Artigo escrito por Filippo Pedrinola, doutor em Endocrinologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Membro da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade (Abeso) e da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM). Certificado pelo Benson Henry Institute-Harvard em Medicina Mente-Corpo. Autor do livro “Um convite à saúde” e de várias publicações internacionais em revistas indexadas da área.
A ideia de que o intestino seria um “segundo cérebro” pode parecer curiosa, mas possui fundamentos sólidos na ciência.
Ora, o intestino abriga o chamado sistema nervoso entérico, uma complexa rede com mais de 100 milhões de neurônios — número comparável ao da medula espinhal. Esse sistema atua de forma autônoma, regulando a digestão e os movimentos intestinais, mas, sobretudo, mantém comunicação constante com o cérebro.
Como funciona o diálogo entre intestino e cérebro
Esse diálogo ocorre principalmente através do nervo vago, uma verdadeira “via expressa” entre o intestino e o sistema nervoso central. Por meio dele, sinais químicos e elétricos circulam em mão dupla, influenciando não apenas funções digestivas, mas também aspectos relacionados ao humor, ao sistema imunológico e até ao risco de desenvolver doenças neurológicas.
Nos últimos anos, estudos têm mostrado que alterações no eixo intestino-cérebro podem estar envolvidas na gênese de doenças neurodegenerativas como Parkinson e Alzheimer.
Pesquisas sugerem que processos inflamatórios, proteínas mal formadas e metabólitos produzidos no intestino podem viajar até o cérebro, contribuindo para a degeneração neuronal. Isso reforça a ideia de que o cuidado com a saúde intestinal pode ter impacto não só no bem-estar físico e mental imediato, mas também na prevenção de condições crônicas do envelhecimento.
Microbiota intestinal: peça-chave da saúde
Outro protagonista desse diálogo é a microbiota intestinal — o conjunto de trilhões de bactérias e outros micro-organismos que habitam nosso intestino. Eles produzem metabólitos e neurotransmissores, como serotonina, dopamina e GABA, capazes de influenciar o humor, o sono, a resposta ao estresse e a imunidade. Estima-se que até 90% da serotonina do corpo seja produzida no trato gastrointestinal.
Mas é importante diferenciar ciência de mito: o intestino não “pensa” ou “sente” como o cérebro. O que existe é uma rede complexa de comunicação bidirecional, que pode modular profundamente a saúde mental e física.
Enquanto há evidências crescentes ligando a disbiose intestinal a quadros como ansiedade, depressão, doenças autoimunes e neurodegeneração, ainda não podemos afirmar que probióticos ou suplementos específicos sejam capazes de tratar ou curar essas condições isoladamente.
+Leia também: Prebióticos e probióticos: o que são, para que servem e como usar
O futuro da medicina passa pelo eixo intestino-cérebro
Como um dos diretores do congresso internacional Gut-Brain, que já está em sua terceira edição discutindo especificamente essa interação, e coautor do livro Eixo Intestino-Cérebro (clique aqui para comprar), publicado recentemente pela editora Manole, posso afirmar que estamos diante de um dos campos mais promissores da medicina contemporânea.
Entender a integração entre alimentação, microbiota, sistema nervoso entérico e cérebro é um passo essencial para promover saúde, prevenir doenças e ampliar a longevidade saudável.
Assim, chamar o intestino de “segundo cérebro” é uma metáfora útil para traduzir sua importância, desde que entendamos seus limites. O intestino não substitui o cérebro, mas conversa intensamente com ele — e cuidar da saúde intestinal significa, também, cuidar da mente e do futuro neurológico.
(Este texto foi produzido em uma parceria exclusiva entre VEJA SAÚDE e Brazil Health)
Fonte.:Saúde Abril