11:25 PM
25 de agosto de 2025

Acumulação de riqueza deveria ser limitada? – 25/08/2025 – Michael França

Acumulação de riqueza deveria ser limitada? – 25/08/2025 – Michael França

PUBLICIDADE


A concentração excessiva de riqueza mina a lógica de um mercado competitivo e enfraquece a ideia de que o capitalismo recompensa quem cria valor. Na prática, os maiores benefícios recaem sobre quem já nasceu com patrimônio acumulado por gerações passadas. Em sociedades desiguais como a nossa, o sistema deixa de ser um motor que contribui para a mobilidade social e passa a funcionar como uma engrenagem de reprodução patrimonial.

O esforço e o trabalho duro cedem espaço ao patrimônio herdado, às conexões e aos ativos do passado. O capital, que deveria ser um instrumento de produção, transforma-se em um escudo contra a concorrência. Assim, o capitalismo trai seus próprios princípios e se converte, em muitos casos, em um arranjo no qual o sucesso depende menos da competência e mais da proximidade com o poder.

A lógica deixa de ser a da competição e passa a ser a dos favores, da influência e do acesso privilegiado a políticos, reguladores ou grandes grupos econômicos. O caso brasileiro é emblemático, pois chamamos de capitalismo um sistema que constantemente distorce os incentivos de mercado, bloqueia novos entrantes e substitui o mérito pelo sobrenome ou pelo lobby bem posicionado. O resultado é um capitalismo que se aproxima cada vez mais de uma aristocracia de ativos.

A alocação de recursos humanos se distorce quando os retornos das conexões superam os de competência. Uma coisa é a desigualdade que surge das escolhas e do esforço individual. Outra, muito mais nociva, é aquela que nasce quando grupos capturam as regras do jogo para si. A primeira pode ser um preço do desenvolvimento. A segunda é um imposto sobre o futuro. Para cumprir sua promessa, o capitalismo brasileiro precisa de competição e mobilidade social. A concentração extrema de riqueza destrói ambas.

No fundo, o problema está em permitir que alguém acumule tanto, por tanto tempo, que o ponto de partida de uma criança valha mais do que qualquer esforço futuro. Está em aceitar que fortunas erguidas sobre séculos de exclusão se multipliquem sem devolver nada à sociedade.

Sistemas econômicos estáveis exigem renovação contínua na forma como distribuem oportunidades e não sua fossilização em dinastias. É preciso impedir que o sucesso de ontem se converta em privilégio hereditário e garantir que vencedores do passado sejam obrigados a disputar espaço em igualdade de condições com os talentos do presente. Quanto mais gente consegue ter chances reais de progredir, menos a fortuna, seja ela material ou imaterial, depende de quem foram seus pais e mais de quem você se torna.

Nesse cenário, a acumulação de riqueza precisa encontrar limites claros após certo patamar financeiro e estar vinculada a uma lógica de corresponsabilidade social. Isso significa impor freios quando a desigualdade deixa de refletir o esforço e as escolhas, tornando-se apenas um reflexo da herança, do monopólio e da ausência de redistribuição. Pois, no final, quando uma sociedade escolhe que alguns podem ter tudo, também escolhe, mesmo que implicitamente, que muitos continuarão com quase nada.

O texto é uma homenagem à música “O urubu está com raiva do boi”, de Baiano e os Novos Caetanos.


LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.



Fonte.:Folha de S.Paulo

Leia mais

Rolar para cima