Ao redor do mundo, cerca de 500 milhões de meninas e mulheres não têm acesso a itens básicos de higiene para cuidar da menstruação — o que inclui não somente absorventes e papel higiênico, mas também, em muitos cenários, falta de água e até mesmo de banheiros.
A falta de condições e de conhecimento para lidar com o sangramento menstrual de forma digna e segura é chamada de pobreza menstrual. Pode parecer algo muito longe da nossa realidade, mas, infelizmente, não é.
Segundo levantamento divulgado em 2021 pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), no Brasil, 713 mil meninas vivem em casas sem banheiro ou chuveiro e 4 milhões não têm acesso a itens de higiene íntima na escola durante o período menstrual.
Para garantir que meninas e mulheres em todo o mundo possam cuidar da própria saúde em qualquer fase de suas vidas, é preciso olhar para as comunidades onde elas vivem e propor soluções que façam sentido para aquela realidade específica.
“Um dos desafios é encontrar formas sustentáveis, tanto ambiental quanto economicamente, que façam a diferença a curto e a longo prazo na vida dessas mulheres”, afirma Marcella Regina Cardoso, especialista em saúde feminina.
Formada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), Cardoso é, atualmente, pesquisadora da Harvard Medical School, nos Estados Unidos, onde tem conduzido uma série de linhas de pesquisa. Uma delas a levou até Camarões, na África Central.
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Lições da África
Com mais de 29 milhões de cidadãos, o país tem 23% da sua população vivendo abaixo da linha da pobreza e um dos índices de desenvolvimento humano mais baixos do mundo, figurando na 155ª posição do ranking global, com 193 países.
É uma realidade difícil — ainda mais para as mulheres camaronesas. Dados da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) e outras instituições mostram que elas têm menores taxas de acesso à educação, maior risco de engravidarem na juventude e de sofrerem complicações (inclusive morte materna).
A pobreza menstrual é também uma dor dessas mulheres. “O estigma sobre a menstruação é muito grande. Em algumas regiões, as mulheres não podem ser tocadas enquanto estiverem sangrando, e são isoladas da convivência com familiares e amigos”, explica Cardoso.
Para transformar essa realidade, a empreendedora camaronesa Olivia Mvondo criou, em 2012, a Kmerpad, uma marca de absorventes reutilizáveis que ajuda a garantir conforto a quem menstrua.

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Com o objetivo de sanar os desafios relacionados à menstruação no país, outras instituições decidiram somar à causa e ajudar a construir alternativas sustentáveis para ampliar o acesso à higiene íntima.
Pesquisadores da Escola de Medicina de Harvard e do Centro de Saúde Global do Hospital Geral de Massachusetts ajudaram a implementar banheiros em escolas da região metropolitana de Iaundé, capital do país, e a aprimorar a fabricação dos absorventes produzidos. O projeto contou com financiamento da ONU Mulheres.
“Fizemos intervenções em três etapas, que incluíram desde atividades em escolas até pesquisas de quais tecidos e formatos eram mais apropriados para aguentar o sangramento”, explica a pesquisadora brasileira.
A seguir, entenda o que foi feito e como podemos aplicar este conhecimento para salvar milhões de brasileiras que vivem na pobreza menstrual.
1. Educação para todos
O primeiro passo da iniciativa foi oferecer oficinas educativas de como fazer o manejo do período menstrual. “Trabalhamos com os meninos e as meninas, para que todos tenham o conhecimento básico sobre o assunto e para que o bullying sobre o tema seja combatido”, pontua Cardoso.
2. Construção de novos banheiros
Avaliando dados socioeconômicos da região metropolitana da capital camaronesa, os pesquisadores selecionaram também escolas que não tinham banheiro e construíram o cômodo com um sistema de captação de águas da chuva.
“Assim, driblamos a dificuldade do acesso à água e aproximamos o banheiro das jovens, que, muitas vezes, precisam andar longas distâncias para fazer a higiene — principalmente à noite, no escuro, expondo-se ao risco de todo o tipo de violência”, narra a bióloga.
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3. Incentivo a costureiras locais
Também fez parte do projeto identificar qual é a melhor corte e tecido para fabricar os absorventes reutilizáveis.
“É uma forma de incentivar o comércio local, gerar empregos e garantir que as consumidoras tenham um produto que irá deixá-las confortáveis“, explica Cardoso. “Quando não há absorvente disponível, as mulheres usam os mais variados objetos para conter a menstruação, como folhas secas, pedaços de pano, jornal, algodão”.
Os absorventes podem ser reutilizados por até um ano. Eles podem ser lavados durante o banho e a ideia é que sequem em uma noite.
4. Dignidade no mercado de trabalho
O problema não para na fase escolar. O ganha-pão dessas mulheres também é prejudicado pela falta de condições de se cuidar durante o período menstrual.
“O que acontece é que elas acabam precisando se ausentar no trabalho, comprometendo a renda dessas mulheres e, consequentemente, de toda a família”, diz Cardoso. Por isso, é preciso que as empresas e empregadores também sejam sensibilizados sobre o assunto e somem no combate à pobreza menstrual.
Lições para o Brasil
A experiência camaronesa pode servir de exemplo para que iniciativas semelhantes sejam realizadas por aqui. “Não há dúvidas de esse tipo de projeto possa ser aplicado a outras áreas e reduza o contingente que vive a pobreza menstrual”, afirma Cardoso.
Em Camarões, quase 5 mil meninas e mulheres foram beneficiadas pelo trabalho.
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Fonte.:Saúde Abril