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- Author, Anthony Zurcher
- Role, correspondente da BBC para América do Norte
Também ofereceu uma visão do Partido Republicano diante de uma encruzilhada, ponderando entre perdão e retaliação, entre reconciliação e conflito.
As principais lideranças da coalizão trumpista Make America Great Again (Maga, “Faça a América Grande Novamente”, em tradução livre) reuniram-se para celebrar a vida de Kirk em um evento de várias horas, com música e discursos.
O evento indicou a direção que o movimento Maga pode seguir, mais de dez anos após sua ascensão e a transformação da política nos Estados Unidos.
Erika Kirk, possível estrela do futuro
Apesar da presença de políticos proeminentes no domingo à noite (21/09), o momento central ocorreu quando Erika Kirk, viúva de Charlie, subiu ao palco. A ex-candidata de concursos de beleza, podcaster e empresária de 36 anos aproveitou a ocasião para pregar a unidade, incluindo o perdão ao assassino do marido.
“A resposta ao ódio não é ódio”, disse, com a voz embargada. “A resposta, sabemos pelo Evangelho, é amor e sempre amor: amor pelos nossos inimigos e amor por aqueles que nos perseguem.”
Foi um discurso marcante de uma mulher que rapidamente encontrou seu espaço sob os holofotes mais implacáveis. Na semana passada, ela foi nomeada líder da organização juvenil conservadora fundada pelo marido, Turning Point USA, grupo que ganhou nova energia e determinação após o assassinato de Kirk.
O domingo à noite mostrou que Erika Kirk possui força e caráter para se tornar a face pública efetiva da Turning Point USA.
Ela pode se tornar uma candidata formidável a cargos públicos em seu Estado natal, o Arizona, importante campo de batalha político. Suas palavras contrastaram com o tom explosivo e confrontador que marca grande parte da política americana contemporânea.

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O chamado às armas de Trump
Se Erika Kirk ofereceu uma visão de um futuro possivelmente mais gentil para o movimento conservador, o presidente americano, Donald Trump, que falou imediatamente após ela, lembrou rapidamente que o Partido Republicano atual pode ter prioridades muito diferentes.
“Odeio meus adversários e não quero o melhor para eles”, disse Trump, com uma risada. “Agora a Erika pode falar comigo e com todo o grupo e talvez consigam me convencer de que isso não está certo, mas eu não suporto meu adversário.”
As declarações de Trump ocorreram um dia após uma postagem na plataforma Truth Social em que ele exigia que o Departamento de Justiça processasse seus inimigos políticos, incluindo o senador da Califórnia Adam Schiff (Partido Democrata), o ex-diretor do FBI James Comey e a procuradora-geral de Nova York, Letitia James.
Trump também anunciou que havia demitido um procurador federal que recentemente afirmou não haver provas suficientes para acusar James de um crime, substituindo-o por um de seus antigos advogados de defesa.
As falas de Trump no memorial destoaram do tom da ocasião, mas ele não foi o único a usar o evento para prometer ações contra “inimigos”.
“Nós somos a tempestade”, disse Stephen Miller, assessor sênior da Casa Branca. “Nossos inimigos não conseguem compreender nossa força, nossa determinação, nossa firmeza, nossa paixão.”
Miller acrescentou que os conservadores lutariam pela cultura e tradições ocidentais e que seus adversários não tinham nada além de maldade e inveja.
“Vocês não têm ideia do dragão que despertaram”, afirmou.
Indícios de um revival religioso
Embora o evento apresentasse notas discordantes, o tema geral lembrava um renascimento religioso — reminiscente das cruzadas de tendas de Billy Graham nas décadas de 1930 e 1940 ou dos “grandes despertares” do século 19.
O memorial celebrou o cristianismo de Charlie Kirk e prometeu novo entusiasmo entre jovens americanos por valores tradicionais, com fervor evangélico.
Dezenas de milhares de apoiadores lotaram o estádio, outros milhões acompanharam online. Esses números devem empolgar líderes conservadores que desejam ver o cristianismo ocupar papel mais central na vida pública e política dos EUA — posição defendida por Kirk em diversas ocasiões.
“O corpo político da América era tão cristão e tão protestante que nossa forma e estrutura de governo foi construída para pessoas que acreditavam em Cristo, nosso Senhor”, disse Kirk em 2024. “Não se pode ter liberdade se não houver uma população cristã.”
Embora o cristianismo tenha diminuído nos EUA nos últimos anos, ainda é a fé majoritária. Pesquisas indicam, porém, que jovens americanos são menos religiosos que os mais velhos, o que aponta para possíveis mudanças futuras.
A morte de Kirk pode provocar um despertar religioso entre a juventude americana. Se não o fizer, a retórica evangélica de domingo à noite pode excluir tanto quanto unir — aprofundando divisões culturais e políticas no país.

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Ambições presidenciais em evidência
Embora o segundo mandato de Trump tenha apenas nove meses, o domingo à noite pode ter sido um primeiro confronto na disputa pela indicação republicana à Presidência em 2028.
Três possíveis candidatos — J.D. Vance (vice-presidente), Marco Rubio (secretário de Estado) e Robert F. Kennedy Jr. (secretário de Saúde) — tiveram espaços de fala destacados.
Todos falaram sobre a importância de seu relacionamento com Kirk e sua própria fé, oferecendo elogios mais focados e tradicionais, em nítido contraste com o discurso de Trump. Ainda assim, havia um viés político voltado para o futuro em suas falas.
“Por Charlie, reconstruiremos os Estados Unidos da América para a grandeza”, disse Vance. “Por Charlie, nunca recuaremos, nunca nos acovardaremos e nunca vacilaremos, mesmo quando estivermos diante do cano de uma arma.”
Kennedy descreveu Kirk como alguém que “mudou a trajetória da história” e destacou os riscos de desafiar “interesses arraigados”. Rubio elogiou Kirk por inspirar os americanos a “viver uma vida produtiva, casar, constituir família e amar o país”.
Trump, naturalmente, foi um orador de destaque no comício, mas o presidente dos Estados Unidos não dominou o evento como costuma fazer em ocasiões políticas.
No domingo, os conservadores começaram a ter uma noção de quem pode se tornar ator-chave no cenário nacional quando Trump deixar a cena.
Falando em protagonistas, o domingo à noite marcou o retorno de uma das figuras mais proeminentes do início do segundo mandato de Trump.
O bilionário da tecnologia Elon Musk, que era confidente próximo de Trump antes de uma desavença pública em junho, visitou o camarote do presidente no evento em Phoenix e manteve o que pareceu ser uma conversa amigável.
“Achei legal”, disse Trump aos repórteres em seguida. “Ele veio; conversamos.”
Musk, que chefiou o Departamento de Eficiência Governamental (Doge, na sigla em inglês) de Trump no início deste ano, supervisionou demissões em massa no governo federal e tentou cortes orçamentários.
Ele rompeu com Trump em relação a um projeto de lei de gastos de US$ 3,4 trilhões (cerca de R$ 18,5 trilhões) do Congresso e, posteriormente, prometeu criar seu próprio partido político.
A reconciliação entre Trump e Musk não foi o desenvolvimento mais relevante do memorial, mas pode ter sido um dos mais inesperados — e ninguém sabe para onde isso pode levar.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL