
Crédito, VCG via Getty Images
- Author, Anthony Zurcher
- Role, Correspondente da BBC News na América do Norte
- X, @awzurcher
“Eles esperavam que eu estivesse assistindo, e eu estava assistindo”, disse ele.
O presidente americano não detalhou seus pensamentos sobre a enorme celebração que se estendeu pela Praça da Paz Celestial, exceto que foi “muito, muito impressionante”.
A mensagem da China — para Trump e para o mundo — no entanto, parece bastante clara.
Há um novo e crescente centro de poder no mundo e uma nova alternativa à ordem apoiada pelos americanos do século passado.
Os comentários de Trump durante uma reunião no Salão Oval com o presidente polonês Karol Nawrocki, também na quarta-feira, lançaram pouca luz sobre o assunto.
Foram o ápice de uma série tipicamente tortuosa de reflexões do presidente americano sobre os acontecimentos na China nos últimos dias. Era uma mistura de ambivalência, queixa e preocupação.
Durante uma entrevista em um podcast na terça-feira, Trump se mostrou indiferente ao desfile, afirmando que “não estava preocupado” com a demonstração de força chinesa diante de Putin, do líder norte-coreano Kim Jong Un e de mais de duas dezenas de outros chefes de Estado.
Na noite de terça-feira, porém, ele reclamava em sua conta no Truth Social que a China não estava dando crédito aos EUA por seu apoio na Segunda Guerra Mundial.
“Por favor, transmitam meus mais calorosos cumprimentos a Vladimir Putin e Kim Jong Un, enquanto vocês conspiram contra os Estados Unidos da América”, escreveu ele.
Conspirações à parte, Trump tem uma queda por desfiles e demonstrações de poderio militar.
Ele recebeu Putin no Alasca em agosto com um sobrevoo de bombardeiro furtivo e um tapete vermelho repleto de jatos militares americanos. Ele guarda boas lembranças de ter participado das comemorações do Dia da Bastilha na França durante seu primeiro mandato presidencial. E organizou seu próprio desfile militar para celebrar o 250º aniversário do Exército dos EUA em Washington, há dois meses.
Ao contrário da ostentação de armamentos de alta tecnologia e da precisão das massas marchando em Pequim, o desfile de Trump foi uma discreta homenagem à história militar dos Estados Unidos, com tanques da Segunda Guerra Mundial e soldados da era revolucionária caminhando casualmente pela Constitution Avenue, perto da Casa Branca.
Foi, em sua essência, um evento nostálgico, condizente com o slogan retrógrado de Trump, “Make America Great Again” (Faça a América Grande Novamente, em tradução literal), e sua política econômica baseada no mercantilismo do século 19 — uma época em que, como Trump frequentemente insiste, os Estados Unidos estavam em seu auge.

Crédito, Reuters
É claro que o desfile da China —– embora repleto de armamento futurista —– também ofereceu alguma narrativa histórica — uma tentativa do governo comunista de reivindicar um papel maior na derrota do fascismo e do imperialismo na Segunda Guerra Mundial.
Se esse conflito deu início ao chamado “século americano”, Pequim pode estar esperando que um novo respeito por seu papel possa suavizar a transição para um futuro construído pela China.
“É o primeiro passo de um esforço conjunto para reescrever as regras do jogo”, disse Richard Wilkie, secretário de assuntos de veteranos durante o primeiro mandato presidencial de Trump. “E você faz isso primeiro reescrevendo a história.”
Ele acrescentou que os nacionalistas chineses e as forças americanas tiveram muito mais a ver com a derrota asiática do Japão do que o exército comunista.
O desfile, no entanto, não foi a única imagem vinda da China esta semana que os formuladores de políticas americanos que pretendem manter uma ordem internacional liderada pelos EUA podem achar preocupante.
Na segunda-feira (5/9), Xi e Putin se reuniram com o primeiro-ministro indiano Narendra Modi em uma cúpula econômica em Tianjin — um indício de que as relações gélidas entre China e Índia podem estar descongelando, em grande parte devido à pressão gerada pelas políticas tarifárias de Trump, que atingiram as duas nações de forma particularmente dura.
A perspectiva “América em primeiro lugar” de Donald Trump sobre o comércio global abalou os alinhamentos econômicos e políticos do mundo, e o aparente novo entrosamento entre os líderes da China, Rússia e Índia forneceu uma poderosa ilustração de como algumas das maiores peças do quebra-cabeça geopolítico podem estar se encaixando de maneiras desafiadoras, mas não totalmente imprevisíveis.
Trump, é claro, vê as tarifas como parte integrante de seu plano para proteger a indústria americana e gerar novas receitas para o governo federal. Se houver um preço diplomático, parece ser um que ele está — por enquanto — disposto a pagar.
“Os coreanos, os japoneses, os filipinos e os vietnamitas sabem que a verdadeira ameaça não são quaisquer contratempos em uma parceria comercial com os Estados Unidos”, disse Wilkie, copresidente de Segurança Americana no Instituto de Política Externa America First, alinhado a Trump. “A ameaça é o crescente poder militar chinês.”
O perigo para Trump, no entanto, é que suas ações comerciais abrangentes possam acabar sendo apenas riscos e nenhuma recompensa. Há indícios crescentes de que o recém-construído regime comercial centrado nos Estados Unidos pode ser desmantelado nos próximos dias pelo judiciário americano.
Trump prometeu que recorrerá à Suprema Corte dos EUA para uma reversão, mas, embora os juízes conservadores que dominam a câmara frequentemente decidam a favor de Trump, eles também têm uma visão negativa de presidentes que promulgam novas políticas grandiosas sem a permissão explícita do Congresso. Não há garantia de que o tribunal apoiará a interpretação generosa de Trump sobre o poder presidencial.
No que diz respeito ao comércio, Trump seguiu seu próprio ritmo — levando os Estados Unidos a um novo rumo dramático e criando novos parceiros internacionais em questão de meses.
É uma estratégia ambiciosa que Trump prometeu que levará a uma segunda era de ouro americana. Mas os perigos, seja nos pátios de desfile da Praça da Paz Celestial ou nos tribunais americanos, são muito reais.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL