Depois de taças de vinho da região espanhola da Andaluzia, surgem em uma enorme tela imagens do Cristo Redentor e de restaurantes brasileiros em cenas exibidas ao público do Gastronomika, em San Sebastián, congresso especializado em comida que há 27 anos funciona como um dos mais importantes termômetros do setor.

O vídeo que anuncia o Rio de Janeiro como cidade convidada do evento é parte de esforços do governo carioca para entrar na rota dos grandes destinos gastronômicos mundiais. A ação, articulada pela Secretaria Municipal de Turismo do Rio ao custo de R$ 3.25 milhões, teve chefs do Rio e centenas de quilos de comida brasileira servidos a visitantes de 48 nacionalidades no evento, que aconteceu de segunda (6) a quarta-feira (8).

O diretor do congresso, Benjamín Lana, mencionou a parceria no discurso de abertura, feito em um português pronunciado sem gafes. “Quero dar as boas-vindas especialmente à delegação do Rio de Janeiro: sejam bem-vindos, a cidade é [nossa] irmã do outro lado do Atlântico.”

Entre os 25 brasileiros presentes no Gastronomika estava o prefeito carioca Eduardo Paes (PSD), que também fez discurso e circulou junto aos organizadores entre os 141 estandes que oferecem itens como queijos, trufas e vinhos.

“Posso comer um pouco mais de jamón?”, brincou durante o tour. “Uma coisa que eu acredito é na gastronomia como atividade econômica. Mas precisamos construir uma narrativa.” Na visita, Paes sancionou uma lei que tornou San Sebastián da Espanha e São Sebastião do Rio de Janeiro cidades-irmãs para facilitar agendas de trabalho conjuntas.

A ideia de que foi a gastronomia a colocar a cidade basca no mapa turístico mundial foi amplamente ventilada no congresso, que teve a participação de alguns dos principais chefs do mundo, como os espanhóis Albert Adrià (Enigma) e Oriol Castro, Eduard Xatruch e Mateu Casañas (Disfrutar).

Do lado brasileiro, palestraram Thomas Troisgros (Oseille e Tijolada), Felipe Bronze (Oro) e Rafa Costa e Silva (Lasai), todos no Rio.

Além disso, os também cariocas Danilo Parah (Ruda) e Elia Schramm (Babbo Osteria, entre outros) ajudaram a preparar a comida servida no estande do Rio e no restaurante do evento. Ao todo, foram 1.500 pães de queijo, 290 empadinhas, 25 litros de cachaça para caipirinha e batidas e quase 200 quilos de feijoada. Durante os três dias do evento, circularam 14.620 visitantes na feira, que pagam 300 € (cerca de R$ 1.860) para assistir palestras.

“Queremos mostrar que o Rio tem uma gastronomia muito rica que não é conhecida, do botequim ao fine dining. Cada vez mais temos que incentivar que as pessoas sintam interesse em visitar o Rio não só pelo Carnaval, não só pelas praias. E não só o Rio, como todo Brasil”, diz Rafa Costa e Silva, que ocupa a 28ª posição no ranking de melhores restaurantes do mundo e a 7ª na lista da América Latina com o Lasai.

Para o chef, o Peru é um exemplo de país que já se consolidou no mercado como destino gastronômico na região e que, hoje, já consegue mostrar ao mundo particularidades de suas regiões.

De fato, uma das palestras mais aplaudidas do Gastronomika foi de Mitsuharu Tsumura, chef do Maido, restaurante em Lima eleito o melhor do mundo segundo o mesmo prêmio em 2025. Micha, como é conhecido, apresentou no evento ingredientes e tradições da cidade de Arequipa, ao sul do Peru.

Segundo o chef, o primeiro passo para que seu país pudesse ocupar hoje um lugar de destaque foi convencer os próprios peruanos da importância da sua cozinha. “Como você vai mostrar ao mundo com potência se não tem seus compatriotas como aliados? Hoje em dia o orgulho número um do peruano é a cozinha.”

A região basca, onde está San Sebastián, é outra das grandes mecas mundiais da cozinha –tanto na enorme oferta de restaurantes estrelados como nos pintxos, as tapas que se petiscam nos diminutos bares da região, que concentram frequentadores nas ruas.

Instalada ali está uma das chefs mais importantes do mundo, Elena Arzak, que comanda o famoso Arzak ao lado de seu pai, Juan. O sucesso da região, segundo Elena, vem da combinação de bons ingredientes, principalmente do mar, e a importância que o basco dá à cozinha local.

“Nos anos 1970 tivemos aqui uma revolução chamada ‘new basque cuisine’ liderada pelo meu pai e outras pessoas. Eles começaram a desenvolver uma cozinha mais moderna. Mas aqui a cozinha moderna não existe sem a tradicional.”

Para ela, o Brasil tem uma geração promissora, com nomes como Rafa Costa e Silva, e boas escolas de cozinha, como o Senac. “Mas talvez, olhando de fora, o que seria interessante era saber mais sobre as cozinhas regionais como a de Minas Gerais, a de Pernambuco.”

O Rio é a maior porta de turismo do cone sul e precisa comunicar melhor seu valor, diz Luis Martí López-Amor, diretor de marketing e desenvolvimento de negócios da Vocentro, conglomerado de mídia que também está à frente do San Sebastián Gastronomika e do Madrid Fusión, entre outros eventos.

López-Amor também afirma que a gastronomia ajuda a posicionar um destino turístico como mais “premium”, como, em sua visão, aconteceu com Copenhagen, na Dinamarca –onde fica o Noma, campeão do 50 Best Restaurant por cinco vezes.

A cooperação do grupo Vocento com a Secretaria Municipal de Turismo do Rio vai exceder o San Sebastian Gastronomika. Em novembro, o grupo envia ao Rio uma equipe que vai visitar restaurantes e entregar uma análise do mercado carioca. Uma outra etapa de trabalho está em discussão e pode envolver a participação da cidade no Madrid Fusión, outro congresso importante do setor.

Daniela Maia, secretária de Turismo do Rio, afirma que o projeto de promoção foi estruturado a longo prazo. “Não adianta só participar de festivais, é uma construção. A inspiração é na trajetória da cozinha peruana.”

Mas, é claro, é preciso existir um guarda-chuva abaixo de uma identidade, diz López-Amor. “Você tem que trabalhar outras coisas como saúde e segurança, por exemplo.”