A Universidade de Brasília (UnB) expulsou, nesta sexta-feira (5), o estudante Wilker Leão, conhecido por gravar aulas e denunciar o que considera ser doutrinação ideológica. A decisão, assinada pela reitora Rozana Reigota Naves, não apenas determinou a exclusão do aluno, como também o proibiu de realizar novas matrículas na universidade.
O caso já havia extrapolado o ambiente acadêmico e chegado ao Judiciário. Além dos processos administrativos internos que culminaram na expulsão, Wilker Leão foi condenado criminalmente após críticas dirigidas a um professor. O que começou como uma disputa em torno da liberdade de registrar aulas e divergir de docentes evoluiu para uma punição judicial e tornou-se um dos casos mais emblemáticos do conflito entre autonomia universitária, liberdade de expressão e divulgação de conteúdos de interesse público.
Estudante é condenado a mais de 2 anos de detenção
Desde 2024, Wilker Leão era alvo de processos administrativos na UnB, instaurados após a divulgação de gravações de aulas que ele apontava como exemplos de doutrinação ideológica.
A situação ganhou proeminência com a decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. A juíza Ana Cláudia Loiola, que durante audiência destacou também ser professora, condenou-o a 2 anos e 3 meses de detenção, em regime aberto, por calúnia e difamação contra o professor Estevam Thompson.
A sentença baseou-se em seis vídeos gravados durante aulas de História da África. Neles, Wilker utilizou termos como “professor brabão”, “valentão” e “transgeneral”, além de ironizar a abordagem sobre escravidão e capitalismo. Para a magistrada, as expressões configuraram ofensa à honra e violação da liberdade de cátedra, princípio garantido pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Na decisão, a juíza ressaltou que cabe ao docente decidir sobre o uso de ferramentas em sala, incluindo gravações. A sentença, porém, despertou questionamentos quanto à proporcionalidade e à legalidade da pena.
A liberdade de cátedra, assegurada no artigo 206 da Constituição, garante aos docentes autonomia para tratar de conteúdos e ideias, sem censura ou interferência externa, promovendo a liberdade de ensinar e pesquisar. Trata-se, porém, de direito que não possui caráter absoluto. Suas limitações decorrem do interesse público e da necessidade de observância aos direitos fundamentais dos alunos, além da proteção contra abusos.
Tribunais Superiores garantem legalidade das gravações em sala de aula
A condenação destoa de entendimentos consolidados no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os tribunais já pacificaram que gravações ambientais realizadas por um dos interlocutores são lícitas, ainda que sem autorização do outro. O STJ firmou a tese no Recurso Especial 1.100.418/SP, e o STF reiterou o entendimento no Recurso Extraordinário 583.937/RJ (Tema 237 da repercussão geral).
No julgamento da ADPF 548, o STF também declarou que a liberdade de cátedra deve coexistir com demais garantias constitucionais, não podendo funcionar como “espaço de imunidade absoluta” para condutas de professores em sala.
Outro ponto de debate é o alcance público dos registros. Juristas destacam que, quando há interesse coletivo evidente, a liberdade de informação pode prevalecer sobre a proteção da imagem individual. No caso de Wilker Leão, os vídeos chegaram a milhões de visualizações. Nessa perspectiva, o argumento de que as gravações atendiam a uma função social enfraquece a justificativa de punição pela ausência de consentimento do professor.
O advogado André Marsiglia, especialista em Liberdade de Expressão, reforça o entendimento de que há interesse público envolvido: “Entendo que haja ali um interesse público e que a finalidade dele é a de divulgar como as universidades funcionam, como o debate é interrompido dentro das universidades. O crescimento e a monetização do canal dele são secundários, são um efeito disso. Não é o cerne, a essência, assim como o efeito da imprensa é divulgar informações, e ela pode vender jornal, tem também um efeito secundário de ganhar dinheiro com isso, mas a essência é divulgar informações. Esse é o debate e eu entendo que ele tem direito de fazer isso por essa razão, porque o foco dele é divulgar como funcionam ou não funcionam as universidades públicas”, diz o jurista.
Sobre a proporcionalidade da pena por ofensa à honra, acrescenta: “Não há ofensa na divulgação. A discussão é direito autoral versus interesse público”.
MEC silencia e atribui autonomia à universidade
O caso também foi objeto do Requerimento de Informação nº 1325/2025, protocolado pelos deputados Caroline de Toni e Carlos Jordy. O documento pedia explicações ao Ministério da Educação (MEC) e à UnB sobre os critérios utilizados para rotular estudantes de direita como “extremistas”, enquanto movimentos de esquerda atuam livremente no campus, defendendo até mesmo ideologias de matriz autoritária como o comunismo.
A resposta do MEC, porém, foi evasiva. A Secretaria de Educação Superior alegou que muitas das perguntas “extrapolavam suas competências regimentais” e que as universidades possuem autonomia garantida pelo artigo 207 da Constituição. Na prática, o ministério se eximiu de responder, transferindo a responsabilidade às próprias universidades.
A UnB, por sua vez, limitou-se a afirmar que é “essencialmente democrática” e que não há processos abertos com base em manifestações ideológicas. Contudo, enquanto no Requerimento de Informação a universidade sugere neutralidade, em sua comunicação pública assume posicionamento explícito contra o que denomina “conservadorismos”.
UnB classifica retirada de cartazes como ato de extrema-direita
Em março, após a ação de um grupo de jovens, que apagou mensagens e símbolos pintados em espaços acadêmicos do campus Darcy Ribeiro, a reitoria se pronunciou afirmando que “repudia as ações de grupos de extrema-direita ocorridos durante a última semana na UnB, bem como qualquer ato de vandalismo e intolerância dentro de seus campi.”
Enquanto repudia os atos de limpeza e retirada de cartazes, não há registro de que a Universidade tenha, em qualquer momento, tratado as pichações e cartazes originais como atos de vandalismo ou intolerância, apesar de relacionados a movimentos de extrema-esquerda.
Já em entrevista à revista Carta Capital, publicada em 11 de junho, a reitora Rozana Reigota Naves afirmou: “O ataque às universidades é um projeto da extrema-direita, e essas instituições incomodam pelo próprio histórico de resistência aos conservadorismos e autoritarismos”.
Caso Wilker Leão pode se tornar precedente sobre limites da autoridade universitária
O caso de Wilker Leão mostra como críticas estudantis e a divulgação de conteúdos podem transitar do campo do debate acadêmico para processos disciplinares internos e, posteriormente, para condenação penal. A trajetória do estudante, entre recomendações de expulsão, ausência de resposta clara do MEC e decisão judicial que resultou em pena de detenção, evidencia a interconexão de diferentes instâncias — universidade, Executivo e Judiciário — na definição dos limites da atuação discente.
A repercussão do episódio amplia sua relevância para além da situação individual. A combinação de medidas administrativas e decisão judicial estabelece um precedente sobre a forma como manifestações de alunos em sala de aula podem ser tratadas institucionalmente, com impacto direto na interpretação da liberdade de cátedra, da autonomia universitária e da proteção do interesse público no ambiente acadêmico.
Fonte. Gazeta do Povo