
Crédito, Getty Images
- Author, Edison Veiga
- Role, De Bled (Eslovênia) para a BBC News Brasil
A imponente sede da Organização das Nações Unidas (ONU) em Nova York, palco anual da Assembleia Geral que reúne líderes de todo o planeta, é um símbolo do diálogo entre os povos e goza de status privilegiado dentro do território norte-americano.
No acordo assinado em 26 de junho de 1947 entre a cúpula da organização e o governo norte-americano, foram definidas regras explicitadas em 28 cláusulas. Uma delas deixa claro que o “distrito-sede” está sob controle e autoridade da ONU.
Há também regras que que o distrito é “inviolável”, inclusive por autoridades judiciais, militares ou policiais dos Estados Unidos.
E que autoridades norte-americanas “não podem colocar nenhum impedimento ao trânsito para ou a partir do distrito” a representantes de países-membros ou oficiais da ONU, nem às famílias deles.
O mesmo vale para a imprensa credenciada pela instituição, integrantes de organismos não-governamentais que estejam atuando como consultoras da entidade e outras pessoas convidadas pela administração do edifício-sede.
“Leis e regulamentos em vigor nos Estados Unidos referentes à entrada de estrangeiros não deverão ser aplicados de forma a interferir nos privilégios [citados]”, diz outra seção do documento.
Em outras palavras, é como se o quartel-general da ONU em Nova York fosse um território livre das leis do país onde ele se encontra — os Estados Unidos.
Construída entre 1948 e 1952, a sede foi projetada por um grupo de 12 arquitetos — o brasileiro Oscar Niemeyer (1907-2012), integrou a equipe, coordenada pelo norte-americano Wallace Harrison (1895-1981).
O time era completamente internacional, com representantes de países como China, União Soviética, Austrália, Uruguai e Suécia, entre outros.

Crédito, ONU/Peter Rosen Prod
A escolha de Nova York para sediar o organismo tem explicações históricas, conjunturais e econômicas.
A diplomacia internacional “via com bons olhos a sede ser nos Estados Unidos, porque isso garantiria um engajamento contínuo dos americanos com a instituição”, diz o jurista Luís Fernando Baracho, professor de direito internacional e de relações internacionais da Universidade São Judas Tadeu e um dos editores do blog Fora da Cadência, sobre política internacional.
Historicamente, veiculou-se a narrativa, inclusive em veículos de imprensa da época, de que a cidade era a ideal porque Nova York respirava cosmopolitismo e significava acolhimento aos estrangeiros, com sua população formada após levas de imigrantes de várias partes do planeta.
A conjuntura era justamente o pós-Segunda Guerra, quando a ONU foi criada. Com a Europa destruída pelo terror bélico do conflito mundial e os Estados Unidos já consolidado como grande potência, pareceu ser a escolha natural que a organização se instalasse em solo norte-americano.
O principal encontro que acabaria criando a ONU, a Conferência de São Francisco de 1945, também ocorreu nos Estados Unidos.
Por fim, a explicação econômica é que havia condições logísticas e de infraestrutura adequadas para abrigar uma organização de grande porte ali. Além de investimentos, é claro.
“Para os Estados Unidos, era importante porque demonstrava que eles participariam [do novo organismo] como a principal potência do mundo”, diz o cientista político Leonardo Bandarra.
Europa ou Novo Mundo?
Considerada a predecessora da ONU, a Liga das Nações era baseada em Genebra, na Suíça.
“Pelo desenho, a ONU não começou do zero. Ela herdou a estrutura da Liga das Nações”, observa Baracho. “Mas ao herdar a estrutura, colocou-se a questão: permaneceria em Genebra ou iria para outro lugar?”
Contudo, havia pressão internacional para uma nova sede.
“A principal opositora [à permanência da sede em Genebra] era a União Soviética”, lembra Baracho. Isto porque, em 1939, o Estado socialista havia sido expulso da Liga das Nações.
Para a narrativa soviética, portanto, era importante que a instituição não representasse uma continuidade. Nações latino-americanas também queriam que a sede não ficasse na Europa.
A primeira Assembleia Geral da ONU ocorreu em Londres no ano de 1946. O evento que marcou o início das atividades da instituição foi abrigado pelo Westminster Central Hall, uma igreja metodista.

Crédito, ONU/Marcel Bolomey
“Trata-se de um prédio belíssimo e que não foi construído apenas para serviços religiosos. Tem uma baita estrutura”, diz Baracho.
Para o QG definitivo, São Francisco aparecia como potencial candidata, afinal ali havia sido realizada a conferência que redigiu a carta de fundação da ONU.
“Existiam outras concorrentes [dentro dos Estados Unidos]”, ressalta o professor, citando Filadélfia e Nova York como as principais.
“Não estava escrito nas estrelas que seria em Nova York”, comenta ele. Mas as condições logo fizeram com que a cidade despontasse como favorita.
“Era um dos epicentros da construção civil mundial, já era um ícone de urbanização”, lembra, citando a importância nova-iorquina dentro da sociedade norte-americana, então se consolidando como “a grande economia do mundo”.
“E havia recursos. Isso é importante”, acrescenta. No caso, a construção da sede também foi vista como estratégica pelo mercado imobiliário da Ilha de Manhattan.
“A região [onde seria erguido o distrito da ONU] era um lugar muito pobre, cheio de matadouros. Tinha ali a ‘rua dos bodes’, tinha um monte de bode. Era um centro logístico, entreposto de alimentos, em situação muito precária”, descreve Baracho.

Crédito, Project on UN History/Universidade de Cambridge
Para o local, havia um empreendimento de urbanização planejado pelo empresário do ramo da incorporação imobiliária William Zeckendorf (1905-1976). “Mas o cara não tinha grana suficiente para fazer o projeto dele. Ele levou a ideia de pegar uma área enorme e vender para a construção da sede da ONU”, conta Baracho.
O empresário John D. Rockefeller Jr. (1874-1960), cuja família já estava envolvida em filantropia e projetos da sociedade civil, efetuou a compra e repassou a gleba para a organização. Então os países-membros se cotizaram para construir o distrito.
Essa doação teria sido, no fim das contas, o golpe fatal para a vitória de Nova York como endereço da ONU.
De acordo com o cientista político Márcio Coimbra, ex-diretor da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), a cidade venceu as demais candidaturas por dois fatores: o papel assumido pelos Estados Unidos no pós-Guerra e o investimento que permitiu a aquisição das terras.
“A decisão [do local da sede] estava empacada até que uma doação de US$ 8,5 milhões feita pela família Rockefeller permitiu a compra do terreno às margens do East River em Manhattan”, ressalta Coimbra.
“Este gesto concreto, somado à oferta da cidade de Nova York, resolveu a questão prática e financeira. Foi uma decisão tomada por conveniência prática, impulso diplomático e uma demonstração de soft power norte-americano no novo ordenamento mundial”, completa.
Outras sedes
Oitenta anos depois, contudo, o cenário faz com que a instituição repense o simbolismo de concentrar as atividades mais importantes, como a Assembleia Geral, nos Estados Unidos.
Embora ainda de forma velada, diplomatas, membros de delegações da ONU e funcionários do alto escalão da organização admitem que a meta é cada vez mais valorizar os outros endereços da entidade, sobretudo o de Nairóbi, no Quênia.
Além de escritórios regionais que abrigam repartições específicas da ONU ao redor do mundo, há três locais que têm o status de sedes regionais — ou quartéis-generais regionais. São os escritórios de Genebra, de Viena e de Nairóbi.
Bandarra, cientista político que frequenta essas instituições pelo menos duas vezes por ano por conta de suas pesquisas, conta que tem observado o crescimento de “discussões” sobre um uso mais intenso dessas sedes regionais para reuniões mais amplas, diminuindo um pouco o peso do escritório em solo americano.
Ele argumenta que esse movimento é tratado como um meio de facilitar o acesso a pessoas e organizações sociais que têm dificuldade de obter visto para entrar nos Estados Unidos além de descentralizar também a geografia do poder decisório.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL