
Crédito, Doheny Library Collection da USC
- Author, Redação*
- Role, BBC News Mundo
As ilhas Galápagos, em frente ao litoral do Equador, no Oceano Pacífico, foram o cenário de histórias que mudaram o mundo.
A mais relembrada é a protagonizada por Charles Darwin (1809-1882). Foi a partir do seu trabalho de campo no arquipélago que o naturalista britânico formulou sua famosa teoria da evolução pela seleção natural.
Outros relatos menos conhecidos envolvem os piratas que usaram as ilhas como refúgio durante a época colonial. Ou os marinheiros que atracavam no seu litoral, para se apoderar das famosas tartarugas que lhes serviriam de alimento pelo resto da viagem.
Mas uma das histórias mais obscuras do arquipélago serviu de inspiração para o premiado diretor americano Ron Howard (o mesmo de Uma Mente Brilhante, 2001), ao criar seu novo filme, Éden.
O caso ocorreu na década de 1930 e envolveu um grupo de casais e famílias europeias que chegaram a uma das ilhas do arquipélago — Floreana — com a intenção de construir ali uma “utopia tropical”.
É uma história de dedicação, decepção, drama e até humor.
O filme retrata a vida de um grupo de alemães: a baronesa Eloise Bosquet de Wagner Wehrhorn, o médico Friedrich Ritter, sua esposa Dore Strauch Ritter e o casal Heinz y Margret Wittmer.
Todos eles chegaram àquela ilha desabitada entre 1929 e 1932. Alguns foram com a ideia de estabelecer uma espécie de colônia. Outros buscavam um lugar idílico para tirar férias.
Mas as disputas entre eles transformaram aquele paraíso em um pesadelo.
“Estas pessoas nos forneceram uma ideia fascinante”, declarou Howard à BBC.

Crédito, Vertical
“Existe suspense, traição e violência”, descreve Howard. “Existe tragédia, mas também humor e nobreza. E tudo aconteceu nas Galápagos de Darwin.”
E tudo em um contesto filosófico.
Amantes em fuga
A publicação do livro de Darwin, com sua revolucionária teoria da evolução (A Origem das Espécies, 1859), fez com que as ilhas Galápagos se transformassem em uma espécie de lenda, tanto para os pesquisadores, quanto para cidadãos europeus curiosos, que começaram a analisar a história com toda a atenção.
Em 1929, a Alemanha vivia uma forte crise econômica. Muitos dos seus moradores procuravam alternativas para sobreviver ou novos horizontes para o futuro.
Um deles era Friedrich Ritter, médico apaixonado pela Filosofia. Ele procurava aplicar à vida comum muitas das ideias do filósofo Friedrich Nietzsche (1844-1900).
Certo dia, em 1929, Ritter conheceu Dore Strauch, uma mulher doente que, graças aos seus tratamentos, melhorou sensivelmente seu estado de saúde.
Durante o processo, Ritter vai contando a ela todas as suas ideias filosóficas, especialmente seu projeto de colocar em prática uma forma alternativa de vida.
Strauch viria a escrever um livro sobre suas experiências nos anos que se seguiram, intitulado Satã Visitou o Éden. Ela destaca que a visão filosófica de Ritter a partir da medicina chamou poderosamente sua atenção.
O médico e a paciente se apaixonaram, mas havia um inconveniente: os dois eram casados.
No livro, Strauch relata que eles tomaram juntos a decisão de fugir da Alemanha rumo a um lugar onde pudessem aplicar principalmente as ideias de Nietzsche sobre o Übermensch — o super-homem.
A ideia que mais os unia era a de prosperar por meio da disciplina e da determinação, sem se importar com os desafios que aparecessem pelo caminho.
E o lugar escolhido por eles para encarar essa visão foi a ilha de Floreana, no arquipélago de Galápagos, o mesmo local onde Darwin formulou suas leis de seleção natural, onde “prospera” o mais forte.
Mas eles também começaram a manter condutas excêntricas. Como exemplo, antes da viagem, eles arrancaram os dentes, para não terem problemas odontológicos em um paraíso remoto.

Crédito, Doheny Library Collection da USC
O casal chegou à ilha em setembro de 1929.
Pouco a pouco, eles começaram a criar, em meio àquela paisagem inóspita, um espaço para viver e desenvolver suas ideias filosóficas.
Pouco tempo depois, intrigados pelas histórias publicadas na imprensa alemã, outro casal chegou à ilha para se juntar a eles: Heinz e Margret Wittmer.
Eles haviam lido sobre as façanhas de Ritter e Strauch e decidiram acompanhá-los. O principal impulso para que eles tomassem a decisão foi a saúde do filho de Heinz, que sofria de asma e poderia se beneficiar do clima da ilha.
Margret Wittmer também escreveria um livro, intitulado Agência de Correios de Floreana: uma vida extraordinária de uma mulher no fim do mundo.
Os relatos de Wittmer e Strauch contam que, embora não se considerassem amigos e existissem certas tensões, as duas famílias viveram em Floreana sem grandes problemas, até chegar a autodenominada baronesa de origem austríaca Eloise Bosquet de Wagner Wehrhorn.
Foi ali que começaram os verdadeiros conflitos.
As disputas
Segundo Strauch e Wittmer, a ideia da baronesa era totalmente oposta à dos dois casais alemães que foram os primeiros a chegar à ilha.
Elas destacam que Eloise Bosquet pretendia construir um hotel de luxo, para que os turistas desfrutassem dos prazeres e paisagens daquela ilha. Nada mais distante da noção filosófica de disciplina e determinação.
A autodenominada baronesa também chegou acompanhada por dois amantes. E um deles começou a apresentar postura hostil em relação aos dois casais alemães.

Crédito, Doheny Library Collection da USC
O conflito na ilha também se agravou por dois detalhes.
Bosquet começou a usar, desproporcionalmente e sem nenhum tipo de cuidado, os recursos (como água e alimentos) que as duas famílias haviam levado tempo para organizar e administrar.
A construção do resort também era considerada contrária ao estilo de vida que as duas famílias pretendiam levar naquela ilha.
E, além disso, Bosquet revisava as cartas que as duas famílias enviavam para a imprensa alemã e as reescrevia, de forma que ela ficasse no centro da história.
O documentário O Caso Galápagos: Quando Satã Veio ao Paraíso (2013), dos cineastas Daniel Geller e Dayna Goldfine, conta que as tensões entre os três grupos começaram a aumentar.
Os dois casais começaram a se queixar dos supostos abusos cometidos pela baronesa e seus dois amantes nos seus territórios.
No seu livro, a própria Dore Strauch relata que um dos amantes da baronesa, Rudolph Lorenz, começou a demonstrar seu desagrado por ela e um certo desconforto por precisar viver naquele lugar.
Também se observa que as dificuldades da vida na ilha distanciaram o casamento entre Friedrich Ritter e Dore Strauch.
Claramente, a ilha estava longe de ser o paraíso. Mas o que ninguém esperava era o episódio seguinte da história.
No dia 27 de março de 1934, a baronesa e um dos seus amantes, Robert Philipson, desapareceram sem deixar rastros.
Dore Strauch e Margret Wittmer apresentam versões diferentes nos seus relatos.
Segundo Wittmer, a baronesa tomou um navio que ia em direção ao Taiti. Mas, até hoje, as investigações realizadas não conseguiram encontrar rastro de nenhum navio que pudesse ter feito essa travessia a partir da ilha.
Já Strauch escreveu ter ouvido um grito na noite anterior ao desaparecimento da baronesa e que nunca viu um navio passar perto da ilha.
Os únicos objetos encontrados foram seus pertences, no local da ilha onde ela morava.

Crédito, Doheny Library Collection da USC
Mas a história não terminou ali. O outro amante da baronesa deixou a ilha pouco tempo depois, com a intenção de visitar a ilha de São Cristóvão.
Meses se passaram até que seu corpo mumificado foi encontrado na ilha de Marchena, que faz parte do arquipélago de Galápagos, mas fica em direção totalmente oposta àquela a que ele supostamente se dirigia.
Uma última morte nesta história teve causas menos intrigantes.
Poucos meses depois do desaparecimento da baronesa, Friedrich Ritter comeu um um frango deteriorado, o que causou a sua morte. E, ao se ver sozinha, sua esposa Dore decidiu voltar para a Europa.
As únicas pessoas que restaram daquela aventura foram Heinz e Margret Wittmer. Eles finalmente abriram um hotel na ilha com sua família.
Última sobrevivente de todos os envolvidos na história, Margret Wittmer morreu no ano 2000.
* Com informações do programa de rádio Cautionary Tales, da BBC.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL