
Crédito, Reuters
- Author, Leire Ventas
- Role, Correspondente da BBC News Mundo em Los Angeles
- X, @leire_ventas
“Vamos combater fogo com fogo.”
A frase dita na última quarta-feira (20/08) por Gavin Newsom resume perfeitamente a postura que o governador da Califórnia tem adotado desde que Donald Trump retornou à Casa Branca, em janeiro.
Diante do aparente desconcerto da maioria dos representantes democratas, ele surge como um líder da oposição a Trump.
Isso ficou demonstrado nas últimas semanas: depois dos republicanos do Texas modificarem, e pedido de Trump, o mapa eleitoral do estado para ter até cinco novos congressistas nas eleições de meio mandato de 2026, Newsom está promovendo sua própria remodelação do mapa californiano para dar vantagem aos democratas.
E esse espírito combativo do governador da Califórnia também ficou evidente quando Trump determinou, em junho, o envio da Guarda Nacional a Los Angeles, diante dos protestos contra as batidas migratórias.
A guerra do gerrymandering
Nos EUA existe hoje uma “tríade de poder” republicana, que é como se denomina na linguagem política de Washington o cenário em que o partido do presidente controla, além da Casa Branca, as duas casas do Congresso.
Na Câmara dos Deputados, os republicanos contam com uma maioria estreita — 219 contra 2012 dos democratas, além de quatro assentos vagos.
Uma potencial mudança no controle do Senado nas eleições de meio mandato, em novembro de 2026, abriria a porta para que os democratas pudessem frustrar a agenda legislativa de Trump e lançar, por exemplo, investigações contra ele e sua administração.
Ciente disso, Trump teria pedido pessoalmente ao governador do Texas, Greg Abbott, para impulsionar uma nova distribuição dos eleitores no segundo estado mais populoso do país, com objetivo de favorecer seus interesses eleitorais e de seu partido.
Essa manobra é chamada de gerrymandering, que é a manipulação das divisas geográficas dos distritos eleitorais para favorecer um ou outro partido, algo que é legal nos EUA.

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Esse processo foi especialmente contencioso, com os legisladores democratas deixando o Texas por duas semanas para demonstrar sua rejeição e evitar que houvesse quórum para votar os novos mapas propostos.
Aprovada na última quarta-feira, a redistribuição facilitará aos republicanos a obtenção de cinco cadeiras adicionais, sem colocar em risco as 25 que já possuem atualmente pelo Texas.
“Grande vitória para o grande estado do Texas”, celebrou Trump em sua conta na plataforma TruthSocial.
“O Texas nunca nos decepciona”, acrescentou, garantindo que outros estados governados por republicanos, como Flórida e Indiana, estão considerando seguir o exemplo.
O ‘olho por olho’ de Newsom
O que Trump não mencionou em sua postagem foi que, em uma espécie de “olho por olho”, Newsom havia iniciado sua própria cruzada na Califórnia para compensar a potencial vantagem obtida pelos republicanos com as mudanças no Texas.
Um plano para traçar os novos limites dos distritos no estado mais populoso do país — com objetivo de conquistar mais representantes democratas em Washington — já avançava a passos largos.
Durante uma chamada com jornalistas organizada pelo Comitê Nacional Democrata, na quarta-feira, Newsom enquadrou a batalha como “a lei de Donald Trump contra o estado de Direito”.
E, à noite, escreveu nas redes sociais: “Estamos no jogo, Texas”.
As iniciativas que abrem caminho para redesenhar os distritos eleitorais da Califórnia de forma temporária — para as eleições de 2026, 2028 e 2030 — foram aprovadas sem maiores obstáculos por ambas as câmaras do Congresso estadual.
Durante o debate na Assembleia da Califórnia, o líder da minoria republicana, Mike Gallagher, admitiu que foi um erro de Trump iniciar a disputa ao exigir mais cadeiras para o Texas, um estado no qual ele havia vencido com folga nas eleições presidenciais de 2024.
Contudo, ele questionou se essa estratégia de Newsom era a resposta correta.
“O que acontece se continua combatendo fogo com fogo? Acaba se queimando”, afirmou o legislador, referindo-se à frase dita pelo governador da Califórnia.
Newsom, em um estilo que lembra as habituais grandiloquências do presidente Trump, disse em uma coletiva: “Somos o primeiro governo na história que submeterá os mapas à população em uma votação. As pessoas terão a opção de validá-los”.
Isso porque, a modificação dos distritos eleitorais é mais complexa na Califórnia do que no Texas, já que deve ser aprovada pelos eleitores em uma consulta popular que ocorrerá em 04 de novembro.

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Por enquanto, as pesquisas indicam que a iniciativa de Newsom foi bem recebida pela população.
57% dos eleitores californianos apoiariam as mudanças nos mapas eleitorais no referendo, segundo um memorando do pesquisador pessoal de Newsom, ao qual o meio Axios teve acesso.
Em outra sondagem, realizada pelo Instituto de Estudos Governamentais da Universidade da Califórnia em Berkeley, encomendada pelo jornal Los Angeles Times, e publicado na última sexta-feira (22/08), 46% dos entrevistados disseram estar de acordo com a manobra de redistribuição de distritos, contra 36% que acham uma má ideia.
48% afirmaram que votariam a favor de novos mapas na consulta popular.
Enquanto isso, o respaldo simbólico a Newsom veio de outro lado.
O ex-presidente Barack Obama elogiou o governador por sua proposta “inteligente e ponderada” em contraste com a “manipulação” do mapa eleitoral aprovada pela Assembleia do Texas.
“Sinto um enorme respeito pela forma como o governador Newsom tem abordado esse tema”, afirmou Obama em uma postagem no X.
Na vanguarda
“Tudo isso está trazendo um enorme benefício político para o governador da Califórnia”, afirma Mike Madrid, estrategista político republicano e especialista em voto latino.
“Se a redistribuição dos distritos eleitorais vai ser boa para a Califórnia, para os eleitores latinos (e outras minorias), para os EUA, já é outra história. Não acredito que seja”, afirmou.
“Mas, sem dúvidas, está funcionando extremamente bem para Newsom, para suas perspectivas e para seu posicionamento de olho na campanha presidencial de 2028. Isso o coloca no centro das atenções em nível nacional, onde, de outra forma, ele seria um mero governo. E o mantém na vanguarda da luta contra Donald Trump pelo menos durante os próximos meses”, afirma Madrid, que foi secretário de imprensa do ex-líder republicano da Assembleia da Califórnia, Rod Pacheco.
Analistas políticos e especialistas concordam que parece uma jogada deliberada.

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A virada começou em junho, em claro contraste com o espírito de colaboração que Newsom e Trump haviam demonstrado quando o presidente aterrissou em Los Angeles após os incêndios de janeiro.
Mas desde que Trump ordenou o envio da Guarda Nacional para Los Angeles, em meio aos protestos contra as batidas migratórias, para “restaurar a lei e a ordem” na Califórnia, diante da “incapacidade” da autoridade local, o governador mantém um confronto constante com o presidente.
Após tentar dar uma alavancada em seu perfil e permanecer em evidência com um podcast intitulado This is Gavin Newsom — um espaço de “discussões honestas com pessoas que concordam e discordem de nós” —, nas últimas semanas o político californiano passou a enfrentar Trump com uma estratégia de redes sociais espelhada no próprio presidente.
‘Estilo Trump’
A conta no X do gabinete de imprensa de Newsom agora compartilha mensagens com parágrafos inteiros escritos em letra maiúscula, ostentando os feitos do governador.
A equipe por trás da conta, liderada por Camille Zapata, uma latina de 29 anos, chegou a criar apelidos para o mandatário e seu gabinete, em resposta a todas as vezes que Trump chamou o governador de Newscum — um jogo de palavras com seu sobrenome e a palavra “escória” em inglês.
O apelido que inventaram para Trump é TACO, um acrônimo de Trump Always Chickens Out (Trump sempre se acovarda, na tradução livre para o português), aparentemente em referência às idas e vindas do presidente em relação à imposição de tarifas a outros países.
Algumas das mensagens compartilhadas em suas redes sociais superam cinco milhões de visualizações.
Há quem brinque com a mudança no estilo comunicativo de Newsom.
“Adoro que o futuro dos Estados Unidos vá ser decidido por dois caras gritando um com outro no Facebook”, disse um usuário no X.
Outros se divertem discutindo se se trata de uma boa imitação ou não.
Newsom, por sua vez, garante que é um “chamado de atenção para o presidente”.
“Simplesmente estou seguindo seu exemplo”, disse aos repórteres durante uma coletiva de imprensa no dia 14 de agosto.
“Se vocês têm problema com o que estou compartilhando, também deveriam ter com o que o presidente compartilha”, afirmou.
“Como permitimos a normalização das mensagens [de Trump nas redes sociais]? Que elas saiam sem um escrutínio semelhante?”, questionou o governador.
“Vê-lo enfrentar Trump nas redes sociais — um terreno que o atual presidente domina há uma década — é refrescante, energizante e muito divertido para muitos democratas”, disse o estrategista democrata Anthony Coley, ao veículo The Hill.
Os conservadores nem sempre veem assim.
“Ele ocupa um cargo importante como governador da Califórnia, mas se quiser ser algo maior, deveria ser um pouco mais sério”, comentou Dana Perino, comentarista política da rede conservadora Fox News.
Enquanto isso, a secretária de imprensas adjunta da Casa Branca, Abigail Jackson, classificou as publicações de News como “estranhas e nada divertidas”.
O caminho para 2028
Seja como for, tanto a estratégia de rede social quanto sua postura desafiadora na “guerra do gerrymadering” parecem estar dando certo.
As pesquisas mostram que Newsom tem ganhado popularidade em relação a outras figuras de seu partido.
Com 13% de apoio, uma pesquisa recente publicada pelo Echelon Insights o colocava em segundo lugar, atrás apenas de Kamala Harris (26%) na lista de potenciais candidatos democratas para as eleições de 2028.
Uma pesquisa anterior, da mesma empresa, publicada em abril, colocava Newsom em sexto lugar, com 4% de apoio, atrás de nomes como o ex-secretário de Transportes Pete Buttigieg e a representante democrata de Nova York, Alexandria Ocasio-Cortez, que empatavam em 7%. Kamala Harris estava na frente, com 28%.

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“Sem dúvida, Newsom é hoje a principal figura de oposição a Trump”, afirma Madrid.
E mesmo que os californianos rejeitem sua iniciativa de redesenhar os distritos eleitorais no referendo em novembro, isso não está em risco, ressalta o estrategista político.
“As pessoas querem ver luta, querem ver alguém disposto a lutar. E mesmo se perder no referendo, Newsom sairia como aquele que não ficou de braços cruzados”, explica.
“Porque a alternativa é não fazer nada, se conformar ou ceder. E ele está demonstrando que está disposto a entrar na batalha e liderá-la, e acredito que isso vai beneficiá-lo enormemente em termos políticos.”
Fonte.:BBC NEWS BRASIL