
- Author, Angus Crawford and Tony Smith
- Role, Da BBC News Investigações
Uma vítima de abuso sexual infantil implorou a Elon Musk para que ele impeça a publicação, em sua rede social X, de links com imagens da violência que ela sofreu.
“Ouvir que meu abuso — e o de tantas outras pessoas — ainda circula e continua sendo comercializado aqui é revoltante”, diz Zora (nome fictício), que vive nos Estados Unidos e foi abusada pela primeira vez há mais de 20 anos.
“Toda vez que alguém vende ou compartilha material de abuso infantil, alimenta diretamente o abuso original, é horrível.”
A BBC encontrou imagens de Zora durante investigação sobre o comércio global de material de abuso sexual infantil, estimado em bilhões de dólares pelo Childlight, o Global Child Safety Institute (Instituto Global de Segurança Infantil, em tradução livre).
O material fazia parte de um conjunto de milhares de fotos e vídeos semelhantes oferecidos à venda em uma conta no X. A reportagem entrou em contato com o comerciante por meio do aplicativo de mensagens Telegram, o que levou a uma conta bancária ligada a uma pessoa em Jacarta, na Indonésia.
Zora foi abusada pela primeira vez por um familiar. Uma coleção de imagens desse abuso se tornou conhecida entre pedófilos que colecionam e negociam esse tipo de conteúdo. Muitas outras vítimas enfrentam a mesma situação, já que as imagens continuam a circular até hoje.
Zora se revolta com a continuidade desse comércio.
“Meu corpo não é uma mercadoria. Nunca foi e nunca será”, afirma. “Quem distribui esse material não é um espectador passivo, é cúmplice do crime.”
Rastreando a conta no X
As imagens do abuso de Zora estavam originalmente disponíveis apenas na chamada dark web, mas hoje ela convive com a realidade de que links estão sendo promovidos abertamente no X.
Plataformas de rede social tentam eliminar materiais ilegais, mas a dimensão do problema é enorme.
No ano passado, o Centro Nacional para Crianças Desaparecidas e Exploradas (NCMEC, na sigla em inglês), dos Estados Unidos, recebeu mais de 20 milhões de notificações obrigatórias de empresas de tecnologia sobre casos de material de abuso sexual infantil , com imagens e vídeos ilegais publicados em suas plataformas.
O NCMEC busca identificar vítimas e agressores e, em seguida, aciona as autoridades policiais.
A reportagem também procurou o grupo de hacktivistas Anonymous, cujos integrantes dizem combater o comércio de imagens de abuso infantil no X. Um deles afirmou que a situação continua tão grave quanto antes.
O grupo deu informações sobre uma única conta no X. O perfil usava como avatar a foto do rosto e dos ombros de uma criança real. Não havia nada obsceno na imagem.
Mas a descrição da conta, com palavras e emojis, deixava claro que o dono oferecia material de abuso sexual infantil e incluía um link para um perfil no aplicativo Telegram.

Crédito, Getty Images
O comerciante parecia estar sediado na Indonésia e oferecia “pacotes VIP”, coleções de imagens e vídeos de abuso à venda para pedófilos em todo o mundo.
Um ativista do Anonymous vinha denunciando várias contas desse comerciante no X para que fossem removidas pelos sistemas de moderação da rede social. Mas, segundo ele, sempre que uma conta era apagada, outra nova surgia no lugar.
O comerciante parecia administrar mais de 100 contas quase idênticas. O ativista nos contou que, ao contatá-lo diretamente pelo Telegram, o comerciante respondeu dizendo que tinha milhares de vídeos e imagens à venda.
“Eu tenho um bebê. Crianças de 7 a 12 anos”, escreveu ele ao ativista em mensagens vistas pela BBC.
Ele também explicou que parte do conteúdo mostrava estupro de crianças.
A reportagem entrou em contato com o comerciante.
Ele enviou links com amostras do material, que não foram abertos nem visualizados. Em vez disso, a reportagem procurou especialistas do Centro Canadense de Proteção à Criança (Canadian Centre for Child Protection, CCCP), em Winnipeg, que atuam em parceria com a polícia e têm autorização legal para acessar esse tipo de conteúdo.

“A conta do Telegram era, na falta de termo melhor, um pacote de amostras — basicamente uma colagem do material que ele tinha disponível de diferentes vítimas”, explicou Lloyd Richardson, diretor de tecnologia do CCCP. “Ao analisarmos todas as imagens nessas colagens, eu diria que eram milhares.”
Entre os arquivos estavam imagens de Zora.
O agressor de Zora, nos Estados Unidos, foi processado e preso há muitos anos, mas não antes de as gravações do abuso já terem sido compartilhadas e vendidas em vários países.
“Ao longo dos anos tentei superar meu passado e não deixar que ele determinasse meu futuro, mas agressores e perseguidores ainda encontram maneiras de acessar essa imundície”, afirmou Zora.
Com o tempo, perseguidores descobriram a identidade de Zora, passaram a contatá-la e a ameaçá-la on-line. Ela diz sentir-se “intimidada por um crime que roubou minha infância”.
Rastreando o comerciante
Para identificar o vendedor das fotos de Zora, a reportagem se passou por um comprador.
O comerciante enviou dados de uma conta bancária e de um serviço de pagamento on-line, ambos com o mesmo nome como titular da conta.
O ativista do Anonymous descobriu que esse nome também estava vinculado a duas transferências e outra conta bancária.
A apuração levou a um homem com esse mesmo nome em um endereço na periferia de Jacarta, capital da Indonésia.
Um produtor do Serviço Mundial da BBC que trabalhava na cidade foi ao local e confrontou um homem no imóvel. Diante das evidências, ele disse ter ficado chocado.
“Não sei nada sobre isso”, afirmou.
O homem confirmou ser titular de uma das contas, criada para uma única transação ligada a uma hipoteca. Disse não ter usado a conta desde então e que acionaria o banco para esclarecer o caso. Negou conhecimento sobre a outra conta ou sobre as transferências.
Não é possível afirmar se, e em que medida, ele está envolvido. Por isso, esta reportagem da BBC não divulgará o seu nome.

A investigação da BBC revelou que a forma como as imagens de Zora eram comercializadas é usada por centenas de vendedores em todo o mundo.
Publicações no X recorrem a diferentes hashtags conhecidas entre pedófilos. As imagens que aparecem na plataforma muitas vezes vêm de material já identificado de abuso infantil, mas podem ser cortadas para não parecerem obscenas.
Elon Musk afirmou que a remoção de material de abuso sexual infantil era sua “principal prioridade” quando assumiu o X, então chamado Twitter, em 2022.

Crédito, AFP via Getty Images
Plataformas de rede social em geral, não apenas o X, poderiam fazer muito mais para impedir que criminosos publiquem repetidamente esse tipo de material, afirma Lloyd Richardson, do CCCP.
“É positivo podermos enviar uma notificação [às plataformas] e a conta ser removida, mas isso é o mínimo”, disse.
O problema, segundo ele, é que usuários podem voltar às plataformas poucos dias depois com uma nova conta.
O X disse à BBC ter “tolerância zero” com exploração sexual infantil. “Investimos continuamente em sistemas avançados de detecção para agir rapidamente contra conteúdos e contas que violem nossas regras”, disse um porta-voz.
A rede social acrescentou que trabalha “em estreita colaboração com o Centro Nacional para Crianças Desaparecidas e Exploradas (NCMEC) e apoia os esforços da polícia para processar esses crimes”.
Procurado pela BBC, o Telegram declarou: “Todos os canais são moderados e mais de 565 mil grupos e canais ligados à disseminação de material com abuso sexual infantil já foram banidos em 2025.”
A plataforma informou ter mais de mil moderadores dedicados ao tema.
“O Telegram monitora proativamente o conteúdo público em toda a plataforma e remove material impróprio antes que chegue aos usuários ou seja denunciado”, disse um porta-voz.
Ao ser informada de que suas fotos estavam sendo negociadas no X, Zora enviou uma mensagem ao dono da plataforma, Elon Musk: “Nosso abuso está sendo compartilhado, negociado e vendido no aplicativo que você possui. Se você agiria sem hesitação para proteger seus próprios filhos, peço que faça o mesmo por nós. A hora de agir é agora.”
Em caso de suspeita ou denúncia de exploração sexual infantil no Brasil, ligue para o Disque 100, que recebe relatos de violações contra crianças e adolescentes em ambientes online ou offline, ou registre no canal Comunica PF, da Polícia Federal. Ambos os serviços são gratuitos, confidenciais e funcionam todos os dias.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL