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Dentre as possibilidades sobre a mesa de Jair Bolsonaro (PL) diante de uma eventual condenação, o indulto é uma peça importante para o tabuleiro das eleições do próximo ano.
Para atrair a base bolsonarista e amealhar seu capital político nas urnas, pré-candidatos da direita já se comprometeram publicamente a indultar o ex-presidente, antes mesmo de seu julgamento.
No sábado (30/8), o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), afirmou ao Diário do Grande ABC que o indulto a Bolsonaro seria a primeira medida que ele tomaria caso seja presidente.
“Na hora. Primeiro ato. Porque eu acho que tudo isso que está acontecendo é absolutamente desarrazoado”, afirmou ele, ao ser questionado se concederia o benefício ao ex-presidente.”
Embora tenha sido a primeira vez que Tarcísio falou claramente em indulto, essa sinalização já havia ocorrido quando ele dividiu o caminhão de som com Bolsonaro em manifestações pela anistia, defendendo a aprovação da lei.
Da mesma forma, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), afirmou à GloboNews em fevereiro que pretende “anistiar [Bolsonaro] e começar uma nova história no Brasil”.
“A gente está aqui para pedir, lutar e mostrar que todos estamos juntos para exigir anistia daqueles inocentes que receberam penas desarrazoadas”, disse o governador em março na avenida Paulista. “Quero ver quem vai ter coragem de se opor [ao projeto da anistia].”
E Romeu Zema (Novo), chefe do Executivo em Minas Gerais, se disse favorável a anistiar o ex-presidente. “Por que não dar anistia? Acho que nós temos de passar uma régua nisso, uma borracha, e olhar para o futuro”, afirmou à BBC News Brasil em agosto.
O perdão a Bolsonaro, caso seja condenado pelo Supremo na ação que julga tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dentre outras acusações, é um compromisso imprescindível para garantir seu apoio.
“Não só [Bolsonaro] vai querer apoiar alguém que banque a anistia ou o indulto, mas que seja cumprido”, afirmou o senador e filho do ex-presidente, Flávio Bolsonaro (PL-RJ), em entrevista à Folha de S.Paulo em junho.
Indulto e anistia são recursos previstos no Código Penal. Ambos podem livrar o ex-presidente de uma eventual pena, e tramitam inicialmente na esfera política, diferentemente de recursos que podem ser movidos no Supremo Tribunal Federal (STF).
Porém, ainda assim, o Supremo pode ter a palavra final.

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Como funciona o indulto
No entanto, o presidente também pode indultar alguém individualmente, e, neste caso, o termo técnico é graça e depende de um pedido, seja do próprio preso, ou de qualquer cidadão, ou do Ministério Público.
Em ambos os casos, a pena é excluída, mas os seus efeitos secundários permanecem, como a perda da primariedade como réu e a perda do mandato, no caso de políticos eleitos.
Silveira havia sido condenado a oito anos e nove meses de prisão, multa, perda do mandato e suspensão dos seus direitos políticos pelos crimes de coação em processo judicial e tentativa de impedir o livre exercício dos poderes da União.
Os crimes, segundo a denúncia, aconteceram entre 2020 e 2021, quando ele divulgou vídeos em redes sociais atacando o Supremo e o Estado Democrático de Direito, defendendo uma intervenção militar e ofendendo pessoalmente membros da Corte.
Mas em maio de 2023, o Supremo anulou o indulto por unanimidade, entendendo que houve desvio de finalidade na concessão do benefício, dado somente porque o ex-deputado era aliado político de Bolsonaro.
Os ministros também entenderam que as ameaças proferidas pelo ex-deputado configuram crime político, contra o Estado Democrático de Direito, e, por este motivo, não passível do benefício.
Na época, a ministra Rosa Weber, relatora do caso, afirmou que o presidente da República, apenas por ter competência para a edição de indulto, não pode criar em seu entorno “um círculo de virtual imunidade penal”.
“Não se pode aceitar a instrumentalização do Estado, de suas instituições e de seus agentes para, de modo ilícito, ilegítimo e imoral, obter benefícios de índole meramente subjetivos e pessoais, sob pena de subversão dos postulados mais básicos do Estado democrático de direito”, afirmou em seu voto.

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Se Bolsonaro for condenado e a direita eleger em 2026 algum dos presidenciáveis que prometeram indulto, mesmo que o novo líder do Executivo cumpra a promessa, muito provavelmente caberá ao Supremo decidir sobre a legalidade do benefício.
Para o advogado criminalista e professor de Direito Penal, Pierpaolo Bottini, a posição pela inconstitucionalidade, decidida no caso de Daniel Silveira, pode ser mantida.
“No caso do Daniel Silveira, o Supremo reconheceu a inconstitucionalidade do indulto para pessoas que atacaram ou agrediram membros de outro Poder. Se mantiver essa linha, o indulto no caso de Bolsonaro agora seria inconstitucional.”
Maíra Fernandes, advogada criminalista e professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ), lembra que no último decreto de indulto, de 2024, havia uma previsão expressa para a não concessão do benefício em casos de crimes contra o Estado democrático de direito.
“Bolsonaro até poderia pedir o indulto individual, mas provavelmente receberia como resposta que historicamente o indulto não é concedido para esses crimes”, afirma.
Já a anistia seria outro recurso. A discussão do tema está no Congresso por meio de um projeto de lei que prevê perdão aos que participaram dos atos de 8 de janeiro de 2023 e de manifestações antes ou depois da data, contanto que sejam relacionadas ao evento.
Diferentemente do indulto, a anistia apaga a pena e todas as suas consequências.
A oposição vem pressionando o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), para colocar o projeto na pauta, algo que ainda não ocorreu.
Constitucionalmente, a concessão da anistia cabe ao Congresso Nacional, mas o benefício pode ser levado ao Supremo se houver uma ação que questione a sua validade.
O presidente do Supremo, ministro Luis Roberto Barroso, afirmou, durante palestra na Associação de Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso, no último dia 18, que, após o julgamento, a anistia se torna uma “questão política”.
“Do ponto de vista jurídico, anistia antes de julgamento é uma impossibilidade, não existe. Não houve julgamento e nem houve condenação. A manifestação de colegas do Supremo sobre isso é por se tratar de uma questão jurídica, não se anistia sem julgar”, afirmou o ministro.
“Depois do julgamento, passa a ser uma questão política. Questões políticas vão ser definidas pelo Congresso. Não estou dizendo que acho bom, nem que acho ruim, nem que deve fazer e nem que não deve.”
Nos dois caminhos — indulto ou anistia — o benefício é concedido e, posteriormente, o Supremo julga sua constitucionalidade, se for o caso.
E isso pode levar um tempo, como ocorreu no caso de Daniel Silveira, cuja decisão da corte de anular o benefício ocorreu mais de um ano após sua condenação.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL