Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) receberam 26 influenciadores digitais para a segunda edição do evento “Leis e Likes: o papel do Judiciário e a influência digital”.

O evento, que aconteceu no dia 15 de setembro e cujo objetivo anunciado era “aproximar o Poder Judiciário da sociedade por meio de quem influencia milhões de pessoas nas redes sociais” – serviu, na verdade, para impulsionar propagandas positivas da Corte na internet.

Os influenciadores foram escolhidos a dedo: a maioria já se manifestava simpaticamente ao STF e ao governo Lula, e nenhum crítico da Corte foi convidado. O momento também é propício, já que o Supremo enfrenta queda de popularidade interna e pressão da Casa Branca por casos de censura em redes sociais e perseguição política.

Os ministros escalados para dialogar com os influenciadores no evento foram Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Flávio Dino – justamente os que estão na linha de frente das polêmicas envolvendo o uso da Corte para ativismo judicial.

Nos dias que se seguiram ao evento, vários dos influenciadores participantes já foram às redes em campanha para promover uma imagem positiva do STF e, em especial, de Alexandre de Moraes. Veja alguns exemplos:

Influenciadores vão da torcida explícita pela censura à defesa institucional do STF

Nath Finanças

“É claro que tirei foto com o terror dos Bolsonaristas. SEM ANISTIA”, dizia a legenda da postagem de uma selfie da economista conhecida como “Nath Finanças” com Alexandre de Moraes após o evento promovido pelo STF.

Na imagem, ambos não escondem o sorriso – sorriso este que ela também ostenta em vídeos de parceria com o governo federal, seja ao lado do ministro Fernando Haddad ou de Renan Filho, nas plataformas oficiais dos ministérios.

Nath Finanças parece levar a sério quando o assunto é propaganda das instituições. Isso porque ela também foi a influenciadora escolhida para fazer vídeos explicativos sobre o programa “Pé-de-Meia”, lançado em 2024 pelo governo Lula.

Jackson Augusto

Se para Nath, Moraes é o “terror dos bolsonaristas”, para Jackson Augusto o magistrado é “o maior defensor da democracia na atualidade” e o exímio “caçador de golpistas”. O rito parece ser o mesmo após o “Leis e Likes”: selfie sorridente com o magistrado, que Jackson chama de “Xandão”.

Dono do canal de Youtube “Afrocrente”, perfil que conta com vídeos intitulados como: “Quem tem medo do Jesus negro?”, “Bíblia e as cotas” e “a Igreja Negra”, Jackson parece ser mais fã de Alexandre de Moraes do que de Lula.

Não que ele não tenha feito campanha eleitoral para o petista, mas diz enxergar o atual mandato de Lula como um governo “neoliberal”. Já com Moraes é só elogios. Após o evento na Corte, o dono do “Afrocrente” disse ter sido atacado por robôs e que foi vítima de uma “máquina de fake news gigante”.

Anaterra Oliveira

A atriz e pesquisadora Anaterra Oliveira usou o tradicional microfone rosa-choque para fazer uma reportagem durante o evento em que reitera a não existência de uma ditadura judicial conduzida pela mais alta Corte do Brasil.

Ela abre a reportagem — que mais parece um vídeo institucional — argumentando: “Você que reclama do STF, fala que existe uma ditadura… se fosse realmente uma ditadura você não poderia nem estar reclamando. Não poderia nem falar esse tipo de coisa!”.

Após a introdução, ela passa a bola para o ministro mais visado pelos influenciadores. “Se houver uma ditadura, se houver um golpe, as pessoas perdem seus direitos”, afirma Moraes. Após sua fala, vídeos da invasão do dia 8 de janeiro são exibidas, seguida de imagens das peças restauradas.

Em outras postagens sobre o que classifica como “evento maravilhoso de imersão no STF”, Anaterra publica discursos de Moraes, selfies com o ministro e faz defesas intransigentes de que não há censura nem abusos por parte da Corte.

Pedro Henrique França

Pedro Henrique França foi outro a fazer uma defesa ferrenha de que o STF atua estritamente dentro do que dita a Constituição Federal. “Devemos sempre acreditar que a Suprema Corte está ali, imparcialmente, num colegiado de número ímpar, para debater a sociedade e para que os poderes do outro lado da praça não extrapolem nem se restrinjam aos seus próprios interesses”, disse ele.

França também aproveitou para ironizar às sanções americanas aos magistrados da Corte. “E antes que você que me xingue ou me denuncie pros Estados Unidos pra me sancionar (risos), eu não ganhei cachê algum pra limpar a barra de ninguém. Segura seu ódio e a mentira, limpa essa energia baixo astral: cordial é o que espero de qualquer comunicação”, diz. E claro, não faltou a tradicional selfie com Moraes.

Influenciadores que evitaram “vestir a camisa” do STF

Se por um lado a grande maioria dos influenciadores adotou uma postura 100% partidária contra um espectro político, ou optou por uma propaganda explícita do STF, uma minoria de convidados do Leis e Likes escolheu não publicar nada após o evento ou apenas fazer seu próprio conteúdo como se tivesse em qualquer outro ambiente que não na mais alta Corte do país — sem defesas, ataques ou propagandas explícitas.

3 Palavrinhas

Reinaldo Heleno, representante do 3 Palavrinhas, projeto cristão focado na produção de músicas e vídeos animados com temática religiosa para crianças, foi um dos convidados para o evento. O canal oficial do projeto até chegou a fazer uma publicação anunciando o convite para o “Leis e Likes”, mas apagou após a repercussão negativa.

Depois do evento, nenhum conteúdo sobre o assunto foi publicado. Mesmo assim, até hoje há uma série de comentários de seguidores, nos perfis do 3 palavrinhas, com fortes críticas à participação no evento do STF.

Mizael Silva, o “advogado do Xandão”

Por mais que seu personagem se intitule “advogado do Xandão”, o influenciador de comédia Mizael Silva evita comentar de maneira séria a situação política ou judicial do país em seus vídeos. Convidado para o evento no STF, ele fez um vídeo em estilo “vlog”, publicado dias apóso evento no STF.

No vídeo em tom de brincadeira, ele diz que Brasília está “desorganizada” e que teve que deixar sua cidade natal para resolver os problemas pessoalmente. Ao longo do vídeo ele entrevista pessoas, faz piadas e diz que recebeu uma ligação de Moraes e ele, como seu advogado, “teve que ir”.

No único trecho sério do vídeo, Mizael está em uma roda de conversa dos influenciadores com Moraes. O comediante se dirige ao ministro em tom sóbrio e o questiona sobre uma suposta parcialidade de suas ações.

“O pessoal disse que a gente viria limpar a barra do STF, e esse projeto seria para isso. O que acontece que o Brasil está tão dividido? O STF é o pai do Brasil, então a família está dividida. Um filho não pode dizer ‘meu pai está sendo mais justo com meu irmão do que comigo’”. Em seguida, Mizael questiona o ministro sobre a velocidade do processo contra Jair Bolsonaro em contraste com a lentidão nas investigações sobre as fraudes no INSS.

Moraes responde que o Brasil foi dividido com base em muita “mentira e desinformação”. “Desinformação em cima de desinformação. Discurso de ódio em cima de discurso de ódio. Isso dividiu as famílias. […] Cada um é o senhor da razão e não consegue conversar. Como esse discurso de costumes voltou com muita força, infelizmente com muito preconceito, extremou mais ainda os lados”, responde o ministro.

Mesmo assim, Mizael foi mais um a publicar – e fixar como destaque no Instagram – uma selfie com um sorridente Alexandre de Moraes.