12:13 PM
6 de outubro de 2025

O corpo fala, mas a gente ouve?

O corpo fala, mas a gente ouve?

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São 8h45 da manhã de sábado e estou correndo na esteira da academia que frequento há quase dez anos. De olho no painel, tento manter a frequência cardíaca na zona laranja — o alvo do treino. Enquanto o corpo corre, a mente também se movimenta. Penso nas duas notícias que mais me impactaram recentemente.

A primeira: a comoção com a morte precoce da cantora Preta Gil, vítima de um câncer colorretal. A segunda: uma reportagem, aqui mesmo em VEJA SAÚDE, sobre novos estudos indicando que a prática regular de exercícios não só previne como contribui para evitar a volta do câncer.

Remo, exercícios funcionais, volta para a esteira. O painel agora está vermelho: hora de reduzir o ritmo. Penso em como, há dez anos, eu raramente perguntava aos meus pacientes sobre os pilares básicos da saúde: sono, alimentação, atividade física.

Algo se desorganizou — ou se escancarou — após a pandemia. E a escalada tecnológica que atravessa nossa vida, embora traga benefícios, parece também desconectar corpo, mente e alma. O professor avisa: dois minutos de intensidade máxima. O painel pisca no amarelo — estou abaixo do meu rendimento.

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Mas vamos lá. Hoje, compreendo que um profissional da psicologia não pode ignorar o corpo. Cuidar da saúde física é condição para alcançar bem-estar emocional, mental e, para quem crê, espiritual. Eu sou uma dessas pessoas. Esteira novamente. A música embala o ritmo forte, mas o esforço me puxa de volta ao limite.

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Reduzo. Penso em como minha escuta clínica mudou. Ao acolher um novo paciente, costumo perguntar: o que tem feito para cuidar de si? Sem esse cuidado, o mergulho nos territórios mais sutis da alma — sonhos, devaneios, sintomas — até é possível, mas bem mais árduo.

Não se trata de impor uma cartilha de bem-estar. Cada pessoa pode se inspirar em outros modelos, mas é saudável descobrir seu próprio modo de reconexão. Quando corpo e psique não dialogam, o adoecimento encontra brechas. Às vezes, basta um gesto — uma caminhada sob o céu aberto, uma respiração mais consciente, um alimento que nutre de fato — para iniciar esse diálogo.

Bem, minha aula termina. Sinto um pequeno insight surgir. A consciência corporal é a base das emoções incorporadas, e, por meio delas, entramos em contato com os conteúdos do inconsciente. Mas foi um longo caminho. Ainda me lembro de como eu detestava correr na infância — dar voltas na quadra parecia não ter sentido.

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Hoje, conhecendo o valor da atividade física, sei que o esforço vale a pena. E, ao final, percebo que esse circuito de treino é uma metáfora potente da relação entre corpo e alma. E por que é vital escutar ambos.

Haverá momentos no “amarelo” (como num resfriado) ou no “vermelho”, diante de um susto ou de uma perda. E tudo bem. O importante é não perder o compasso da escuta.

Como disse o poeta romano Juvenal, no século 1 d.C., mais valioso do que poder ou riqueza é ter uma mente sã num corpo são. O corpo e a psique falam todos os dias. A questão é: estamos dispostos a escutá-los antes que precisem gritar?

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*Monica Martinez é psicóloga e supervisora clínica com orientação junguiana, jornalista e doutora pela USP. Atua em seu consultório com escuta simbólica e escrita terapêutica.

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Fonte.:Saúde Abril

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