
Crédito, Reuters
- Author, Aoife Walsh
- Role, Da BBC News em Washington
No comentário, Kimmel parecia sugerir que o suspeito de matar Kirk é um apoiador de Trump. Autoridades investigando o caso dizem que o suspeito foi “doutrinado com ideologia de esquerda”.
A ABC cancelou o programa depois que a Comissão Federal de Comunicações (FCC, na sigla em inglês), liderada por um indicado de Trump, ameaçou tomar medidas regulatórias, levantando preocupações de que o governo Trump esteja restringindo a liberdade de expressão de seus críticos.
Trump: ‘talvez a licença devesse ser retirada’
“Li em algum lugar que as redes estavam 97% contra mim, novamente, 97% negativas, e mesmo assim eu ganhei facilmente [na eleição do ano passado]”, disse o presidente.
“Eles só me dão publicidade ruim. Quer dizer, eles ganharam uma licença. Eu acho que talvez a licença deles devesse ser retirada.”
Em um monólogo no seu programa de TV na segunda-feira (15/9), Kimmel havia dito que a “gangue Maga” [em referência ao Make America Great Again, o movimento político conservador de Trump] estava “tentando desesperadamente caracterizar esse rapaz que assassinou Charlie Kirk como algo diferente de um deles” e tentando “ganhar pontos políticos com isso”.
Ele também comparou a reação de Trump à morte de seu aliado político de 31 anos a “como uma criança de quatro anos lamenta a morte de um peixinho dourado”.
Kimmel condenou o ataque e enviou “amor” à família Kirk logo após o assassinato.
O presidente da FCC, Brendan Carr, acusou Kimmel de ter “a conduta mais doentia possível” e disse que empresas como a ABC, de propriedade do grupo Disney, poderiam “encontrar maneiras de mudar sua conduta e tomar medidas… ou haverá mais trabalho para a FCC”.
Carr disse à rede conservadora Fox na quinta-feira (19/9): “Continuaremos responsabilizando essas emissoras pelo interesse público — e se as emissoras não gostarem dessa solução simples, elas podem entregar sua licença à FCC.”
A FCC tem poder regulatório sobre as principais redes, como a ABC, bem como sobre as emissoras locais que transmitem o seu conteúdo. Proprietários de emissoras locais também podem influenciar as principais redes, recusando-se a transmitir programas.

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A suspensão de Kimmel foi anunciada logo após a Nexstar Media, uma das maiores donas de emissoras de TV dos EUA, dizer que não transmitiria o programa do apresentador “no futuro próximo”, pois seus comentários foram “ofensivos e insensíveis”.
Carr elogiou a Nexstar — que atualmente está buscando a aprovação da FCC para uma fusão de US$ 6,2 bilhões com outra empresa de mídia, a Tegna — e disse que espera que outras emissoras sigam seu exemplo.
A Sinclair, maior afiliada da ABC nos EUA, disse que transmitirá um programa especial em memória a Kirk durante o horário do programa Jimmy Kimmel Live! na sexta-feira.
Um homem de 22 anos foi acusado na terça-feira (16/9) de homicídio qualificado. Os promotores afirmam que vão pedir a pena de morte.
Juristas dizem que a primeira emenda da Constituição dos EUA, que protege a liberdade de expressão, impediria a FCC de revogar licenças devido a divergências políticas.
Mas Joe Strazullo, ex-roteirista do Jimmy Kimmel Live!, disse à BBC que havia uma atmosfera de medo entre os roteiristas do programa.
“É de partir o coração ver a ameaça de eles ficarem sem trabalho”, disse. “Ninguém sabe exatamente o que está acontecendo ainda, e eles estão resolvendo as coisas nos bastidores.”
Apoio a Kimmel e indignação
Escritores, atores e democratas proeminentes condenaram a suspensão de Kimmel.
O ex-presidente dos EUA, Barack Obama, disse que o governo Trump levou a cultura do cancelamento a um “nível novo e perigoso ao ameaçar rotineiramente com ações regulatórias as empresas de mídia, a menos que elas amordacem ou demitam repórteres e comentaristas dos quais não gostam”.
Apresentadores de programas noturnos se uniram em apoio a Kimmel.
Em um raro episódio do The Daily Show no meio da semana, o comediante Jon Stewart zombou da restrição à liberdade de expressão sob o atual governo.
Stewart descreveu a si mesmo como um “apresentador patrioticamente obediente” e seu programa como “em conformidade com o governo”. Em seguida, referiu-se a Trump como um “querido líder” que vem “agraciando a Inglaterra com seu lendário calor e esplendor”.
Em um segmento posterior de seu programa, Stewart entrevistou Maria Ressa, que recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 2021 por sua luta pela liberdade de expressão e democracia nas Filipinas durante o governo do ex-presidente Rodrigo Duterte.
O que está acontecendo nos EUA é “idêntico ao que aconteceu nas Filipinas”, disse Ressa. “É tanto déjà vu quanto Transtorno de Estresse Pós-Traumático.”
O ator Ben Stiller disse que o que aconteceu com Kimmel “não está certo”. A estrela da série Medíocres, Jean Smart, disse que ficou “horrorizada com o cancelamento”.
“Isso é censura descarada”, disse Stephen Colbert em seu programa rival na CBS. “Com um autocrata, você não pode ceder um centímetro.”
A CBS anunciou em julho que não renovaria o programa de Colbert, alegando que isso se devia a pressões financeiras.
O Writers Guild of America e o Screen Actors Guild, dois sindicatos de Hollywood, condenaram a suspensão de Kimmel como uma violação dos direitos constitucionais de liberdade de expressão.
Mas outros sustentaram que a FCC e a ABC agiram adequadamente.
“Quando uma pessoa diz algo que muitas pessoas consideram ofensivo, rude e idiota em tempo real e depois é punida por isso, isso não é cultura do cancelamento”, disse Dave Portnoy, fundador da empresa de mídia Barstool Sports.
“Isso são consequências para suas ações.”
O apresentador do programa noturno Fox, Greg Gutfeld, argumentou que Kimmel havia “deliberada e enganosamente” culpado os “aliados e amigos” de Kirk por sua morte.
O apresentador britânico Piers Morgan disse que Kimmel causou “indignação compreensível em toda a América”, acrescentando: “Por que ele está sendo tratado como uma espécie de mártir da liberdade de expressão?”
Mas uma das colegas de Carr na FCC, a democrata Anna Gomez, criticou a posição do regulador.
Ela disse que “um ato indesculpável de violência política por parte de um indivíduo perturbado nunca deve ser explorado como justificativa para censura ou controle mais amplo”.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL