Demorou 12 anos para o ministro da economia Fernando Haddad mudar de opinião sobre um assunto que deveria ser de suma importância para qualquer esquerda que deseje ser chamada de tal.
Em 2013, Haddad era prefeito de São Paulo quando estouraram na capital paulista e em todo o Brasil as jornadas de junho. Quem se lembra? Sem ser encabeçada por partidos, sem palanques ou carros de som organizados por movimentos tradicionais, as massas saíram às ruas exigindo transformações concretas na saúde, educação e sobretudo no transporte público.
Era época da Copa das Confederações, espécie de prévia da Copa do Mundo, e os cartazes nas ruas pediam escolas e hospitais “padrão FIFA”, iguais aos bonitos estádios construídos. Um governo supostamente de esquerda vinha retardando a entrega de benefícios à população, enquanto enchia (e ainda enche) os bolsos dos bancos de dinheiro.
O aumento de vinte centavos na passagem em São Paulo gerou um movimento que durou quase um mês e marcou profundamente a política brasileira, que teve que superar o bipartidarismo PT/PSDB para não ser tragada pelas massas ensandecidas. Não era “só pelos 20 centavos”. Tratava-se de repensar o transporte público para benefício de uma cidade mais humana e integrada.
Fernando Haddad era prefeito e Geraldo Alckmin, governador. Embora então de partidos adversários, eles se uniram contra a proposta mais ousada daqueles manifestantes: a tarifa zero para transporte urbano. E a polícia paulista fez o trabalho sujo de calar os protestos. Dilma, então presidente, preferiu trazer médicos cubanos a mexer nas máfias do transporte público. Esquerda sem coragem, gestou o bolsonarismo.
Eis que esta semana, o repressor Haddad anunciou que a proposta de tarifa zero no transporte público deve integrar a campanha de reeleição do presidente Lula em 2026: “Estamos fazendo uma radiografia do setor a pedido do presidente. Ele sabe que esse tema é importante para os trabalhadores, para o meio ambiente e para a mobilidade urbana”, disse Haddad.
A tarifa zero não é utopia. Como mostrou o pesquisador Roberto Andrés no Podcast Café da Manhã desta semana, já existem mais de 130 cidades pequenas e médias com transporte público gratuito, sendo 16 destes municípios com mais de 100 mil habitantes. Num universo de cinco mil cidades no país ainda é pouco, mas demonstra um horizonte possível para se implantar a tarifa zero do transporte público desde que um modelo seja discutido à sério nacionalmente.
Se de fato Lula defender esta bandeira na eleição de 2026, será um golaço. Mesmo que não consiga efetivá-lo por pressões do Congresso. Só o fato de colocar um tema tão importante em pauta já é um ganho enorme.
Quem sabe assim sairemos de nosso terraplanismo polarizado. A última discussão nacional esdrúxula desta semana foi sobre o cantor Toni Garrido ter mudado uma letra de sua canção que dizia: “Já que, pra ser homem, tem que ter/A grandeza de um menino”. Ele próprio compositor da canção mudou a letra para “a grandeza de uma menina/de uma mulher”, fazendo a autocrítica de um suposto machismo. A que ponto chegamos.
Diante de discussões tolas como essa, será um luxo debater o transporte público e tensionar para que outras correntes políticas emitam suas propostas discordantes. O que o bolsonarismo pensa sobre o tarifa zero? E qual a proposta dos liberais? O que um desenvolvimentista como Ciro Gomes, que na última eleição não tocou no assunto, pensa? Aqui em Recife, onde moro, um governo que se diz progressista como o do prefeito João Campos e foi reeleito com quase 80% dos votos não toca nas grandes empresas de ônibus da cidade.
Como esses atores políticos se posicionarão? Como o Haddad de 2013 ou o Haddad de 2025?
Seja como for, será um alento se não perdermos tempo com “mamadeiras de pirocas” da direita e delírios identitários das esquerdas nas próximas eleições. Tomara!
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Fonte.:Folha de S.Paulo