Com apenas 22 anos, Joanna Martins participou pela primeira vez do Ver-o-Peso, principal festival de gastronomia da região Norte do país, criado por seu pai, Paulo Martins (1946-2010), chef precursor na divulgação de ingredientes amazônicos no começo dos anos 1990.

Quase 25 anos depois, ela está à frente de uma versão ampliada do evento, que acontece até 14 de setembro na capital paraense, com feira de restaurantes locais, espaço para aulas, degustações e jantares especiais —que terão a presença de chefs como a confeiteira e apresentadora Carole Crema e Janaína Torres, do Bar da Dona Onça, em São Paulo.

A interação de cozinheiros vindos de outras regiões com ingredientes da cozinha amazônica é uma parte central do festival desde o início, em 2000, quando era organizado pela família e equipe do extinto restaurante de Paulo Martins, o Lá em Casa. A realização hoje é feita pelo Instituto Paulo Martins e a produtora de eventos Origem Justa.

Em visita a Belém para participar de edições anteriores, chefs como Claude Troisgros (Madame Olympe e Chez Claude), Alex Atala (D.O.M.) e Rodrigo Oliveira (Mocotó) conheceram o complexo do Ver-o-Peso, mercado a céu aberto que dá nome ao festival. No espaço, ladeado pelo rio Guajará, estão representados, em diferentes setores, os alimentos emblemáticos da cozinha paraense.

Ali, há filhote e tucunaré, no mercado de peixes, chicória-do-pará, erva usada para fazer tacacá, maniva, folha de mandioca moída e cozida para fazer maniçoba, e, claro, jambu —planta que provoca dormência na boca que é protagonista de “Jamburana”, música de Dona Onete.

“Nessas visitas a gente vê as pessoas descobrindo ingredientes e refletindo sobre o que comemos aqui”, diz Joanna Martins.

Nesta 15ª edição, os chefs Morena Leite, do grupo Capim Santo, Benê Souza, responsável pela cozinha do Z Deli, e Telma Shimizu, do Aizomê, também circularam pelas bancas de frutas, ervas e garrafas de tucupi à venda no mercado Ver-o-Peso em visita para participar do primeiro fim de semana do evento gastronômico.

A conexão dos moradores da capital paraense com sua cultura alimentar chamou a atenção do chef Benê Souza, do Z Deli. “Todos têm o seu peixe preferido, o seu produtor de farinha de confiança e essa escolha vai muito além do gosto. É sobre reconhecer no prato a memória de um povo”, afirma ele.

Além do festival, Telma Shimizu conheceu Tomé-Açu, cidade no interior paraense que abriga uma grande comunidade nipo-brasileira conhecida pela produção de pimenta-do-reino décadas atrás. Depois de ser afetada por uma praga, a região agora cultiva, em sistema agroflorestal, açaí, cupuaçu e principalmente cacau.

“Foi muito bonito ouvir dos agricultores que após a perda na cultura da pimenta, a solução foi observar como os povos originários e ribeirinhos manejavam os recursos da floresta.”

No evento, a chef, que estuda a história dos imigrantes japoneses no Brasil, preparou um espetinho de peixe com missô e taperebá, oniguiri com furikake amazônico e conserva de maxixe ao lado da boieira Milene Sales —boieiras são as responsáveis pela bóia, a comida servida no mercado Ver-o-Peso.

“Dentro do meio gastronômico, o Pará já está bem posicionado. Mas para a maioria das pessoas ainda somos exóticos. Gostaria que a gente chegasse em um lugar em que pudesse se reconhecer enquanto país”, afirma Joana Martins. Nesta semana, foi lançado “Memórias de um Filho do Fogão” (ed. Lettera), uma biografia sobre seu pai.

Festival Ver-O-Peso da Cozinha Paraense

Feira de restaurantes: até 14 de setembro. Entrada: R$ 50 (R$ 25 revertidos em crédito). Shopping Bosque Grão-Pará – Av. Centenário, 1.052, Val-de-Cans, Belém, Pará. @veropesodacozinha

A jornalista viajou a convite do festival Ver-o-Peso