Pertinho de Atins, um pequeno povoado de nome inusitado passa quase incólume em meio ao sobe e desce frenético de lanchas no rio Preguiças. É o Bar da Hora, com 500 habitantes que parecem resistir ao turismo de massa que hoje impera sobre os Lençóis Maranhenses.
Quando os visitantes começaram a vir em peso, no começo dos anos 2000, essa comunidade, que sempre viveu da pesca e da agricultura de subsistência, passou a fornecer mão de obra para os empreendimentos que iam pipocando na praia do Caburé e, um pouco mais tarde, em Atins.
Quase uma década depois, o povoado percebeu que também poderia tirar proveito do turismo —mas com uma preocupação maior de evitar erros que vinham sendo cometidos nos arredores. Erros, aliás, que foram a base do turismo predatório que hoje sobrecarrega toda a região durante a alta temporada. A ideia era fazer um contraponto à exploração do trabalho nativo, que não compartilha os lucros de uma maneira considerada mais justa.
Os membros da comunidade do Bar da Hora resolveram se associar e se orientar a partir das premissas do turismo de base comunitária, que se propõe a preservar o meio ambiente e também o modo de vida local. Treinamentos de parceiros como o Sebrae ajudaram a comunidade a entender pontos fortes e fracos, e como ela poderia atrair um público mais afeito à proposta do lugar.
“Vimos que não precisávamos atender todo mundo, mas sim quem se identifica e se dispõe a respeitar nosso modo de vida”, diz Jamerson Pereira, ambientalista e um dos primeiros a hospedar turistas ali, na sua própria casa. “Quem chega aqui sem essa consciência pode se decepcionar.”
Uma das principais iniciativas foi a criação de um fundo comunitário do turismo, que recebe contribuições mensais de todos os que trabalham no setor e que é usado para financiar empreendimentos dos próprios moradores. Um deles é uma fábrica de vassouras feitas a partir de garrafas recolhidas na região pelas próprias artesãs, que também dão nova vida a itens de plástico fabricando bolsas e acessórios.
“Criamos um sistema de prestação de contas simples e transparente, em que todo mundo consegue monitorar o dinheiro. Isso deu legitimidade ao trabalho da associação, assim como o protagonismo da comunidade nas tomadas de decisão”, diz Pereira.
A capacidade de autofinanciamento, diz ele, foi fundamental para que a associação conquistasse, no ano passado, um prêmio Braztoa, da Associação Brasileira das Operadoras de Turismo.
Não seria exagero dizer que visitar o Bar da Hora é como voltar no tempo. Ali as ruas são de areia como em Atins, mas em vez de empreendimentos luxuosos, ainda resistem as casas simples dos nativos. São poucas as opções de pouso, como a Casa Ingapura, que usa mão de obra local, não tem chuveiro quente e deixa claro: as pererecas já estavam por ali antes dos turistas.
A internet e a luz elétrica naquele vilarejo são intermitentes e, em pouco mais de uma hora, conhece-se o povoado inteiro.
Conversando com os anfitriões, é possível visitar o parque nacional a partir dali. Mas a comunidade também oferece as suas próprias experiências, como passeios de canoa e caiaque pelo rio e a caminhada pelos quintais do lugar, uma imersão na vida local.
Ao contrário do que ocorre nos passeios de massa que partem de Barreirinhas, o dali conta ao visitante a história do lugar e de como a comunidade vem se reinventando para atender ao turismo com sustentabilidade. No quintal de Neuza Pires, que mantém o restaurante O Grelhado, aprende-se, por exemplo, a importância dos biodigestores em uma região como aquela, onde o saneamento ainda é precário.
A comunidade também convida o turista a sair caminhando, contemplar, tomar banho no rio e bater um papo despretensioso com quem encontrar pelo caminho. Sem internet e, principalmente, sem relógio —afinal, não há por que correr. Estar ali, portanto, é como pausar o tempo.
Numa dessas caminhadas à beira do rio, este repórter topou com Pedro Pinto, pescador artesanal aposentado, nativo, que hoje vê seus filhos engajados no turismo. Com a calma típica de quem nem sabe o que é o estresse das grandes cidades, ele desata a contar histórias e convida a conhecer sua casa. No seu quintal, ele colhe alguns cocos direto do pé. Serve um e coloca outros três em uma sacola. “Leva para você”, diz ele. Sem cobrar nada. Isso sim é luxo.
O jornalista se hospedou a convite da Casa Ingapura
Fonte.:Folha de S.Paulo