
Crédito, Matthew Goddard/BBC
- Author, James Waterhouse
- Role, Correspondente da BBC na Ucrânia em Zhytomyr
Na Colônia Penal nº 4, prisão de segurança média, não há saídas fáceis. Mas os grossos portões de ferro e as imponentes paredes brancas cobertas com arame farpado dão à unidade uma sensação de segurança “máxima”.
Lá dentro, estão Andrii Askerov e Roman Chech: ambos condenados por tráfico de drogas que conseguiram identificar uma rota de saída antecipada.
Eles se candidataram com sucesso para ingressar no Exército ucraniano, onde passarão por um treinamento de um mês e, em troca da liberdade, lutarão “até o fim da guerra”.
“Não consigo imaginar como é matar um homem, só vi isso em filmes”, confessa Askerov, 30, que está cumprindo 18 meses de uma pena total de seis anos de prisão.
Sair da prisão é claramente sua motivação. Mas ele também quer retornar à sociedade como um cidadão que contribuiu, e não apenas como um condenado.
Desde a criação de uma nova lei no ano passado, mais de 10 mil prisioneiros se juntaram ao Exército ucraniano, incluindo assassinos.
No entanto, condenados por crimes mais graves, como múltiplos homicídios, violência sexual, corrupção e traição, são excluídos.

Crédito, Matthew Goddard/BBC
“Mais cedo ou mais tarde, todos acabarão na linha de frente”, diz Chech, 36, que também irá trocar o macacão cinza da prisão pelo uniforme militar.
“Eu teria um rótulo de condenado para o resto da vida, mas se eu servir, serei um militar”, diz. Para ele, ingressar não é apenas reabilitação, é também vingança.
“Minha irmã teria 21 anos agora”, explica Chech. “Ela foi morta quando um míssil russo atingiu sua casa em Kharkiv, em 2023.”
“Acima de tudo, eu gostaria de vingá-la.”
Segundo o governo ucraniano, a maioria dos prisioneiros que se alistaram se voluntariaram para a infantaria, onde participam de combates intensos.
Eles também integrarão uma nova força de ataque anunciada pelo presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, em setembro. Com especialistas tradicionais — como fuzileiros e paraquedistas — cada vez menos relevantes no campo de batalha moderno, a nova unidade atacará posições russas com apoio de drones.

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Se esses condenados quiserem provar a liberdade, eles terão de lutar nas partes mais perigosas da linha de frente por período indeterminado.
Nem todos sobreviverão. Segundo o governador da prisão Colônia Penal nº 4, metade dos cerca de mil detentos que se voluntariaram até agora já morreu.
‘Nós sabemos lutar’
A série de construções agrícolas convertidas no sul da Ucrânia funciona como uma base militar modesta, mas, para os cerca de 30 soldados feridos ali, representa um alívio.
Todos são ex-prisioneiros que retornaram de campos de batalha no leste. Oleksii, de 37 anos, lutava em Velyka Novosilka quando sofreu um ferimento grave na perna.
“Fomos atingidos por artilharia, morteiros e bombas planadoras”, explica ele. “Não esperava que tantos dos meus camaradas fossem mortos.”
Oleksii cumpria uma pena de oito anos por tráfico de drogas antes de se voluntariar para lutar. Sentado em sua cama improvisada, ele conta por que acha que presos são melhores soldados do que civis mobilizados.
“Os que são recrutados, é preciso arrancá-los do peito da mãe!”, ele exclama.
“Nós [presos] sabemos lutar! Sabemos lutar muito bem!”
A afirmação é reforçada por uma pilha de distintivos de velcro e passaportes, arrancados dos braços e dos bolsos de soldados russos mortos, trazidos de volta da frente de batalha pelos combatentes.

Crédito, Matthew Goddard/BBC
“Tenho uma quantidade considerável de cabeças russas, e ajudei centenas de camaradas feridos”, intervém Andrii Andriichuk.
Ele também conta que em seu tórax há cicatrizes de 47 estilhaços de granada. Ele já lutou na região fronteiriça russa de Kursk, como parte de uma ofensiva ucraniana.
Antes disso, ele era ladrão profissional.
Após quase quatro anos da invasão em grande escala pela Rússia, você se acostuma a encontrar tropas exaustas de passar meses ou até anos na linha de frente, enquanto se esforçam para conter os avanços russos.
Não aqui. Há um moral visivelmente elevado, impulsionado por um profundo senso de patriotismo, e um provável alívio por saírem das celas da prisão.
Eles admitem que muitos ex-detentos desertam assim que saem da prisão, mas afirmam que a maioria quer fazer a sua parte.
“Cometi muitas maldades por este país”, diz Andriichuk. “Tudo tem um preço. Vou voltar ao trabalho em que sou bom: lutar.”
“Eu também tenho habilidades”, ri Oleksii. “Sei matar. Só que aqui não serei condenado por isso.”
Segundo os soldados que supervisionam os condenados, esses homens precisarão de “muita sorte” para sobreviver até o fim da guerra. No entanto, eles aparentemente não gostariam de estar em nenhum outro lugar.
Comparações desconfortáveis
Então o vice-ministro da Justiça da Ucrânia, Evhen Pikalov, admite que o país está fazendo o mesmo?
“Há uma diferença enorme: os russos são pagos por metro, e os ucranianos são movidos por sentimentos patrióticos”, afirma.
Pikalov se apresenta como um reformador dentro de seu departamento e defende que a Ucrânia priorize mais a reabilitação, em vez da punição, quando se trata de criminosos.
“Nosso principal objetivo é ressocializar, dar uma chance a eles. Não tem nada a ver com explorar as vulnerabilidades dessas pessoas”, argumenta.
“É uma oportunidade para eles defenderem e protegerem nosso país, só isso.”
Quanto à moralidade de permitir que assassinos deixem a prisão após cumprir apenas uma fração da pena, Pikalov enfatiza que não se trata de perdões, mas de liberações condicionais.
“É claro que temos um componente emocional aqui, mas para as famílias de algumas vítimas, mesmo sem a guerra, as sentenças nunca são suficientes.”
Com o passar do tempo, homens motivados estão se tornando cada vez mais difíceis de encontrar na Ucrânia. E com a paz cada vez mais distante, a busca por eles deve se aprofundar ainda mais.
Reportagem adicional de Volodymyr Lozhko, Rebecca Hartmann e Anastasiia Levchenko
Fonte.:BBC NEWS BRASIL