11:55 AM
7 de outubro de 2025

Irã: o afundamento do solo que ameaça relíquias do Império Persa

Irã: o afundamento do solo que ameaça relíquias do Império Persa

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O sol sai sobre as escadas e colunas de pedra talhada do terraço da antiga cidade persa nas ruínas de Persépolis. Uma zona elevada de pedra abriga diversas colunas gigantes e estruturas em arco adintelado. Existem figuras esculpidas na base da plataforma.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, As magníficas ruínas da cidade real de Persépolis ‘são um sítio arqueológico único’, segundo a Unesco

    • Author, Armen Nersessian
    • Role, Serviço Mundial da BBC

As colunas e escadas de pedra esculpida do terraço de Persépolis, a capital cerimonial do antigo Império Persa (c.550 a.C.-330 a.C.), sobreviveram por 2,5 mil anos. Mas, agora, o solo em volta do local, que é Patrimônio Mundial da Unesco, está afundando.

O terraço é construído sobre rocha sólida. Algumas partes podem se mover em apenas alguns milímetros.

Mas as planícies suavemente inclinadas em volta das frágeis estruturas antigas de pedra se formaram com sedimentos que foram depositados pela água corrente. E, agora, elas estão afundando, dezenas de centímetros por ano.

O solo da planície de Marvdasht, no Irã, começou a se fragmentar e as rachaduras estão aumentando. Ela fica a menos de meio quilômetro do terraço e a até 10 metros de outro local histórico, Naqsh-e Rostam.

“Existem fissuras na terra, nas proximidades imediatas de Persépolis e Naqsh-e Rostam, que podem ser atribuídas ao grau de subsidência do terreno”, a diferença de velocidade em que a terra está afundando, explica Mahmud Haghshenas Haghighi, do Instituto de Fotogrametria e Geoinformação da Universidade Leibniz, na Alemanha.

“Em relação a Persépolis, li notícias na imprensa sobre rachaduras e outros sinais de danos. Mas, sem um estudo abrangente, não podemos atribuí-los diretamente ao grau de subsidência.”

“O terraço fica em uma formação geológica relativamente estável, no sopé da montanha”, descreve ele.

Baixo-relevo de guardas persas adornam o palácio de inverno de Dario, o Grande, em Persépolis

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Fundada no ano 518 a.C. por Dario 1° (550 a.C.-486 a.C.), Persépolis foi a capital do Império Persa, onde o rei dos reis construiu um palácio impressionante

Ruínas magníficas

A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura classificou Persépolis como Patrimônio Mundial em 1979. Suas “ruínas magníficas” estão “entre os maiores sítios arqueológicos do mundo”, segundo a Unesco.

“Conhecidas como a joia do conjunto aquemênida [persa] nos campos da agricultura, planejamento urbano, tecnologia de construção e arte, a cidade real de Persépolis é um dos sítios arqueológicos que não têm equivalente e representa um testemunho único de uma das mais antigas civilizações.”

Aquela civilização se tornaria o Império Persa, frequentemente descrito como a primeira superpotência do mundo. No seu auge, ele cobria uma vasta área que se estendia desde a Líbia, no oeste, até a Índia, no leste.

Antiga necrópole persa escavada diretamente em uma enorme parede rochosa. A pedra calcária apresenta portais com formas complexas. Turistas passam caminhando sob o céu azul intenso.

Crédito, Ullstein Bild via Getty Images

Legenda da foto, A necrópole escavada diretamente na rocha, no sítio arqueológico de Naqsh-e Rostam, permanece estável até o momento. Mas a rachadura próxima ao local vem afundando rapidamente

Muitos dos outros 28 locais iranianos declarados como Patrimônio Mundial também ficam perto de áreas onde o solo está afundando. Eles incluem Pasárgada, a capital original do Império Persa, e a cidade histórica de Yazd.

As autoridades destacam riscos de subsidência em Isfahan, que também é Patrimônio Mundial da Unesco. Suas pontes e mesquitas ficam à beira de zonas de afundamento.

E a Ferrovia Transiraniana, com 1.394 km de extensão, atravessa diversas bacias que estão afundando, o que pode causar distorções nos trilhos. A estrada de ferro foi designada Patrimônio Mundial em 2021.

Escada que conduz à entrada de uma torre retangular independente de pedra calcária branca, com quatro janelas laterais

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, O Cubo de Zoroastro (Kaba ye Zartosht), de 14 metros de altura, em Naqsh-e Rostam, possui uma rachadura que o atravessa diretamente

Corrida contra o tempo

A subsidência da terra é lenta e sua detecção pode ser difícil, até que surjam as fissuras nas paredes e fundações.

Os pesquisadores usam radar e comparam as imagens ao longo do tempo.

“Esta tecnologia mede alterações muito sutis da superfície da Terra, até de poucos milímetros”, explica o professor Mahdi Motagh, do Centro de Geociências GFZ Helmholtz da Universidade Leibniz.

Sua equipe observa diferenças preocupantes de profundidade de subsidência em Persépolis, Naqsh-e Rostam e em locais próximos.

Elementos escavados diretamente no calcário, como em Naqsh-e Rostam, por enquanto, permanecem estáveis, mas a planície próxima está afundando rapidamente.

“Na fronteira entre o local histórico rochoso e a planície, observamos um forte gradiente no campo de deslocamento, causando grandes rachaduras e fissuras na terra”, explica o professor.

“Danos irreversíveis já ocorreram em alguns lugares. Observamos uma rachadura que passa diretamente através do Cubo de Zoroastro [de Naqsh-e Rostam] e o danificou.”

Motagh afirma que apenas avaliações detalhadas no local podem revelar quando outros locais serão atingidos. Mas ele destaca que “isso, certamente, irá acontecer algum dia”.

Iluminada ao anoitecer, a Ponte dos 33 Arcos, do início do século 17, na cidade de Isfahan atravessa o leito seco do rio Zayandeh Rud. Um grupo de pedestres é observado cruzando a ponte.

Crédito, NurPhoto via Getty Images

Legenda da foto, O Irã continua consumindo mais água do que oferece a natureza, esgotando seus rios e deixando as pontes históricas de Isfahan em risco de afundamento

Águas subterrâneas esgotadas

Quando a água é bombeada em excesso das camadas subterrâneas, conhecidas como aquíferos, o solo se compacta e a superfície da terra afunda, às vezes de forma permanente.

A seca e o clima mais quente agravam a situação, já que menos água retorna para a terra. E o Irã é um dos países que perde seus aquíferos com mais rapidez.

O país consome mais água do que a natureza fornece há décadas. O Irã esgotou, primeiramente, rios e reservatórios e, em seguida, canalizou as reservas de água subterrânea.

Os aquíferos iranianos vêm sendo fortemente extraídos desde os anos 1970. Estimativas indicam que mais de 70% das suas reservas foram esgotadas.

“Diversos estudos analisados por pares demonstram que o Irã é um dos maiores consumidores de água subterrânea do mundo”, afirma Andrew Pearson, do Centro Internacional de Avaliação dos Recursos Aquíferos (IGRAC, na sigla e inglês).

“Cerca de 90% do uso da água no Irã se concentra na agricultura”, explica ele, “e a extração excessiva, exacerbada pela seca, é a principal causa do esgotamento.”

Ilustração que mostra como a terra afunda

Os impactos vão muito além dos locais históricos.

Uma recente análise nacional concluiu que cerca de 56 mil quilômetros quadrados de terras no Irã sofrem subsidência em nível suficiente para ser medido. A área representa 3,5% do país.

Algumas regiões da capital iraniana, Teerã, vêm afundando cerca de 25 cm por ano nas últimas décadas.

Em Rafsanjan (no sudeste do país, que abriga vastas plantações de pistache), estima-se que 300 milhões de metros cúbicos de água sejam retirados dos aquíferos todos os anos, devido à extração excessiva.

E, à medida que a terra afunda, as estradas, canais e tubulações se inclinam e entortam, criando problemas de infraestrutura que trazem graves prejuízos.

Azulejos islâmicos, com padrões detalhados, rachados devido à tensão. Eles apresentam motivos florais em azul, amarelo, preto e branco.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, As mesquitas de Isfahan, Patrimônio da Humanidade, mostram sinais visíveis de afundamento do terreno.

Só o Irã?

A Cidade do México, Jacarta (capital da Indonésia) e o Vale Central da Califórnia (EUA) já registraram, em algum momento, afundamento de 100 mm por ano.

O que chama a atenção no Irã é a profundidade e a escala do processo, além da quantidade de locais históricos em risco.

“Devido ao ambiente geológico, a subsidência da terra no Irã é frequentemente acompanhada por fissuras, rupturas da superfície que podem se estender por quilômetros e atingir vários metros de profundidade, com sérias consequências para as estruturas e a infraestrutura”, afirma o professor Pietro Teatini, da Universidade de Pádua, na Itália.

Muitos outros países do Oriente Médio e do norte da África, particularmente o Egito, Arábia Saudita, Israel e os Territórios Palestinos Ocupados, enfrentam problemas similares. A região é uma das que mais sofrem com o estresse hídrico no mundo.

A Unesco organizou seminários técnicos e reuniões com representantes do governo em países como a Indonésia e o Vietnã. Existem iniciativas em planejamento nas Filipinas, mas as circunstâncias políticas limitam a realização de trabalhos similares no Irã.

Gestão dos recursos hídricos

Um porta-voz da Unesco declarou à BBC News que as lições aprendidas na Espanha, México, China e Indonésia demonstram que a subsidência, depois que ocorre, é efetivamente irreversível.

Por isso, a gestão sustentável das águas subterrâneas é essencial em regiões áridas, como o Irã.

Os especialistas concordam com a necessidade de gestão integrada dos recursos aquíferos. Mas eles alertam sobre os obstáculos sociais e políticos.

Em regiões dependentes da agricultura, cortes rápidos podem trazer graves consequências.

“É preciso combinar a geociência com a prática da engenharia e a preservação dos locais históricos”, afirma Motagh. “Mas não é algo fácil e atingir cooperação significativa com as instituições iranianas permanece particularmente problemático.”

Baixo-relevo de figuras que adornam uma escada do palácio de Persépolis, mostrando uma fila que parece subir a escada sob a luz brilhante do sol

Crédito, LightRocket via Getty Images

Legenda da foto, Especialistas esperam que o Irã possa encontrar uma forma de conservar sua água e seu patrimônio histórico

O Irã se comprometeu a reduzir o consumo nacional de água em 45 bilhões de metros cúbicos por ano, ao longo de sete anos, adotando o reuso, irrigação por gotejamento e melhorias do abastecimento.

Mas estes objetivos ambíguos são desacelerados pelas sanções internacionais, pela burocracia e pela falta de investimentos.

Em agosto, a BBC questionou o Ministério do Exterior do Irã, o consulado e a Embaixada do país em Londres, pedindo comentários sobre os planos de gestão dos recursos hídricos iranianos. Mas não houve resposta aos e-mails, nem a uma carta entregue pessoalmente à Embaixada, até a publicação desta reportagem.

As medidas tomadas para enfrentar a subsidência em outras partes do mundo poderão mostrar ao Irã como o país pode conservar água e seu patrimônio histórico.

Nos anos 1980, partes da capital tailandesa, Bangkok, afundavam em 120 mm todos os anos. Mas, depois que o governo introduziu limites de bombeamento, preços e monitoramento, os níveis dos aquíferos subiram e a subsidência foi reduzida para 10-20 mm por ano ou menos em muitas regiões, nos anos 2000.

“Não é uma mudança mágica, mas ela mostra que a política funciona”, conclui Andrew Pearson.



Fonte.:BBC NEWS BRASIL

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