempo.”
Richard se lembra que Jimmy era um fotógrafo “especialista, rápido e perspicaz, mais ágil e mais experiente [que os irmãos mais novos]”.

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Jimmy era apaixonado pelo que fazia e começou a sair cada vez mais por conta própria. Sua intrepidez e seu talento permitiram capturar imagens impactantes da linha de frente, que ele depois vendia para todos os tipos de publicações internacionais.
Apesar da brutalidade da guerra, seu irmão Vincent lembra que “Jimmy era um menino alegre”, com espírito aventureiro.
As vantagens – e desvantagens – de ser tão jovem
Às vezes, por causa da pouca idade, Jimmy acabava na cadeia. Quando o viam vagando pelas ruas após o toque de recolher, a polícia desconfiava de suas credenciais de imprensa.
No entanto, foi exatamente por ser tão jovem que ele conseguiu desenvolver um bom relacionamento com os soldados e obter um acesso único que outros fotógrafos não tinham.

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“Ele contava que os soldados eram curiosos, que se aproximavam, conversavam e brincavam”, diz Thomas, outro de seus irmãos, à BBC.
Mas era evidente que, durante a guerra, Jimmy sentia uma grande responsabilidade de sustentar sua família, uma realidade que se intensificou ainda mais quando ele se tornou o principal provedor.
“Claro que nossos pais, às vezes, estavam preocupados. Ele era o filho mais velho e, se algo lhe acontecesse, seria um grande problema”, diz Richard.
“Quando nosso pai foi ferido em um acidente de moto e não podia trabalhar, e havia tantas crianças para cuidar, Jimmy, como filho mais velho, teve que assumir a responsabilidade de sustentar a família”, acrescenta.

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Richard diz que seus pais se preocupavam com Jimmy com frequência, porque ele desaparecia e não voltava para casa por dias.
“Jimmy se vestia como um soldado e se metia de alguma forma nos helicópteros com eles. Ele dizia que era jornalista e eles o deixavam ficar”.
A foto do helicóptero
Existe uma foto famosa que Jimmy pode ter tirado, na qual se vê um helicóptero cercado de pessoas, mas a BBC não conseguiu verificar sua autoria. Seus irmãos explicam que ele esteve lá naquele dia, em meio ao caos, quando várias aeronaves decolaram.
“Naquele momento, essa foto mostrava o que as pessoas estavam vivendo. Um helicóptero pousou durante a batalha de An Loc. As pessoas estavam aterrorizadas. An Loc estava sitiada havia dias, muitos soldados estavam feridos, e civis famintos e desesperados tentavam subir no helicóptero para escapar e deixar An Loc”, conta Richard.

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Era uma questão de vida ou morte. O helicóptero podia levar poucas dezenas de pessoas, mas a multidão que o cercava era enorme.
“Jimmy seguiu a multidão – eles estavam escondidos havia três ou quatro dias. E quando chegou a hora de sair, ele os seguiu. Ele nos contou que, quando os helicópteros pousaram, o Viet Cong (a guerrilha pró-Norte que operava no Vietnã do Sul) disparou artilharia, foguetes e chuvas de balas sobre a pista, então essas fotos são incrivelmente significativas”, explica Richard.
“Você pode ver os civis subindo a bordo, e também soldados feridos. Jimmy contou que, depois de tirar a foto, ele teve que subir e se segurar na parte de trás do helicóptero. Foi muito perigoso. Muitas pessoas caíram e morreram ali mesmo. Essas cenas devem ter sido aterrorizantes… provavelmente as mais perigosas. Esta foto é incrível. Por isso sinto que ela é tão significativa para nós.”
Perigo
Enquanto Jimmy e seu pai eram os fotógrafos, todo o negócio era definitivamente um assunto de família.
“Depois de tirar as fotos, [Jimmy] trazia os rolos para casa, e minha mãe [Ly Tu Lan] revelava no quarto escuro. Depois, ela processava as imagens”, lembra Richard.
“Eu também ajudava minha mãe. Muitas vezes, trabalhávamos até tarde da noite, por volta das 22h ou até meia-noite, e de manhã, eu levava as fotos para os jornais.”

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E embora todos colaborassem, o perigo em que Jimmy vivia era muito real. Eventualmente, o inevitável aconteceu, quando os temores de sua família se materializaram em parte.
“Meu irmão foi baleado por um AK47 em um braço, estava sangrando e foi enfaixado”, diz Thomas, referindo-se ao momento em que ele foi ferido perto da linha de frente.
Jimmy se recuperou, mas esse incidente não o fez abandonar sua paixão por fotografar a guerra e ele voltou a trabalhar imediatamente.
Alguns anos depois, em 1972, ele foi ferido novamente.
“Durante a batalha de Quang Tri, ele foi atingido novamente, desta vez por fogo de artilharia. Um estilhaço cortou sua orelha, danificou sua audição e Jimmy acabou no hospital”, diz Richard.
Mesmo após este último episódio, Jimmy continuou tirando fotos até o final da guerra.
Nova vida
Mas quando as últimas tropas americanas se retiraram em 1973, era apenas uma questão de tempo até que o cerco se fechasse sobre o Vietnã do Sul.
Dois anos depois, os norte-vietnamitas tomaram Saigon. Muitos sul-vietnamitas fugiram, incluindo Jimmy e seus irmãos.

“O Viet Cong estava prestes a chegar, cercando as pessoas em Saigon. Jimmy disse que se queríamos sair do país, tínhamos que encontrar um barco para escapar para os EUA”, diz Thomas à BBC.
Em meio à confusão que se vivia na cidade, eles partiram. Mas nem todos saíram juntos e demorou bastante tempo até que se reencontrassem, por sorte, em um acampamento para refugiados na ilha de Guam.
“De repente, ouvi Jimmy gritar em vietnamita ‘Nam, nam!’. Foi um momento de tanta alegria, porque havíamos perdido o rastro dele em Saigon”, conta Thomas.
“Estivemos separados desde Saigon e este momento foi completamente inesperado. Três irmãos se reencontraram. Uma verdadeira surpresa, porque em um acampamento de centenas de milhares de pessoas, de repente nos encontramos. A partir daquele momento, permanecemos juntos, cheios de alegria. Esse foi o momento mais emocionante de todos.”

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Assim como seus irmãos, que acabaram encontrando refúgio em países como China, EUA e Austrália, Jimmy acabou na Califórnia, onde levou uma vida tranquila, comparada às suas primeiras décadas.
“Quando chegamos aos EUA, ainda conversávamos de vez em quando, mas ele sentia uma certa melancolia. Ele guardava tudo para si. O passado era o passado e ele nunca mais falou dos velhos tempos”, lembra Thomas.
“Ele amava ser fotojornalista, mas nos EUA ele não tinha conexões com a imprensa ocidental, as coisas não eram como no Vietnã. No Vietnã, todos o conheciam, mas aqui acho que ele se sentia um pouco triste.
“Ainda assim, ele amava sua profissão e continuou se dedicando a ela até o fim.
“Aonde quer que fosse, ele sempre levava uma câmera, pronto para tirar fotos, seja por diversão ou por trabalho. Se via algo interessante, ele registrava.”

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Regresso
Jimmy se casou, formou uma família e, eventualmente, encontrou um caminho para seu primeiro amor: a fotografia.
“Quando ele economizou dinheiro suficiente, ele abriu seu próprio negócio de laboratório e fotografia”, diz Thomas.

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Mais tarde ele também retornaria ao Vietnã. Foi uma semana após uma viagem em 2018 que Jimmy faleceu devido a uma insuficiência cardíaca.
Seu legado vai além de ser um dos fotógrafos mais jovens do mundo: está em seu talento para tirar fotos, que ajudaram a atrair a atenção do mundo para a Guerra do Vietnã.
Mas seu outro legado é mais íntimo e não menos importante: ele foi um pilar vital na história de sobrevivência de sua própria família.
*Este artigo foi adaptado do vídeo do BBC Reels, produzido e narrado por Howard Timberlake e editado por Tom Heyden
Fonte.:BBC NEWS BRASIL