“Eles tratam o nabo como uma rainha, a cenoura como uma rainha.” Não deu para conter a imaginação (e o riso) ao ouvir essa declaração nesta semana quando conheci o delicado omakase do novo restaurante japonês Miyabi, em Pinheiros. Um nabo e uma cenoura de coroa, capa, cetro. Mas apesar de ter despertado pensamentos desvairados, a frase revela um dos motivos por trás do sucesso do vinho feito hoje no Japão. Isso mesmo, o vinho japonês está bombando por aí.
Na imprensa internacional, fala-se da florescente indústria vitivinícola japonesa, o que me fez pensar se é a curiosidade que atrai tanta atenção ou a qualidade dos vinhos.
O Japão tem clima muito úmido no verão, o que proporciona a proliferação de fungos, problemáticos para as uvas. Por outro lado, quem viveu os anos 1980 e 1990 e assistia ao Globo Repórter deve ter a lembrança dos tomates japoneses cultivados com um nível de cuidado que era quase como se cada um tivesse sua própria massoterapeuta.
Um pouquinho mais de pesquisa e constatei que meu palpite estava certo: para evitar os fungos, cada cacho de uva ganha um pequeno guarda-chuva, técnica já usada nas uvas de mesa. Agora é aplicada à koshu, casta autóctone que faz brancos delicados em regiões como Yamanashi, a 100 km de Tóquio; e também à pinot noir, que mostra sua melhor expressão em Hokkaido, no norte do país.
Os japoneses são grandes apreciadores da bebida e de bebida de modo geral. É do país que veio o mangá convertido na série “Gotas Divinas”, que mostra a disputa de um sommelier e uma herdeira por uma adega de milhões. Também apaixonados por uísque, dominaram a técnica de produção e fazem hoje rótulos celebrados no mundo todo, incluindo o Brasil, onde são servidos em restaurantes como o Aizomê e em bares como o Caledônia.
Voltando ao vinho e ao Miyabi, depois de procurar entre os importadores brasileiros rótulos japoneses (sem sucesso), perguntei sobre eles a Fabio Ota, que traz ao país saquês finos e os vende na sua Mega Sake. Ota entrou no mundo do saquê pela porta do vinho e, ao participar da ProWine no ano passado, disse que seu estande era muito visitado por quem queria provar os japoneses. Viu ali potencial de negócio e passou a incluir em suas viagens visitas a vinícolas e provas de novos rótulos. Até o fim deste ano, deve trazer dois vinhos japoneses ao país, que já estão em processo de importação.
Provei um desses vinhos, feito com koshu, no Miyabi, de que Ota é sócio. Era fresco, delicado, com notas de flores brancas e de limão-siciliano. Provei ainda um segundo rótulo, mais salino, que deve chegar ao país na safra seguinte. São vinhos muito gostosos, mas temo que cheguem perigosamente caros, dada a dificuldade de produção.
Há outros vinhos na carta do Miyabi, como brancos da austríaca Meinklang, de que já falamos por aqui. E, claro, incríveis saquês de toda a sorte.
Vai uma taça?
Provei às cegas o malbec Punta Negra (R$ 59 na Evino), com fruta preta exuberante e maciez deliciosa e achei que custava três vezes o preço. O Vallontano Brut Rosé (R$ 134 na Mistral) é fresco e traz framboesa e morango. E se gostou da ideia de saquê, o Niida Shizenshu Junmai Ginjo (R$ 378 na Mega Sake) tem notas de funghi secchi.
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Fonte.:Folha de São Paulo