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- Author, Vinícius Mendes
- Role, De São Paulo (SP) para a BBC News Brasil
Desde a campanha eleitoral de 2024 e do primeiro dia como presidente dos Estados Unidos em seu segundo mandato, Donald Trump fala em tarifas.
À medida em que essas tarifas têm se expandindo, observadores apontam que há uma mudança mais profunda em curso no planeta: a entrada em cena da geoeconomia.
Nela, os países — sobretudo os mais desenvolvidos — se valem de mecanismos econômicos que funcionam com armas geopolíticas, como sanções financeiras, regras para investimentos, mudanças nas dinâmicas monetárias ou tarifas.
Enquanto esta organização define as regras das trocas comerciais entre os países com acordos entre eles e, a partir disso, estabelece princípios gerais que os membros devem seguir, na geoeconomia, cada país atua por conta própria, sem a mediação de um órgão internacional.
E, para muita gente, o Brasil será um dos principais prejudicados nessa nova ordem global. Por quê?
As ‘armas’ da geoeconomia
No discurso inaugural na volta ao poder, em janeiro, Trump contou que iria renomear a maior montanha da América do Norte, no Alasca.
O nome nativo, Denali, seria substituído por Monte McKinley. Não foi trivial. Vem de William McKinley, presidente dos Estados Unidos entre 1897 e 1901.
McKinley, ainda como congressista, batizou uma lei muito parecida à que Trump decretou sobre as tarifas contra o Brasil em julho: Tariff Act, ou “Tarifa McKinley”, que elevou em 1890 as taxas de entrada de produtos estrangeiros nos EUA em quase 50%.
“Ele fez nosso país ser muito rico usando tarifas e o talento. Era um homem de negócios nato”, disse Trump à multidão em Washington.
Renato Baumann, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e professor da Universidade de Brasília (UnB), analisa que a lógica da atual Casa Branca é combater o déficit comercial “de qualquer forma” — e a melhor maneira de fazer isso, sob essa perspectiva, seria por meio das tarifas.
“É um pensamento relativamente primário de comparação de níveis de alíquota. A estranheza é que barreiras desse tipo, tarifárias, não figuravam na agenda global. O foco estava sobre as barreiras não tarifárias”, aponta o economista.
Para Baumann, essa guinada, liderada pelos EUA — a economia mais aberta do mundo até então, ele diz —, é consequência de mudanças geopolíticas.
Por exemplo, o crescimento de intervenções em outros países através de punições financeiras, protecionismo tarifário e estratégias de investimentos setoriais, em detrimento de conflitos territoriais protagonizados por exércitos.
“A criatura que surgiu foi a geoeconomia”, aponta o pesquisador, autor de A geoeconomia e a estrutura produtiva brasileira (Ipea, 2025).
O conceito não é tão novo: apareceu pela primeira vez em um artigo do cientista político e estrategista militar Edward Luttwak na revista americana The National Interest, em 1990.
O argumento dele era que, naquele contexto de fim da Guerra Fria, em que o poder militar não era mais tão relevante nas relações entre países, os “métodos comerciais” estavam assumindo o antigo papel de tropas.
“Capital disponível ao invés do poder de fogo, inovação civil ao invés de avanço nas técnicas militares, penetração em mercados ao invés de guarnições”, diz um trecho do artigo.

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Pelo raciocínio de Luttwak, sem uma ameaça bélica no horizonte, o “mundo da política” dava lugar ao “mundo dos negócios”.
Neste, havia duas possibilidades inevitáveis: competir ou cooperar, e sempre para além das fronteiras nacionais.
A economista Vera Thorstensen, da Escola de Economia (EESP) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), por sua vez, prefere o conceito que aparece no livro War by Other Means (“Guerra por outros meios”, em tradução livre, sem versão em português), de 2016.
Escrito por Robert Blackwill, que foi conselheiro do ex-presidente norte-americano George W. Bush, em 2001, e pela cientista política Jennifer Harris, o livro define a geoeconomia como a “armamentização dos instrumentos econômicos”.
A obra foi publicada na véspera de Trump assumir seu primeiro mandato, em 2017 — e, a partir do comportamento do republicano, Blackwill e Harris previram como seu governo se comportaria no comércio exterior.
Para os autores, enquanto muitos países hesitavam em usar suas “armas econômicas” com objetivos próprios, os EUA do primeiro mandato de Trump iriam na direção contrária: se valeriam significativamente de tarifas, sanções, além do poder do dólar como moeda internacional para produzir vantagens geopolíticas a si mesmo, como atrair investimentos ou punir rivais, tais como a China ou a Rússia.
“Mas é soft power [pressão ou influência exercida por um país sem o uso da força]. Não é enviar exército. É operar na base da pressão. É tornar os instrumentos econômicos armas para forçar a posição econômica de quem as usa”, explica Thorstensen, coordenadora da Cátedra da OMC no Brasil (programa da organização que reúne pesquisadores sobre comércio internacional em alguns dos países-membros).
Thorstensen serviu também na missão brasileira da OMC na sede da instituição em Genebra, Suíça, entre 1995 e 2010.
Ela diz que, além das tarifas, outras estratégias usadas pelos países na “geoeconomia” são o endurecimento de regras de origem de produtos, barreiras sanitárias e subsídios a setores sensíveis às exportações.
“Governos costumam fazer isso de forma mais elegante. O Trump não faz elegantemente, mas os países fazem”, afirma a economista.
Hoje, os Estados Unidos são o mercado mais protegido do mundo, com uma tarifa efetiva média de 17%, segundo cálculos da consultoria Fitch Ratings.
Em 2024, era de apenas 2%. No ano passado, segundo o FGV Ibre, a tarifa média brasileira no comércio internacional foi de 12,4%.
Outro instrumento da geoeconomia, aponta a professora, são os próprios investimentos — um recurso que tem sido bastante utilizado pela China.
“A China investe em portos, em minas, em infraestruturas, financia tudo em dólar. Quando o país que recebeu os aportes se endivida, ela assume a concessão do que ela mesma construiu, contratada para 30 anos, por 100 anos, como forma de pagar essa dívida”, observa.
“A estratégia da Nova Rota da Seda [obras e investimentos para ampliar a presença e os mercados da China no mundo, projeto iniciado em 2013] é exatamente essa. Não foi o Trump que começou com isso, portanto. Foi a China!”
Existem ainda os instrumentos digitais, que vão das notícias falsas à dependência cada vez maior, pelos setores produtivos, das grandes empresas de tecnologia (big techs) do Vale do Silício, nos EUA.
Thorstensen arrisca dizer que, logo mais, haverá um outro desdobramento da geoeconomia: as “geofinanças”.
Novamente, ela se volta aos Estados Unidos — que segundo ela tem um problema “grave” de déficit comercial.
“A política tarifária do Trump é para eles exportarem mais. Só que a consequência é valorização do dólar, e eles querem desvalorizá-lo pelos interesses nacionais [se a moeda está valorizada, os produtos norte-americanos ficam mais caros na arena global]. O poder de controlar o dólar é central na conjuntura ‘geofinanceira'”, diz.
Conflitos exacerbados

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O escopo do conceito de geoeconomia, porém, não é uma unanimidade.
Nas últimas semanas, a BBC News Brasil conversou com pelo menos dez especialistas de diferentes disciplinas: das relações internacionais à ciência política, da sociologia à economia.
E há quem diga que a geoeconomia é, de forma simples, só a velha geopolítica.
“No fundo, são a mesma coisa”, sentencia o cientista político Daniel Kosinski, professor do Departamento de Economia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
“A geopolítica sempre tratou de produção, distribuição e consumo. Eu não vejo um momento sequer na história em que esses elementos não foram geopoliticamente centrais. Logo, a geoeconomia sempre esteve aí. Não tem diferença.”
Para Kosinski, o mais importante para entender as mudanças recentes na ordem do comércio global é se perguntar por que os conflitos globais ao redor da economia “estão tão exacerbados agora”.
Ele oferece uma resposta curta: China.
“Ela ascendeu e, agora, os EUA querem conter essa ascensão. Isso aconteceu porque os chineses souberam usar magistralmente a globalização desenhada pelos Estados Unidos dos anos 1960 em diante”, reflete ele.
“Isso só foi possível porque nenhum outro país conseguiu ficar fora da subordinação dos EUA — Japão, Alemanha, Grã-Bretanha — até agora. Todos eram e são sujeitos ao Exército e às finanças dos EUA. A China, não.”
É uma explicação muito parecida à do Global Capital Allocation Project (GCAP), um dos principais centros de estudos de geoeconomia, formado por pesquisadores de universidades como Stanford e Columbia, ambas nos Estados Unidos.
O argumento é que a China domina as cadeias globais de fornecimento e os minerais de terras raras (um conjunto de elementos de difícil extração, como gadolínio ou ítrio, fundamentais nas cadeias de produção de eletrônicos, como smartphones, mas também na indústria armamentista).
Em outras palavras, tem a hegemonia produtiva do mundo.
Já os EUA, por emitirem a moeda internacional, dominam as finanças do planeta.
Assim, o que Trump quer fazer, para o GCAP, é diminuir o poder industrial chinês e, na mesma tacada, proteger esse controle financeiro americano.
“Mas não dá para isolar a China em uma tacada só, porque isso significaria acabar com cerca de um terço da produção mundial. Então, os EUA estão tentando fazer aos poucos”, completa Kosinski.
De acordo com ele, essa estratégia americana contra a China envolve não só desmontar instituições como a OMC ou aplicar tarifas altas sobre produtos chineses — que hoje estão em 30%, mas já chegaram a 145% em maio, antes de os dois países se sentarem frente a frente em Estocolmo, onde seguem negociando —, mas também atacar “satélites” econômicos mundo afora.
“Eles foram para cima da Europa e do Japão e conseguiram acordos bastante criticados. Agora, chegou nossa vez”, diz, referindo-se à tarifas contra o Brasil.
Brasil na era da geoeconomia
No dia seguinte ao anúncio da nova tarifa, a Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham) divulgou um relatório mostrando que, no primeiro semestre de 2025, o saldo das trocas entre os dois países foi favorável aos EUA: superávit de US$ 1,7 bilhão.
Era uma repetição, em pequena escala, do resultado de 2024 — em que, de uma corrente de comércio de US$ 80,9 bilhões, os estadunidenses saíram com excedente de US$ 253,3 milhões.
O Brasil é deficitário no comércio com os EUA desde 2009, segundo dados oficiais
Números como esses reforçam, para os economistas, a lógica geoeconômica atual e o papel do Brasil nela.
“Os interesses por trás do tarifaço sobre o Brasil são geoeconomia na veia”, aponta Baumann, do Ipea.
Para ele, o argumento sobre Bolsonaro é só “jogo de cena” diante dos reais objetivos — entre eles, influenciar o mercado em favor das big techs e de cartões de crédito, além de conter o Brics, sobretudo nos planos do bloco de eventualmente fazer transações sem o dólar.
O bloco é objeto, além do mais, do temor de Trump em torno da hegemonia americana no mundo. Se esse é o diagnóstico, então o Brasil entra na era da geoeconomia em crise.
“O cenário é trágico para nós”, reflete Thorstensen, da FGV. “Porque nós sempre ficamos nessa posição cômoda, em cima do muro entre China e EUA. Agora não tem jeito: nós teremos que escolher entre um deles.”
Na visão dela, essa é apenas uma das complexidades postas ao país.
A outra é que, enquanto vê os EUA punirem mais tarifas, o Brasil observa, do outro lado, a China deslocar mercados externos brasileiros para si mesma.
Em 2024, a corrente comercial entre os países foi de US$ 188,17 bilhões. A demanda dos chineses correspondeu a 28% de todas as exportações brasileiras, segundo a FGV.
Em 2014, os números do comércio bilateral eram mais tímidos: US$ 40,6 bilhões em trocas comerciais e 18% das exportações brasileiras indo pra China.
Nesse mesmo período, perderam relevância na balança brasileira países como a Argentina (6,5% das exportações em 2014 para 4% em 2024) e a Alemanha (3% para 1,7%).
“E a China segue investindo [no Brasil]. Quer potencializar o renminbi [moeda chinesa] aqui. Está claro que os Estados Unidos não vão deixar isso acontecer”, continua ela, para emendar, então, uma solução possível.
“Fazer acordos loucamente e com qualquer um que aparecer. União Europeia, Canadá, países asiáticos… Sabe por quê? Porque eles ainda estão jogando o jogo da OMC. Eles não vão aumentar tarifas”.
Mas o tiro pode sair pela culatra, aponta Daniel Kosinski, da Uerj. Ele argumenta que a situação é mais complexa quando se trata de Estados Unidos e as Américas.
Na ótica dele, há três atores centrais no plano de reordenamento global norte-americano em curso: o Japão, “potência industrial e tecnológica localizada às margens da China”; a União Europeia e o continente americano.
“A proposta é muito clara e muito antiga: é porrete em todo mundo. Ninguém daqui pode bater de frente com os EUA e, se existe algum candidato a fazer isso, é o Brasil. País continental, população grande, uma das maiores economias do mundo, apesar dos problemas…”.
“Além disso, temos uma relação ótima com a China, que eles [EUA] querem isolar. Então, eles vão nos enquadrar de algum jeito. Nem que seja na porrada”, afirma Kosinski.
OMC em crise existencial

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“Existem boas razões para crer que ela ou se transforma ou vai deixar de existir”, sentencia Vitor Ido, professor de Direito Comercial da Universidade de São Paulo (USP).
Criada em 1995, após uma década de discussões entre os países, a organização já nasceu intermediando 98% dos fluxos comerciais do planeta à época.
A OMC herdou os termos do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT, na sigla em inglês), convenção estabelecida depois da Segunda Guerra Mundial e que foi atualizada em rodadas periódicas entre os países.
Diferente do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, duas instituições criadas a partir de consensos entre os países após a Segunda Guerra Mundial, o GATT sempre foi um tratado, não uma entidade.
E, segundo especialistas, era assim, justamente, porque havia mais discordância do que acordos sobre comércio internacional.
Com o fim da União Soviética, os EUA ficaram livres para desenhar o modelo comercial do planeta. Em 1994, em uma rodada decisiva do GATT, no Uruguai, nasceu a OMC.
Em 1996, um ano após sua gênese, a taxa média de tarifas entre países-membros da organização era de 13,2%. Já em 2020, ela estava em 7,4%.
Não à toa, nesse mesmo intervalo, a quantidade de bens intercambiados no mundo explodiu, saindo de um volume de receitas de US$ 4,4 trilhões naquele primeiro ano para US$ 18,6 trilhões em 2021.
Esse “mundo das regras da OMC”, como chama Vera Thorstensen, funcionava tanto a partir de regras comuns — por exemplo, de que maneira os países deveriam negociar seus acordos comerciais — quanto com base em alguns princípios.
O mais conhecido deles, talvez, seja o da “nação mais favorecida” (NMF): caso um país conceda uma vantagem comercial específica ao produto de um parceiro, ele deve estendê-la, automaticamente, a mercadorias e serviços similares de outras nações. Eram heranças do GATT.
O Itamaraty lançou justamente esta carta na mesa em 6 de agosto: pediu à OMC que avalie se há violações americanas às regras e aos princípios da entidade — entre elas, à NMF.
As regras eram aplicáveis a todos os países-membros. Mas, durante a pandemia, elas começaram a dar sinais de fraqueza.
“Fui notando que esse mundo das regras da OMC não existia mais”, revela Thorstensen.
“Sabe quando se sente um ambiente de rivalidade [entre os países]? Em 2021, mais ou menos, eu notei que a questão ali era outra: as regras da OMC simplesmente não funcionavam mais”, lembra.
Há um consenso entre os especialistas que a crise da OMC começou por causa das barreiras não tarifárias, isto é, medidas de proteção diferentes das taxas, como exigências sanitárias.
Segundo Renato Baumann, do Ipea, à medida em que a organização estabeleceu padrões tarifários globais, as barreiras não tarifárias ficaram mais sofisticadas e menos transparentes, porque eram a única alternativa disponível.
“A criatividade era infinita: questões trabalhistas, ambientais, sanitárias, ‘pseudossociais’… Tudo era motivo para barrar o comércio. Mas tarifas, em si, não tinham sentido mais”, aponta.
O pesquisador do Ipea lembra de um episódio importante na deterioração da OMC: os grandes protestos que marcaram a reunião da entidade em Seattle, nos EUA, em 1999.
Pelas contas dos jornais da época, cerca de 50 mil pessoas saíram às ruas da cidade em marcha contra as corporações representadas pela organização. Elas protestavam, sobretudo, contra as barreiras não tarifárias, para as quais a organização ainda não tinha soluções claras.
Não à toa, lembra Baumann, muitos dos manifestantes eram representantes de setores agrícolas, afetados por esse tipo de obstáculo.
“Foi surgindo esse impasse comercial global. E é por isso que voltamos a falar de geoeconomia agora.”
Vera Thorstensen concorda — e, por isso, estende a relevância do conceito geoeconomia para além do tarifaço trumpista.
Para ela, quando a União Europeia (UE) passou a impor barreiras comerciais sob a justificativa de uma dita preocupação ambiental, em meados de 2010, o bloco estava lançando mão de uma “arma” geoeconômica.
“A UE não tinha condição de impor as regras, mas ela dizia: ‘Você quer entrar aqui no meu mercado? Então você precisa fazer o que eu quero’. O resultado é que nem os agricultores europeus aguentam mais”.
“E todo mundo passou a fazer a mesma coisa. Cada país tinha seu instrumento”.
Já Vitor Ido adiciona outro fator à crise da OMC para além das barreiras não tarifárias.
Ele lembra que tudo se intensificou quando Trump, no seu primeiro mandato, conseguiu bloquear as indicações de novos juízes do Sistema de Solução de Controvérsias (SSC) e, com isso, travou as resoluções dos conflitos em curso.
Joe Biden, que o sucedeu na Casa Branca, manteve a decisão.
O Sistema de Solução de Controvérsias é uma espécie de tribunal internacional da OMC com poder suficiente para dar vereditos sobre quaisquer conflitos comerciais.
“Ninguém no mundo acredita mais que [a corte] voltará a funcionar. Todo mundo acha que a economia e a política assumiram todo o controle de novo”.
Segundo Vitor Ido, quando estava em funcionamento, o SSC foi fundamental para países como o Brasil, que se dependessem apenas da política e da retórica, ficariam em desvantagem para negociar acordos com países mais poderosos e ricos.
Se esse cenário de desmonte se confirmar, Renato Baumann afirma que “quem tem os instrumentos geoeconômicos vai ter vantagem”.
Ele lembra que, para Trump, esvaziar a OMC tem outro motivo ligado à geoeconomia: a tentativa de conter a China.
Perto do fim do seu primeiro mandato, ele prometeu que “faria algo com a OMC” por ela ter deixado o país asiático “escapar impune”.
A potência asiática entrou na organização em 2001, após mais de 15 anos de negociações.
A demora ocorreu porque, de um lado, exigia-se dos chineses uma maior abertura da sua economia — menos tarifas e queda de barreiras a investimentos estrangeiros, por exemplo.
Além disso, havia uma exigência tácita de que, antes da entrada do país asiático na OMC, os EUA firmassem um acordo com a China, o que ocorreu apenas em 1999.
Segundo Vera Thorstensen, Trump bloqueou o SSC justamente por acreditar que os juízes estavam tentando beneficiar a China.
No começo de ano, na comemoração de 30 anos de existência da organização, a diretora-geral Ngozi Okonjo-Iweala não escondeu sua apreensão.
“As incertezas do comércio global nos lembram do valor da OMC como um pilar da previsibilidade na economia mundial”, afirmou ela.
Por incertezas, dizem os especialistas, dá para entender “Trump”.
Daniel Kosinski reforça seu ceticismo.
“A OMC é até mais autônoma do que o Banco Mundial e o FMI [Fundo Monetário Internacional], que não são mais do que correias de transmissão da política externa norte-americana, mas a pergunta é: quais são os meios efetivos que a OMC terá para agir contra a vontade dos EUA?”
A resposta poderá vir provocada pela petição brasileira enviada à OMC há alguns dias, mas ele não tem dúvidas.
“Mesmo que a OMC diga: ‘OK, Brasil, você está certo!’. O que ela pode fazer contra os Estados Unidos? Sancionar? Punir? Eu te digo: ela não pode fazer nada.”
Fonte.:BBC NEWS BRASIL