O ator e diretor Robert Redford morreu na manhã desta terça-feira (16), aos 89 anos, em Utah, nos Estados Unidos. Ao longo da carreira, o artista se tornou um premiado diretor, estrelou sucessos que ajudaram os Estados Unidos a se entender, lutou por causas ambientais e fomentou o movimento do cinema independente de Sundance.
Sua morte, perto da cidade de Provo, foi anunciada em um comunicado por Cindi Berger, diretora executiva da empresa de publicidade Rogers & Cowan PMK. Ela disse que o artista morreu dormindo, mas não divulgou a causa da morte.
Descontente com a abordagem simplista de Hollywood para a produção cinematográfica, Redford normalmente exigia que seus filmes tivessem peso cultural, em muitos casos fazendo com que temas sérios como luto e corrupção política ganhassem visibilidade graças a sua fama.
Como ator, seus maiores sucessos incluem “Butch Cassidy e o Sundance Kid” (1969), com seu olhar amoroso sobre bandidos em um Oeste moribundo, e “Todos os Homens do Presidente” (1976), sobre o caso Watergate.
Em “Três Dias do Condor” (1975), ele interpretou um introvertido decifrador de códigos da CIA, preso em um jogo de gato e rato. “Golpe de Mestre” (1973), sobre vigaristas durante a Grande Depressão, rendeu a Redford sua primeira e única indicação ao Oscar como ator.
Redford foi um dos protagonistas preferidos de Hollywood por décadas, seja em comédias, dramas, seja em thrillers; os estúdios frequentemente o vendiam como um símbolo sexual. Sua atuação como protagonista romântico se deve muito às atrizes de peso com quem ele contracenava — Jane Fonda em “Descalços no Parque” (1967), Barbra Streisand em “Nosso Amor de Ontem” (1973), Meryl Streep em “Entre Dois Amores” (1985).
“Redford nunca foi tão radiantemente glamoroso”, escreveu a crítica Pauline Kael na revista The New Yorker, “como quando o vimos através dos olhos apaixonados de Barbra Streisand”.
Ele se dedicou à direção aos 40 anos e ganhou uma estatueta no Oscar por seu primeiro trabalho, “Gente como a Gente” (1980), sobre a desintegração de uma família de classe média alta após a morte de um filho. “Gente como a Gente” ganhou outras três estatuetas no Oscar, incluindo o de melhor filme.
Seu próximo filme como diretor, “Rebelião em Milagro” (1988), um drama cômico sobre um fazendeiro do Novo México a quem foram negados direitos sobre a água por empreendedores, foi um fracasso. Mas Redford se recusou a buscar material menos nichado.
Em vez disso, dirigiu e produziu “Nada É Para Sempre” (1992), um drama de época sobre pescadores refletindo sobre questões existenciais, e “Quiz Show” (1994), sobre um notório escândalo televisivo dos anos 1950. “Quiz Show” foi indicado a quatro estatuetas do Oscar, incluindo melhor filme e melhor diretor.
Talvez o maior impacto cultural de Redford tenha sido como empresário de cinema independente. Em 1981, ele fundou o Sundance Institute, uma organização sem fins lucrativos dedicada a cultivar novas vozes cinematográficas. Ele assumiu um festival de cinema em dificuldades em Utah em 1984 e o renomeou em homenagem ao instituto alguns anos depois.
O Festival de Cinema de Sundance, em Park City, tornou-se uma vitrine global e um mercado livre para filmes americanos produzidos fora de Hollywood. Com o entusiasmo gerado pela descoberta de talentos como Steven Soderbergh, que revelou seu “Sexo, Mentiras e Videotape” no festival em 1989, o Sundance tornou-se sinônimo de vanguarda criativa.
Os diretores Quentin Tarantino, James Wan, Darren Aronofsky, Nicole Holofcener, David O. Russell, Ryan Coogler, Robert Rodriguez, Chloé Zhao e Ava DuVernay foram incentivados pelo Sundance no início de suas carreiras. O festival também se tornou uma das principais vitrines do mundo para documentários, em particular aqueles centrados em temas progressistas como direitos reprodutivos, questões LGBTQ+ e mudanças climáticas.
Redford reclamou do turbilhão comercial que o festival criou, que cresceu para mais de 85.000 participantes em 2025, de algumas centenas no início da década de 1980.
“Quero que os marqueteiros , as marcas de vodca, os vendedores de sacolas de presente e as Paris Hiltons — sumam para sempre”, disse Redford a um repórter durante o festival de 2012, enquanto caminhava penosamente com botas de neve para uma exibição, com um jovem assistente atrás dele se esforçando para acompanhá-lo. “Eles não têm nada a ver com o que está acontecendo aqui!”
Preferindo a vida em seu rancho isolado em Utah, Redford criou a imagem de uma estrela relutante. Sua carreira em Hollywood, insistia com sua teimosia característica, era incidental às suas reais preocupações, uma das quais era o meio ambiente. De muitas maneiras, ele criou o arquétipo do ator ambientalista que estrelas como Leonardo DiCaprio e Mark Ruffalo adotariam.
Redford não gostava de ser chamado de ativista, um rótulo que considerava severo demais. Mas ele era um ativista.
Em 1970, ele fez campanha com sucesso contra uma rodovia de seis pistas que foi proposta em um cânion de Utah. Em 1975, moradores de uma cidade de Utah enforcaram um boneco que reproduzia as feições de Redford.
O protesto aconteceu após a construção de uma usina a carvão ter sido suspensa em meio a críticas do ator. Uma placa no boneco pendurado dizia: “Sou uma estrela. Ganhei meu dinheiro.”
Por três décadas, Redford foi membro do Conselho de Defesa dos Recursos Naturais. De tempos em tempos, pessoas com prioridades semelhantes o incentivavam a disputar um cargo político. Ele ignorou essas discussões, tendo se desiludido com a política no final da década de 1970, quando foi eleito comissário do esgoto do distrito de Provo Canyon.
“Nasci com um olhar duro”, disse ele ao The Hollywood Reporter em 2014. “Do jeito que eu via as coisas, percebia o que estava errado. Eu conseguia ver o que poderia ser melhor. Desenvolvi uma visão meio sombria da vida, olhando para o meu próprio país.”
Charles Robert Redford Jr. nasceu em 18 de agosto de 1936, em Santa Monica, Califórnia. Seus pais, Charles Redford e Martha Hart, casaram-se três meses depois. No início de sua carreira, os publicitários da 20th Century Fox oficialmente situaram o nascimento de Redford em 1937, uma mentira que se repetiu com frequência ao longo dos anos.
Depois de trabalhar como leiteiro, o pai de Redford tornou-se contador e acabou sendo contratado pela Standard Oil da Califórnia. Sua mãe morreu em 1955, quando Redford tinha 18 anos; a causa foi um distúrbio sanguíneo associado ao nascimento de gêmeas, que viveram pouco tempo, deixando Redford filho único.
Mais tarde, Redford, em dezenas de entrevistas, contou e recontou a história de sua juventude na Califórnia. Era uma história em que os detalhes às vezes mudavam. Ele gostava de se retratar como um delinquente juvenil, às vezes mencionando brigas de gangues, outras vezes roubo de calotas e noites passadas na prisão. “Havia um grande medo de acabar como um vagabundo”, disse ele ao TV Guide em 2002.
Pouco se mencionou suas primeiras conexões com o show business que sugerissem a possibilidade de um futuro nas telas, embora ele tenha contado que foi motivo de piada na Warner Bros. aos 15 anos, quando pediu para fazer dublês.
Na verdade, em escolas no oeste de Los Angeles, ele conviveu com os filhos do roteirista Robert Rossen (“The Hustler”), do ator Zachary Scott (“Mildred Pierce”) e da presidente da Metro-Goldwyn-Mayer, Dore Schary.
Em 1959, Schary produziu uma peça na Broadway, “The Highest Tree”, na qual Redford teve um de seus primeiros papéis no palco. Ele havia estreado na Broadway no início daquele ano em “Tall Story”, na qual teve um papel de uma única fala. Sua aparição de maior sucesso na Broadway foi na comédia de sucesso de Neil Simon sobre recém-casados, “Barefoot in the Park”, em 1963, dirigida por Mike Nichols e coestrelada por Elizabeth Ashley.
Após o ensino médio, Redford frequentou a Universidade do Colorado com uma bolsa de beisebol, mas logo desistiu, irritado com o excesso de “burocracia”, como ele mesmo disse. Por mais de um ano, ele viajou pela Europa, onde estudou arte na École des Beaux-Arts de Paris, aspirou à pintura e — passando pelo que mais tarde descreveu como uma depressão profunda — vendia esboços de calçada por alguns trocados.
De volta a Los Angeles, trabalhou em campos de petróleo e conheceu vários estudantes mórmons que foram enviados para proselitismo após o primeiro ano na Universidade Brigham Young, em Utah. Ele namorou uma delas, Lola Van Wagenen, e se casou com ela em 1958.
O casal se estabeleceria em Utah. “Não é tentar fingir ser algo que não é”, disse ele à revista Rocky Mountain em 1978, comparando Utah a Los Angeles, que ele chamou de falsa e superficial. “Não te convida para entrar e depois te dá um chute na canela.” Os críticos de cinema adoravam chutar Redford.
Em 1974, sua atuação como Jay Gatsby em “O Grande Gatsby” recebeu desdém quase universal, com Kael escrevendo que Redford “não conseguia transcender sua imaculada autoabsorção”. Robert Mazzocco, crítico da The New York Review of Books, escreveu que Redford “tem as emoções de uma gravação telefônica”.
A resposta foi tão dura que o The New York Times interveio com um artigo com a manchete “Por que estão sendo tão maldosos com ‘O Grande Gatsby’?”. O escritor, Foster Hirsch, então enumerou os motivos. “Gatsby é um dos grandes perdedores da literatura americana”, dizia o artigo. “Será que Redford, com sua aparência de modelo masculino, se encaixa nessa descrição?”
Redford gostava de ser um símbolo sexual, exceto quando não gostava. “Essa imagem de glamour pode ser uma verdadeira desvantagem”, reclamou em um perfil de 1974 no The New York Times.
No entanto, foi seu sorriso largo, cabelo ruivo-avermelhado desgrenhado e visual tipicamente americano que primeiro conquistaram o público. “Butch Cassidy e o Sundance Kid” foi um filme bem recebido pela crítica, mas teve sucesso de bilheteria em grande parte porque Redford foi escalado para atuar com outro ídolo das matinês, Paul Newman. Eles repetiram o feito em 1973, para o mesmo diretor, George Roy Hill, com “Golpe de Mestre”.
Ao analisar “Golpe de Mestre” para o Times, Vincent Canby descreveu o filme como “Sr. Newman e Sr. Redford, vestidos com seus melhores chapéus de abas de pressão, prontos para matar, esplendor dos anos 1930, parecendo dois caras em anúncios antigos de camisetas da Arrow”.
Seus outros sucessos como ator incluem “Jeremiah Johnson” (1972), sobre uma lenda em sua época, e “Um Homem Natural” (1984), a história tipicamente americana de um homem que recebe uma segunda chance na carreira dos seus sonhos no beisebol.
“Sneakers” (1992), um filme leve estrelado por Redford como um hacker de segurança, refletiu sua disposição ocasional de abraçar o cinema pipoca.
O filme de maior bilheteria de Redford como ator (sem contar dois filmes da Marvel no final de sua carreira, nos quais desempenhou papéis coadjuvantes) foi o conto moralista de 1993 “Proposta Indecente”, coestrelado por Demi Moore e Woody Harrelson, que arrecadou US$ 267 milhões, ou US$ 590 milhões em valores atuais.
Em sua crítica de “Proposta Indecente” para o Times, Janet Maslin chamou Redford de “um dos grandes flertadores da tela”.
O casamento de Redford com Van Wagenen gerou quatro filhos: Shauna, Amy, David James (conhecido como Jamie) e Scott, que morreu de síndrome da morte súbita infantil aos 2 meses e meio. O casamento terminou em divórcio em 1985. Redford casou-se com Sibylle Szaggars, uma artista alemã que conheceu no Instituto Sundance, em 2009.
Naquela época, Redford já havia visto sua família passar por luto e trauma que ocasionalmente rivalizavam com o que ele retratou em “Gente como a Gente”. Em 1983, o namorado de sua filha Shauna, Sidney Lee Wells, foi morto a tiros no Colorado.
O incidente alimentou as tendências reclusas de Redford, de acordo com “Robert Redford: The Biography” (2011), de Michael Feeney Callan. Shauna posteriormente sobreviveu a um terrível acidente de carro que deixou seu veículo submerso na água, com ela dentro.
Assim que Redford começou “Quiz Show”, ele viu seu filho Jamie passar por dois transplantes de fígado que o ajduaram a superar os efeitos de uma doença crônica. Jamie morreu de câncer nas vias biliares em 2020, aos 58 anos.
Além da esposa, entre os sobreviventes estão suas filhas Shauna Schlosser Redford e Amy Redford, e sete netos.
As finanças de Redford sofreram com o passar dos anos, em parte porque alguns empreendimentos comerciais foram inoportunos. Uma rede de cinemas planejada, a Sundance Cinemas, fracassou em 2000, quando um sócio entrou com pedido de recuperação judicial.
Em 2002, Redford levantou capital vendendo metade de seu catálogo no Sundance, um empreendimento de venda por correspondência. Um remédio mais amargo foi a venda, em 2008, de sua participação no canal a cabo Sundance Channel para a Rainbow Media, que operava o rival Independent Film Channel.
A crise financeira pode ter contribuído para os motivos que o levaram, no final da vida, a se dedicar à carreira de ator. Em 2013, ele foi o único ator em “Até o Fim”, sobre um marinheiro lutando para sobreviver no mar. O papel exigiu que Redford, então com 75 anos, passasse longos dias em um tanque de água no set do filme na Califórnia.
“Até o Fim “, que quase não tinha diálogos, acabou sendo uma decepção para Redford: ele foi esnobado pelos eleitores do Oscar. O astro, por sua vez, criticou duramente a distribuidora do filme, a Roadside Attractions.
“Não tínhamos uma campanha para entrar no mainstream”, disse ele aos repórteres com a franqueza característica em uma entrevista coletiva no Sundance. “Eles não queriam gastar o dinheiro, ou eram incapazes.”
Os últimos papéis de Redford como ator incluem “Nossas Noites” (2017), um romance sobre amor na velhice, coestrelado por Fonda, e “O Velho e a Arma” (2018), um drama baseado em uma história real sobre um assaltante de banco septuagenário. Ele se aposentou da atuação, em parte porque estava com problemas de mobilidade; décadas cavalgando e jogando tênis haviam causado estragos em seu corpo de 1,78 m.
Ao longo de sua carreira, Redford insistiu, questionou, questionou e insistiu. Sua tenacidade lhe foi útil já em 1969, quando se preparava para interpretar o Sundance Kid. O presidente da 20th Century Fox, Richard D. Zanuck, disse a Redford para raspar o bigode de bandido que havia deixado crescer para o papel. Ele recusou. “Fui autêntico”, disse Redford a Callan, seu biógrafo. “Consegui o que queria.”
Fonte.:Folha de S.Paulo