A chef Bel Coelho quer que o Brasil e o mundo valorizem a comida da Amazônia e seus produtores. Se isso estava claro com seu trabalho nos restaurantes Cuia e Clandestina, em São Paulo, ela reafirma em “Floresta na Boca”, livro que lançará pela editora Fósforo na COP30, em Belém.
Na obra, ela registra ensinamentos colhidos ao longo de uma expedição realizada no início do ano pelo estado do Pará e destaca a importância de ingredientes nativos da região: a mandioca, o açaí, o cacau e a castanha-do-brasil (chamada também de castanha-do-pará). O livro está em pré-venda pela Amazon.
“Eu sou uma brasilianista, diria assim. Tenho um encantamento com a nossa cultura, nossos ingredientes e nossas paisagens”, afirma. Isso se reflete em seu trabalho —o Clandestina foi eleito o melhor restaurante de comida brasileira em São Paulo, segundo o júri deste ano d’O Melhor de São Paulo Gastronomia, prêmio da Folha.
Bel conta que transformou sua curiosidade em pesquisa prática. Interessada por ingredientes brasileiros, passou a puxar o fio da meada de cada cadeia produtiva assim que encontrava um alimento que a deslumbrava. Foi dessa forma que chegou a alguns dos fornecedores com quem trabalha em seus restaurantes hoje.
Em 2014, criou menu-degustação temático dos biomas do país no seu extinto restaurante Clandestino. A partir de então, sentiu a necessidade de registrar o sistema de produção dos alimentos do Brasil para além do cardápio de suas casas.
“Floresta na Boca” é o primeiro produto dessa empreitada. Didático, funciona como um guia sobre a comida da Amazônia, lugar que, a despeito da enorme projeção mundial, ainda é muito desconhecido, segundo o livro.
Dividido em três capítulos, Baixo Tocantins, Xingu e Tapajós, percorre o território paraense com paradas em associações e cooperativas de agricultores familiares, quilombolas, ribeirinhos e indígenas que protagonizam a produção dos alimentos selecionados.
Com o auxílio dos entrevistados, Bel traça um panorama sobre cada um deles: a importância na cultura alimentar da região, como é feito o cultivo e o processamento artesanal e quais os entraves da produção.
Há sempre uma ficha técnica dos ingredientes, que lista suas características e os produtos derivados, como o tucupi, a farinha e a goma de tapioca, gerados a partir do processamento da mandioca.
Em seguida, há um perfil dos produtores que conversaram com a chef durante a expedição no início do ano. Protagonistas dessas cadeias de produção, alguns deles Bel já conhecia e outros foram sugeridos pelo ecólogo Jerônimo Villas-Bôas, que criou o roteiro da viagem.
Os depoimentos registram a consternação da extrativista Raimunda Rodrigues com um ano em que a floresta “não deu” castanhas, consequência da seca de 2024. Também traz a perspectiva de Vanildo Ferreira Quaresma, presidente da Cofruta (Cooperativa de Fruticultores de Abaetetuba), sobre a açaização da Amazônia, processo que nota um aumento das palmeiras de açaí na região frente à demanda do produto no Brasil e no mundo.
Estão intercaladas no livro 10 receitas, como o peixe mapará assado e o tempurá de pimenta-de-cheiro com camarão e geleia de bacuri —3 criações de Bel e 7 de mulheres que fizeram parte da expedição pelo Pará.
A publicação traz ainda um glossário com 62 ingredientes característicos do bioma.
Com o livro, Bel compartilha seu olhar de que as pessoas que preservam a cultura alimentar da região são também aquelas que mantêm a floresta em pé. “Sem eles, ferrou. A gente precisa cooperar com a autoestima dessas pessoas, mostrar que o que eles fazem é relevante para a identidade cultural do país e do ponto de vista socioambiental”, afirma.
O lançamento durante a COP mostra a vontade de que o material chegue não só aos brasileiros, como ao restante do mundo. O livro, inclusive, terá versão em inglês. Quem assina o prefácio é a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva.
“A gente entende que esse não é um tema só para os brasileiros. A conservação socioambiental do Brasil tem de ser de interesse do mundo. A natureza age de forma integral no planeta inteiro, oxigênio e água não respeitam fronteiras”, diz a autora.
“Floresta na Boca” será lançado em São Paulo no dia 1º de dezembro, em evento na Livraria Megafauna que acontece a partir das 19h.
O livro foi financiado pelo Instituto Arapyaú e realizado em parceria com a Reenvolver. Junto ao livro, será lançado também um documentário da viagem, este apoiado pela Open Society Foundation, o Instituto Imbuzeiro e o Google.org. Os direitos autorais da publicação serão destinados às organizações de base comunitária que contribuíram para a elaboração do livro.
A publicação é apenas o primeiro produto de um projeto sobre os biomas brasileiros. Segundo Bel, a obra em sequência será sobre a caatinga. “A gente quer fazer a primeira viagem em janeiro”, diz.
Fonte.:Folha de São Paulo