
Crédito, CBS/NBC via Getty Images
- Author, Ian Youngs
- Role, Repórter de cultura, BBC News
- Author, Alicia Hernández
- Role, BBC News Mundo
Com fortes críticas e humor muito incisivo, o mundo do entretenimento reagiu à suspensão pela rede ABC, de propriedade da Disney, do programa de Jimmy Kimmel, após os comentários do apresentador sobre o assassinato de Charlie Kirk no seu espaço humorístico.
Basicamente, Kimmel declarou, na segunda-feira (15/9), que “a gangue Maga [Make America Great Again, o movimento político conservador do presidente Donald Trump] está tentando desesperadamente caracterizar esse rapaz que assassinou Charlie Kirk como algo diferente de um deles e fazendo todo o possível para ganhar pontos políticos com isso”.
A Comissão Federal de Comunicações dos Estados Unidos (FCC, na sigla em inglês) ameaçou tomar medidas a respeito. E, pouco depois, a rede decidiu retirar o programa do ar “indefinidamente”.
A decisão gerou uma onda de comentários de distintos tons.
O comediante Stephen Colbert defendeu veementemente seu colega. Ele iniciou seu programa The Late Show, transmitido pela rede CBS, afirmando que “esta noite, todos nós somos Jimmy Kimmel” e que a eliminação daquele espaço é um “flagrante ataque à liberdade de expressão”.
Colbert também classificou o ato como “censura” e alertou sobre os perigos que, a seu ver, traz a medida tomada pela rede de TV.
“Com um autocrata, não se pode ceder nem um pouco”, declarou ele. “Se a ABC acredita que, com isso, irá satisfazer o regime, eles são terrivelmente ingênuos.”
Outros apresentadores, como Jon Stewart, Seth Meyers e Jimmy Fallon, abordaram o tema da liberdade de expressão com sketches cômicos nos quais, aparentemente, eles se viam obrigados a elogiar o presidente Donald Trump.
Seus programas foram produzidos pouco depois de Trump ter afirmado que as principais redes de TV americanas são esmagadoramente contra ele e poderiam perder suas concessões.

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‘Parte de um plano’
“Digo a Jimmy que estou 100% com você e sua equipe”, declarou Colbert. Ele destacou que esta medida foi a “última e mais audaciosa ação de uma campanha contra os críticos dos meios de comunicação”.
O próprio Colbert teve seu programa cancelado para a próxima temporada. A CBS declarou em julho que a decisão foi “puramente financeira”, mas alguns observadores vincularam a medida a uma iminente decisão federal sobre uma fusão envolvendo a Paramount, empresa dona da CBS.

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Ao suspender Kimmel, a Nexstar Media, um dos maiores proprietários de canais de televisão dos Estados Unidos, declarou que não irá transmitir seu programa “no futuro próximo”, pois seus comentários haviam sido “ofensivos e insensíveis”.
A Nexstar também espera a aprovação federal para outro acordo de aquisição.
“Então, alguma vez ocorreu que uma empresa aparentemente cedesse aos caprichos do presidente para garantir o sucesso da sua fusão?”, brincou Colbert. “Tudo é questão de relações corporativas.”
Após sua visita de Estado ao Reino Unido, Trump declarou que “a única coisa” que os programas noturnos “fazem é atacar Trump… Eles têm uma concessão. Eles não podem fazer isso.”
Colbert respondeu afirmando que este tipo de programa “sempre falou sobre o presidente atual, que é você”.
“Por isso, digam o que disserem, não se trata apenas do que disse Jimmy na segunda-feira”, prosseguiu ele. “É parte de um plano.”
“Como sei disso? Há dois meses, quando o presidente comemorava com prazer o meu cancelamento, ele publicou: ‘Jimmy Kimmel é o próximo a sair.'”
‘Programa aprovado pelo governo’
Meyers, apresentador do programa Late Night na rede NBC, iniciou seu programa de quinta-feira (18/9) afirmando que o governo Trump está “tomando medidas drásticas contra a liberdade de expressão”.
E acrescentou, sarcasticamente: “E, sem nenhuma relação com isso, quero apenas dizer, antes de começar, que sempre admirei e respeitei o sr. Trump.”
Ante as risadas do público, Meyers prosseguiu: “Sempre acreditei que era um visionário, um inovador, um grande presidente e um golfista ainda melhor.”
O apresentador continuou reproduzindo uma série de gravações de Trump, declarando que havia proibido a censura governamental e restabelecido a liberdade de expressão nos Estados Unidos.

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Depois de reproduzir outras gravações sobre a situação de Kimmel, Meyers declarou que “é um privilégio e uma honra chamar Jimmy Kimmel de meu amigo, da mesma forma que é um privilégio e uma honra fazer este programa todas as noites”.
“Acordo todos os dias e agradeço por viver em um país que, pelo menos, pretende valorizar a liberdade de expressão. E continuaremos fazendo nosso show como sempre fizemos: com entusiasmo e integridade…”
Seguiu-se, então, um ruído de pum, em referência a uma piada anterior sobre um cavalo defecando em frente a Trump durante sua visita de Estado ao Reino Unido.
Voltando ao ponto, Meyers prosseguiu: “Este é um momento crucial… Este é um grande momento da nossa democracia e todos nós devemos defender a liberdade de expressão.”
“Existe um motivo para a liberdade de expressão estar incluída na Primeira Emenda”, destacou ele, em referência à Constituição americana. “Ela está por cima de todas as demais.”

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Jon Stewart foi ainda mais mordaz.
Ele começou seu programa na quinta-feira (18/9) com uma abertura repleta de bandeiras americanas, voos de aviões de combate e uma voz empostada apresentando “o novo ‘Daily Show’, aprovado pelo governo e apresentado pelo patrioticamente obediente Jon Stewart”.
Seguiram-se mais de 20 minutos do que ele chamou de “o manual de Jon Stewart sobre a liberdade de expressão na gloriosa era Trump, após sua passagem pelo programa de Kimmel”.
Durante o programa, Stewart perguntou aos seus sete correspondentes se os críticos e detratores tinham razão. “Donald Trump está reprimindo a liberdade de expressão?”, questionou ele.
“Claro que não, Jon”, responderam em uníssono, com vozes robóticas.
“Nós, americanos, somos livres para expressar a opinião que quisermos. Sugerir o contrário é ridículo [risos].”

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Ele também levou ao seu programa, como convidada, a jornalista filipina ganhadora do Prêmio Nobel da Paz, Maria Ressa, que apresentou seu livro Como Enfrentar um Ditador (Ed. Cia. das Letras, 2022).
No The Tonight Show, da rede NBC, Fallon disse aos espectadores: “Nem eu, nem ninguém sabe o que está acontecendo. Mas conheço Jimmy Kimmel e é um cara decente, divertido e carinhoso. Espero que ele volte.”
“Muita gente está preocupada se iremos continuar dizendo o que queremos ou se irão nos censurar. Mas eu vou cobrir a viagem do presidente ao Reino Unido como faria normalmente. Aqui vamos nós.”
“Bem, amigos, o presidente Trump acaba de encerrar sua viagem de três dias para o Reino Unido e…”
Neste momento, uma voz em off intervém para dublar o apresentador, dizendo: “… ele parecia incrivelmente bonito”.
Paralelamente, David Letterman, ex-apresentador de programas noturnos com longa carreira na TV, falou sobre a suspensão de Kimmel no Festival Atlantic, em Nova York, na mesma quinta-feira (18/9).
“Eu me sinto mal com isso, porque todos estamos vendo para onde isso vai, não é verdade?”, declarou ele. “São meios de comunicação manipulados. Não servem. É uma bobagem. É ridículo.”
Limites para a liberdade de expressão
Em um país polarizado como os Estados Unidos, a reação à suspensão de Kimmel depende da afiliação política de cada pessoa. E nem todos os apresentadores de programas noturnos têm a mesma opinião.
“As pessoas me procuram e dizem: ‘Se você é um comediante e está na televisão, deveria estar incomodado com isso.’ Na verdade, não estou”, declarou Greg Gutfeld, da rede de tendência conservadora Fox News.
O painel de convidados de Gutfeld criticou os comentários de Kimmel, argumentando que havia limites para a liberdade de expressão na TV aberta.
O apresentador também declarou que os que, agora, defendem Kimmel, já haviam tentado silenciar órgãos de imprensa e comentaristas de direita.
“A única forma de detê-los seria se eles soubessem que poderia acontecer com eles”, declarou Gutfeld. “Mas realmente é justo pensar assim? Não sei.”
Por outro lado, o ex-apresentador da rede CNN Piers Morgan afirmou que Kimmel havia causado “compreensível indignação em todos os Estados Unidos”.
“Por que ele é anunciado como uma espécie de mártir da liberdade de expressão?”
Fonte.:BBC NEWS BRASIL