
Crédito, Getty Images
- Author, Kit Yates
- Role, BBC Future
Para entusiasmo do público presente durante o Campeonato Mundial de Atletismo, realizado em setembro em Tóquio, no Japão, Armand “Mondo” Duplantis saiu correndo pela pista com a vara. Os aplausos eram ensurdecedores. E Duplantis voou.
Sua marca de 6,3 metros trouxe o terceiro título mundial consecutivo de Duplantis e, surpreendentemente, seu 14° recorde mundial.
É uma amostra do que pode acontecer no esporte. Melhorias da alimentação, da técnica ou de equipamentos podem trazer uma súbita série de recordes mundiais, especialmente em modalidades técnicas, como o salto com vara e o ciclismo.

Crédito, Getty Images
Mas o recorde mundial masculino do salto em distância só foi quebrado uma vez desde 1968, quando o norte-americano Mike Powell saltou 8,95 metros durante o Campeonato Mundial de 1991, também realizado em Tóquio.
É possível que tenhamos atingido o limite do salto em distância, um nível em que melhorar ainda mais é impossível e as diferenças entre o desempenho dos atletas se resumem a fatores relacionados à “sorte”, como a direção e a velocidade do vento, a qualidade do sono de cada um na noite anterior e assim por diante.
Nós designamos este tipo de situação como “estacionária”, ou seja, a tendência geral do desempenho médio é inalterada.
Quando o sistema é estacionário, podemos nos questionar com que frequência devemos esperar a quebra de recordes devido a flutuações aleatórias. E, para conseguirmos um exemplo de sistema estacionário do qual temos medições há muito tempo, podemos observar os dados climáticos da era pré-industrial.
Os recordes e a chuva
Imagine que iremos investigar os níveis anuais de chuva em diferentes cidades ao redor do mundo. Neste levantamento, os totais de cada cidade são independentes das demais e não existe uma tendência geral do comportamento climático.
O total de chuva do primeiro ano em cada cidade, por definição, é um recorde. Se a chuva do segundo ano for independente da primeira, em média, metade das cidades terá chuvas maiores que as do primeiro ano e a outra metade, não.
Ou seja, após dois anos, o número médio de recordes em todas as cidades é de um mais a metade.
No terceiro ano, o total deve exceder os dois primeiros anos para estabelecer um novo recorde. Em média, isso acontece em apenas um terço das cidades.
Por isso, no final do terceiro ano, o número esperado de recordes é de um mais a metade, mais um terço.
E assim prossegue a série. Após 100 anos, o número esperado de recordes por cidade é de um, mais a metade, mais um terço, mais um quarto… mais um centésimo.
Ela está presente em todo tipo de análise, desde testes de estresse na construção civil até a logística de guerra, do embaralhamento confiável em jogos de cartas até a quantidade de figurinhas que você precisa comprar para completar o álbum.

Crédito, Getty Images
As parcelas que estamos adicionando ficam cada vez menores, mas a soma da série harmônica não se resume a um valor fixo. Na verdade, ela continua crescendo.
Na matemática, afirmamos que esta sequência é divergente. E ela confirma nossa intuição sobre os recordes.
Mesmo em sistemas estacionários, eventualmente ocorrem novos recordes, se esperarmos tempo suficiente. Mas, à medida que o tempo passa, o aumento da soma da série harmônica se torna muito lento.
Isso significaria que a frequência da quebra de recordes irá diminuir drasticamente ao longo do tempo.
Podemos esperar dois recordes nos primeiros quatro anos, depois cerca de sete anos pelo próximo, depois cerca de 20 anos pelo seguinte e mais 52 anos por mais um depois daquele.
Após um século, esperaríamos cerca de cinco recordes ao todo e, depois de mil anos, apenas sete.

Crédito, Getty Images
Mesmo em um sistema estacionário, ainda esperamos a quebra de recordes, mas com frequência cada vez menor. E, invertendo esta noção, podemos usar os dados sobre a velocidade de quebra de recordes para indicar se um sistema é ou não estacionário.
Décadas de dados climáticos, por exemplo, mostram que os recordes de temperatura estão sendo quebrados em velocidade alarmante. Isso indica que o clima da Terra não é mais estacionário e está se aquecendo rapidamente, devido aos efeitos da atividade humana sobre o planeta e à emissão de gases do efeito estufa na atmosfera.
A velocidade em que os recordes de calor são quebrados está caindo mais lentamente do que o esperado e chegou a aumentar nos últimos 15 anos. Já os recordes de frio caíram com muito mais rapidez do que em um clima estacionário.
Estas duas tendências indicam enfaticamente o aquecimento global.
Nos últimos 15 anos, a razão de recordes para eventos de frio caiu para menos de 0,5, o que indica que os recordes de frio estão sendo quebrados com a metade da frequência esperada.
Por outro lado, em 2020, a razão de recordes de calor aumentou para mais de quatro. Isso sugere que os recordes estão sendo quebrados com quatro vezes mais frequência do que esperaríamos em um clima estacionário.

Crédito, Getty Images
O que isso significa para o esporte?
No atletismo, não costumamos ter dados suficientes para saber se os esportes individuais atingiram o estado estacionário.
Estudos defendem que os dados sobre o desempenho nos esportes de elite, em uma série de eventos de campo e de pista, indicam que já atingimos ou nos aproximamos do pico do desempenho físico e que devermos esperar, a partir de agora, a quebra de recordes com menos frequência.
A quantidade de recordes quebrados por Duplantis nos últimos anos indica que o salto com vara provavelmente ainda não atingiu o estado estacionário. Já os recordes que duram anos sem serem quebrados sugerem que o salto à distância pode já ser estacionário ou até estar regredindo.
Mas é preciso tomar cuidado para não traçar conclusões fortes demais sobre a falta de recordes em uma modalidade específica.

Crédito, Getty Images
A natação também presenciou uma queda significativa da frequência de quebra dos recordes, depois da proibição dos trajes de poliuretano de alta tecnologia, em 2010.
Os chamados “supertrajes” reduziam a resistência e aumentavam a flutuação. Eles permitiram a quebra de um grande número de recordes em 2008 e 2009, quando foram permitidos. Alguns desses recordes permanecem até os dias de hoje.
Mas a velocidade de quebra de recordes começou a aumentar novamente, o que indica que o progresso das técnicas e do ambiente das piscinas pode permitir que os nadadores continuem a melhorar seus resultados ainda por algum tempo no futuro.
Mas, às vezes, os novos recordes podem se dever a indivíduos extraordinários, que ultrapassam os limites do esporte.
A nadadora americana Katie Ledecky, por exemplo, quebrou 16 recordes mundiais ao longo da carreira. No primeiro semestre do ano, ela estabeleceu uma nova marca para os 800 metros, nado livre.
E, com 14 recordes mundiais em seu nome, é justo dizer que Duplantis é outro atleta que vem definindo novos padrões sobre o que o ser humano é capaz de realizar.

Crédito, Getty Images
Mas, depois do escaldante e úmido Campeonato Mundial de Tóquio em 2025, o presidente da World Athletics (antiga Associação Internacional de Federações de Atletismo), Sebastian Coe, reconheceu que as mudanças climáticas podem forçar o esporte a reconsiderar sua tradição de realizar eventos no verão.
Curiosamente, Duplantis foi o único a estabelecer um novo recorde mundial em Tóquio.
Paralelamente, precisamos comemorar os novos recordes mundiais que surgirem. Afinal, os atletas que conseguirem esta façanha terão superado todas as dificuldades para atingir algo realmente especial.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL