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- Author, Freya Higgins-Desbiolles
- Role, The Conversation *
Neste quente verão europeu, os protestos contra o turismo — de Barcelona a Veneza, passando por Maiorca e Ilhas Canárias — estamparam as manchetes.
Mas essas manifestações não se restringem à Europa.
Além disso, no início deste ano, o conselho de turismo do Japão notificou os australianos a mudarem suas viagens a Tóquio e Kyoto— onde havia acusações de turistas assediando gueixas— para destinos menos visitados.
Embora esse movimento contra o turismo excessivo na Europa aconteça pelo menos desde 2017, este ano representa um marco: pela primeira vez, ativistas de todo o continente coordenaram seus protestos.
Moradores locais recorreram a pichações contra o turismo em Atenas, na Grécia. Na Itália, em Portugal e na Espanha, foram registrados ataques com pistolas de água. Já em Veneza, na Itália, foi feita uma marcha aquática contra os cruzeiros.
Isso levou as autoridades a emitirem alertas de segurança para viajantes que viajam para a Europa durante o verão.
As reclamações mais comuns estão relacionadas a superlotação, moradias inacessíveis e danos a espaços físicos e naturais.
Em outras partes do mundo também há preocupação com políticas de turismo desequilibradas, a insensibilidade dos visitantes e a especulação imobiliária.
Mas os protestos locais contra o turismo não são novos. Eles têm uma longa história: da Roma Antiga e de Brighton do século 19 ao Havaí e Caribe, após a ascensão do turismo de massa na década de 1950.
A Roma Antiga e Brighton do século 19
A rejeição aos turistas remonta ao início das “escapadas”.
Em 51 d.C, o filósofo Sêneca escreveu sobre aqueles que fugiam de Roma para ir à praia:
“Por que eu deveria ver bêbados cambaleando por aí ou festas barulhentas em barcos? Quem quer ouvir as brigas dos cantores noturnos?”

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Isso poderia ser dito por qualquer morador que sofre com os excessos alcoólicos do “turismo de despedidas de solteiro” na Amsterdã atual, na Holanda.
O choque cultural entre a vida dos moradores, voltada para o trabalho e a família, e o espírito “despreocupado” dos visitantes é atemporal.
As bases modernas do turismo atual estabeleceram-se no século 19, no Reino Unido.
Entre elas estavam as agências de viagem criada por Thomas Cook, o desenvolvimento das ferrovias e dos navios a vapor e uma cultura baseada no que ficou conhecido como o Grande Tour europeu.
Os protestos e o sentimento antiturismo se desenvolveram rapidamente.
No Reino Unido, por exemplo, os ricos começaram a passar suas férias no litoral. Resorts foram construídos para atendê-los, mas o fluxo desses recém-chegados passou a afetar a vida dos moradores.
Os motins da costeira cidade de Brighton de 1827 marcaram um dos primeiros confrontos.
Depois que os turistas reclamaram das redes de pesca que ocupavam a praia e da presença mal-humorada de pescadores, os barcos de pesca foram removidos da costa.
Os protestos foram reprimidos, os barcos retirados da praia principal da cidade e a sensibilidade dos turistas apaziguada.
Na década de 1880, vários protestos tiveram como objetivo impedir que trens cheios de visitantes chegassem ao pitoresco Lake District (Distrito dos Lagos), no Reino Unido.
“As manadas estúpidas de turistas modernos são despejadas como carvão de um saco em Widermere e Keswick”, escreveu o filósofo John Ruskin.
Os manifestantes alcançaram pelo menos uma vitória temporária.
Cruzeiros, parques temáticos e marketing
Contudo, desde a Segunda Guerra Mundial, o catalisador dos protestos tem sido a “massificação” do turismo, como consequência de uma indústria globalizada e comercializada, cujos símbolos foram os cruzeiros, os aviões jumbo e os grandes parques temáticos.
O turismo em massa foi o resultado do crescimento da classe média, que passou a ter férias remuneradas.
Os sistemas de transporte fizeram com que o turismo ficasse mais barato, acessível e amplo.
Desenvolveu-se uma cultura na qual certos segmentos da população mundial passaram a considerar as férias frequentes como um direito, em vez de um privilégio excepcional.
O livro The Golden Hordes (As Hordas Douradas, em tradução livre) inclui um capítulo intitulado Paradise Rejected (O paraíso rejeitado), em que se documenta o sentimento antiturismo local, do Caribe ao Havaí e à Europa.
Os autores, Louis Turner e John Ash, relatam incidentes violentos antiturismo que aconteceram na década de 1970 em lugares como a Jamaica.
Os governos frequentemente se promoviam com “campanhas do sorriso” para incentivar os turistas a considerarem suas nações como possíveis destinos.
Isso acontecia enquanto muitos desses países estavam em processo de descolonização e traçando caminhos rumo à independência.

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Os indígenas kanaka ma’oli do Havaí vêm protestando há décadas, à medida que a indústria se desenvolveu.
Além disso, no Havaí, o turismo se baseou em parte no abuso de sua cultura, especialmente na comercialização do aloha, idealizando seu modo de vida de forma estereotipa para atrair as fantasias exóticas dos viajantes.
Muitos dos protestos no Havaí ocorrem nas praias, onde os moradores informam os visitantes sobre o contexto político e a crise habitacional provocada pelo turismo.
A partir e 2004, alguns ativistas locais começaram a criar “desvios” para os visitantes, com o objetivo de compartilhar com eles as opiniões dos moradores locais e contar histórias afastadas da narrativa comercial.
Recentemente, após a rápida abertura do turismo depois dos incêndios de Maui, de 2023, os havaianos decidiram protestar com uma “pescaria” em massa.
Uma coalizão organizou os moradores para se posicionarem com varas e ferramentas de pesca em frente aos resorts da praia de Kaanapali, com objetivo de chamar a atenção para a falta de moradias permanentes para os residentes e para a lentidão da recuperação após o desastre.
Esse é um exemplo claro de turistificação, em que os moradores sentem que o sucesso do turismo é priorizado em detrimento do bem-estar local.
Também vivemos em uma época em que se testemunha a competição entre os governos para sediar megaeventos esportivos, em parte pelos benefícios turísticos que vêm disso.
No Brasil, várias manifestações foram registradas — e reprimidas pelas forças policiais — por causa do alto custo para a realização da Copa do Mundo de 2014.
Os protestos podem, em breve, dar lugar a estratégias comunitárias mais abrangentes.
Movimentos sociais contra o turismo excessivo e a turistificação já estão sendo organizados.
Recentemente, uma conferência realizada em Barcelona, convocada pela rede global Stay Grounded, reuniu participantes de toda a Europa para criar coalizões e empoderar as comunidades.
Olhando para trás, o “antiturismo” pode ser um termo equivocado. Os moradores não são necessariamente contra os turistas ou contra o turismo. Eles se opõem a visitantes desrespeitosos, a uma indústria movida pelo crescimento a qualquer custo e a governos que não conseguem administrar de forma eficaz o interesse de seus moradores.
Há muito tempo, está claro que precisamos melhorar, e as comunidades locais, cansadas, estão tomando as medidas.
* Freya Higgins-Desbiolles é professora adjunta titular de Gestão Turística da Universidade da Austrália do Sul.
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em inglês).
Fonte.:BBC NEWS BRASIL